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RFI Brasil

Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.

371 - COP29: gastar mais em energias fósseis do que na transição "é suicídio planetário", diz Carlos Nobre
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  • 371 - COP29: gastar mais em energias fósseis do que na transição "é suicídio planetário", diz Carlos Nobre

    A Conferência do Clima da ONU em Baku, no Azerbaijão (COP29), chega ao seu último dia marcada por um impasse já esperado na questão do financiamento climático. Todos os anos, o tema costuma ser o que mais trava as negociações nas COPs – sintetiza as discordâncias sobre o quanto cada país está ou não fazendo para combater o aquecimento do planeta.

    Lúcia Müzell, da RFI em Paris

    Desta vez, o financiamento é o foco da conferência – os quase 200 países reunidos no evento têm a missão de chegar a um novo valor anual de recursos a serem disponibilizados para os países em desenvolvimento promoverem a economia de baixo carbono.

    O Acordo de Paris sobre o Clima determina que cabe aos países desenvolvidos viabilizarem esta soma, mas as nações ricas avaliam que chegou a hora de grandes potências emergentes, a começar pela China, maior emissora de gases de efeito estufa, também contribuírem. 

    “Vamos torcer que eu consiga sair de lá um pouquinho mais otimista. A transição está muito lenta”, desabafa o climatologista Carlos Nobre, reconhecido internacionalmente pelos estudos sobre o aquecimento global e, em especial, sobre as consequências do problema na Amazônia.

    Nos anos 1990, ele foi um dos primeiros a teorizar sobre o ponto de não retorno da floresta – quando as condições climáticas terão se alterado a tal ponto que a Amazônia não conseguirá mais se regenerar e entrará em um processo de savanização.

    Pouco antes de embarcar para Baku, Nobre conversou por telefone com a RFI sobre como as Conferências do Clima poderiam trazer resultados mais efetivos, tema de uma carta enviada pelo Clube de Roma às Nações Unidas, e da qual ele é um dos poucos brasileiros signatários. Carlos Nobre é e ex-membro do IPCC, o Painel de Especialistas da ONU sobre as Mudanças do Clima e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2007.

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

    RFI: No último fim de semana, o senhor sobrevoou a Amazônia de helicóptero com presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em uma viagem histórica. Ver de perto os impactos do aquecimento global pode mudar o rumo das coisas, e o rumo das COPs? As pessoas e os líderes precisam mais desse contato com a realidade em campo, para começarem a agir de verdade?

    Carlos Nobre: Sem dúvida, quando políticos tão importantes quanto o presidente dos Estados Unidos, o primeiro presidente americano exercendo o mandato que vem para conhecer a Amazônia, vem e vê o que ele viu, é muito importante. É diferente de só ouvir falar dos riscos. Ele viu. Nesse voo, ele viu todas as áreas do lado de Manaus superdesmatadas, degradadas, um monte de floresta queimada, algumas queimadas que aconteceram há poucos dias ou meses. Tudo queimado, árvores mortas. As margens do Rio Negro todas secas. Nós estávamos voando ali em cima da floresta e aparecem duas fumaças de incêndio. Alguém tinha posto fogo algumas horas antes, no meio da floresta.

    Eu mostrei para ele o que o aquecimento global está fazendo: a maior seca da história da Amazônia. Falei muito dos prejuízos para a biodiversidade, os riscos para o Rio Negro, que tem mais de 1.000 espécies de peixes. Falei do ano passado, quando o lago Tefé teve a maior temperatura da história, atingiu 41°C e morreram mais de 400 botos e dezenas de milhares de peixes.

    Eu acho que o presidente, tendo a oportunidade de ver isso com os olhos, é muito mais importante do que simplesmente alguém, cientistas e políticos, comunicarem sobre isso. Ou até o presidente Lula ou outros presidentes dos países amazônicos.

    Os alertas já são dados há décadas, mas a reação da humanidade ao que está acontecendo com o clima acontece a passos muito lentos – e muito lentamente também avançam as COPs. O senhor ainda confia que as Conferências do Clima são a melhor solução para encarar essa realidade, que inclusive está se acelerando mais rapidamente do que a própria ciência previa?

    A COP não tem sido a melhor solução. Elas têm sido promessas de salvar o planeta. Promessas. Quando a COP26 em 2021, na Irlanda, em Glasgow, fala: “não podemos deixar o aumento da temperatura passar de 1,5°C, nós temos que rapidamente reduzir as emissões líquidas, zerá-las até 2050”, nada disso foi feito.

    Os dados iniciais mostram que em 2024 terá mais alta emissão do que em 2023. Mesmo que a gente entendesse que precisa reduzir quase 50% das emissões até 2030, será que a gente vai conseguir reduzir 50% das emissões em seis anos? E depois zerar? Me parece muito, muito difícil.

    Os países bateram o martelo no sentido de que as metas são voluntárias, mas pouquíssimos países estão caminhando nessa direção. O Brasil lançou na COP29 a meta de reduzir até 69% as emissões até 2035, em relação a 2005 – que é muito alta, recorde de mais de 3 bilhões de toneladas. O Brasil e outros países têm começado a debater, mas os desafios são muito maiores. Precisamos realmente zerar as emissões muito antes de 2050. Caso contrário, nós podemos chegar a 2,5°C de aquecimento em 2050. Isso é um ecocídio para o planeta.

    Os documentos das Conferências do Clima não têm o poder de obrigar ninguém a cumprir o que é acordado. Como conferências menores e mais frequentes, como está sugerindo o clube de Roma, poderiam ajudar? As COPs se tornaram grandes demais?

    Sem dúvida. Eu acho que a gente está entrando numa emergência climática tão grande, com a temperatura tendo atingido já por 16 meses 1,5°C, bateu o recorde de todos os eventos extremos. Isso está acontecendo no planeta todo. Então eu diria que agora vamos ter que ter reuniões muito mais rápidas, muito mais decisivas, com países muito voltados para buscar essas soluções.

    Uma medida crucial é a checagem entre as promessas e as ações, a responsabilização daqueles que não estão fazendo a sua parte. Mas no nosso contexto atual de tantas guerras e de enfraquecimento das instituições multilaterais, e com a perspectiva da volta do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, a ONU vai ser capaz de cumprir esse papel?  

     

    Sem dúvida esse é um desafio imenso. É muito difícil imaginar um sistema para buscar soluções globais que não tenham a ver nada com a ONU. As Nações Unidas têm que ter um papel muito, muito grande. O secretário-geral, António Guterres, tem batido muito forte, muito corretamente. Ele já até falou que o planeta está pegando fogo, que está uma efervescência global, não é mais aquecimento.

    Então, é realmente muito importante que a ONU continue. Mas aí, sim, tem o desafio da ONU de conseguir trazer os países que têm maiores compromissos. Mostrar países atingindo metas. Já têm países que estão bem mais próximos de zerar as emissões. Vamos começar a dar um peso muito grande político para esses países.

    E o grande desafio é que cerca de 80% das emissões são da queima de combustíveis fósseis para gerar energia. Como convencer o país que mais emite hoje, a China, quase tudo de combustíveis fósseis? Como realmente convencer que esses países acelerem muito a transição energética?

    O menor custo é de cerca de US$ 1 trilhão por ano. Um número bem melhor seria US$ 2 tri a 3 trilhões por ano, para fazer uma superaceleração. Daria quase para fazer uma transição energética até 2040, mas o que se gasta nisso não chega nem perto.

    Hoje, ainda se gasta muito mais trilhões de dólares por ano para expandir a exploração de combustíveis fósseis. Isso aí é um ecocídio e um suicídio planetário. Se está se gastando mais para manter os combustíveis fósseis do que para fazer a transição energética.

    Nesse sentido, o Brasil, país-sede da COP30 no ano que vem, fica numa posição delicada. Será que, até lá, a gente vai ter uma sinalização mais clara sobre os planos do Brasil de continuar abrindo novas frentes de exploração de petróleo?

    Nós temos que ter. Senão, o Brasil jamais será o líder da COP 30, como o presidente Lula levou agora no G20, e a ministra Marina Silva tem levado muito corretamente, a ideia de que vamos preservar todos os nossos biomas, salvar a Amazônia do ponto de não retorno.O Brasil não pode ser um país como foram as presidências da COP28 e a COP29, preocupados em aumentar a exploração de petróleo e gás natural.

    Quais as suas expectativas para a Conferência de Baku, se é que o senhor tem alguma?

    Vamos torcer que eu consiga sair na sexta-feira um pouquinho mais otimista. Eu estive na COP28 e eu não saí otimista, porque os países produtores de combustíveis fósseis só fizeram uma única coisa, que é aparecer a palavra transição energética nos documentos finais.

    A primeira vez em 28 COPs, mas só falaram em transição. E a transição está muito lenta. Eles continuam aumentando a exploração de petróleo, carvão, gás natural e aumentando as emissões. Então não adianta, nós temos que ter uma meta de zerar muito rapidamente as emissões.

    Fri, 22 Nov 2024
  • 370 - “Impressiona a ousadia, mas não a intenção”, diz analista sobre plano de golpe e assassinato no Brasil

    O RFI Convida conversou com o professor e cientista político Cláudio Couto, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, sobre as revelações da Polícia Federal acerca de um plano que incluía golpe de Estado, assassinato de ministro do Supremo Tribunal Federal e da chapa vencedora nas eleições de 2022. Detalhes, como o arsenal bélico, até o que teria sido uma tentativa abortada de sequestrar o ministro Alexandre de Moraes, renderam muitas repercussões não só no Brasil, mas também na mídia internacional.

    Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

    “Impressionou sim, mas não surpreendeu. É muito impressionante realmente a ousadia que tiveram esses militares ligados ao governo Bolsonaro, especificamente esse grupo de militares que integra uma tropa de elite do Exército Brasileiro, que são chamados Kids Preto. Eles mais do que planejaram, chegaram a iniciar uma ação para sequestrar o ministro do STF que também presidia o TSE. Uma tentativa que foi abortada na hora por uma mudança de agenda. Se a pauta do tribunal não tivesse sido alterada, talvez Alexandre de Moraes tivesse sido sequestrado. Então, o que realmente impressiona é essa ousadia. Mas não chega a surpreender a ideia de fazer alguma coisa desse tipo porque se tratava mesmo de um grupo golpista.”           

    Para o analista político, outros episódios já davam mostras de que a manutenção de poder era o principal objetivo: “Nós vimos uma série de outras iniciativas voltadas para esse fim. Por exemplo, no segundo turno da eleição, as ações da Polícia Rodoviária Federal no sentido de tentar impedir que eleitores da região nordeste, onde o candidato Lula tinha mais intenções de voto, pudessem chegar aos locais de votação.

    Há muitas dúvidas que ainda precisam ser respondidas pelas investigações, como quem participou e quem sabia do plano que estava sendo traçado e que chegou a ter versões impressas, inclusive se o então presidente Jair Bolsonaro, na época já derrotado na reeleição, tinha ciência do que era tramado por pessoas de sua confiança.

    “Eu acho muito improvável que ele não soubesse do que ocorria. Há indícios fortes, com essa última investigação da Polícia Federal, inclusive de que o plano desse magnicídio, para matar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e os candidatos eleitos à presidência da República, que isso foi impresso na sala ao lado da sua no Planalto. Seria muito estranho imaginar que ele não soubesse de nada.”

    Muito se debate se a tentativa de sequestro foi mais exibição de amadorismo do que tática militar. Cláudio Couto afirma que o plano de prisão e execução de autoridades e candidatos poderia sim ter resultado em tragédia, mas para ele claramente era amadora a visão das consequências de um golpe como esse para o futuro do país.                    

    “Aquele plano até poderia ser eficaz, ele poderia levar à prisão e assassinato dessas autoridades. Agora, me parece que faltou foi pensar no que poderia vir no dia seguinte, quer dizer, existe amadorismo no que se refere ao cálculo do cenário mais amplo. Como é que ficaria o país após um ato dessa natureza? Como é que nós ficaríamos, inclusive, num contexto tanto regional como global? Nesse sentido, a gente está falando claramente de gente muito despreparada.”                                                                                                                                                                      

    E para o analista tal avaliação se torna preocupante ao tratar de militares de alta patente. “São pessoas tão obcecadas pelas suas convicções ideológicas, pelo seu autoritarismo que não conseguem fazer esse tipo de cálculo. E quando você tem militares incapazes de perceberem esse cenário mais amplo, a gente tem um motivo de preocupação, tanto porque eles podem continuar conspirando dentro do país, como porque talvez eles não sejam suficientemente confiáveis caso a gente precise se defender de agressões externas. Se isso vier acontecer, será que eles são gente capaz realmente de entender o que está acontecendo? Se for contar com grupos como esse, eu tenho lá minhas dúvidas.”

    Forças Armadas

    O especialista também comentou a visão que tem das Forças Armadas hoje e como vê o eco democrático dentro da caserna. “Eu não apostaria que a democracia é um valor acolhido pela maioria das Forças Armadas no Brasil, até pelo histórico militar desde o início da República. Eu acho que há sim alguns indivíduos ali que têm essa preocupação e outros que, na realidade, não quiseram embarcar numa aventura golpista por receio do que pudesse vir como consequência. Há uma fala que é atribuída a um desses generais de que ele não queria ter 20 dias de glória para depois ter 20 anos de sofrimento. O que é glorioso quando você destrói a democracia? A preocupação dele não era com a ruptura. Então, sou muito cético quanto a esse apego democrático, mas às vezes se não for por amor que seja por temor. Maquiável já dizia que o príncipe quando não pode ser amado é bom que seja temido. Acho que com a democracia pode ser a mesma coisa. Se não pode ser amado, é bom que pelo menos o Estado de Direito seja temido.”                                                                                             

    Diante dessas investigações que vieram à tona, Cláudio Couto avalia que, por enquanto, fica na geladeira a ideia de anistiar quem participou os atos golpistas de oito de janeiro, bem como do ex-presidente Bolsonaro, que está inelegível

    “Acho que nesse momento uma anistia fica postergada. Agora, isso não quer dizer que não possa ser retomado mais adiante. E nós temos exemplos, inclusive ao nosso lado aqui na Venezuela, de como perdão a golpistas é perigoso. Hugo Chávez tentou um golpe de Estado em 1992, foi malsucedido, foi preso, mas poucos anos depois foi perdoado pelo presidente Rafael Caldeira. Isso permitiu que Hugo Chávez retornasse à condição de ator político relevante, disputasse a presidência, se elegesse e, a partir dali, começou um processo de erosão da democracia venezuelana, com apoio dos militares que ele lotou em postos importantes em seu governo”.

    Defesa da democracia

    Para o professor da FGV, punir todos os citados na tentativa de golpe é arma crucial em defesa da democracia. “É fundamental que todos os que são responsáveis por essas tentativas de ruptura institucional, de golpe de Estado, de magnicídio, que todos eles sejam devidamente responsabilizados perante a lei. E se aqueles que foram lá, os bagrinhos, a bucha de canhão que foi lá invadir os prédios dos Três Poderes em 8 de janeiropegaram penas de cerca de 17 anos de prisão, quantos anos não devem pegar esses que foram os artífices do processo? Acho que esses têm que ter sentenças muito duras e que sejam exemplares mesmo, porque talvez não haja coisa mais grave do que tentar romper com o estado de direito. Porque afinal de contas, todos os crimes para serem combatidos, precisam ter o estado de direito em pé.”

    Cláudio Couto também comentou o retorno de Trump em meio a um cenário político ainda polarizado no Brasil: “Acho que a volta de Trump à presidência nos Estados Unidos é também um fator preocupante para a democracia, porque ele claramente é uma liderança política de vocação autoritária. Se a gente observar as primeiras indicações para compor o seu governo, são todas figuras muito radicais dentro do Partido Republicano. Imaginemos o que teria sido no Brasil o processo eleitoral de 2022 com um governo como o de Trump nos Estados Unidos. Certamente a gente não teria o mesmo apoio que houve a democracia brasileira por parte do governo Biden, que várias vezes mandou emissários ao Brasil, inclusive seu secretário de defesa, para se dirigir diretamente aos militares brasileiros, os dissuadindo de qualquer ação.”

    Agora isso não significa que a vitória de Trump tem poder de influenciar os processos judiciais por aqui. “Então, é claro que a presença de uma liderança de vocação autoritária num país com a importância que têm os Estados Unidos, isso é tremendamente preocupante. Mas é um fator que por si, acredito eu, não seja suficiente para derrubar a democracia ou salvar a pele dos nossos golpistas por aqui. Acho que muitos deles estão se fiando nisso, de que Trump volta e eles quase que por automatismo vão ser perdoados daquilo que fizeram. Não acho que é assim que funciona, estamos num país soberano e que pode levar adiante o cumprimento das leis.”

    Thu, 21 Nov 2024
  • 369 - Pesquisadora defende capoeira como instrumento de inclusão para crianças de abrigos na França

    Patrícia Pereira dos Santos é formada em Educação Física com especialização em Psicologia Social. Sua tese de doutorado, que ela acaba de defender na Universidade de Rennes, no noroeste francês, se debruça sobre os instrumentos que a capoeira de Angola oferece para ressocializar e interagir com crianças e jovens de abrigos na França. 

    "Fiz um mestrado no Brasil e, após concluir, criei minha própria associação, a Capoeira Angola BREIZH Îlienne", conta Patrícia Santos. Desde então, tenho trabalhado com a capoeira de Angola em diversos setores educacionais na França, incluindo escolas, abrigos e até com pessoas com deficiência. "Decidi continuar minha trajetória acadêmica e me inscrevi em um doutorado em um tema relacionado na Universidade de Rennes", conta.

    Em paralelo, a educadora iniciou um projeto de parceria entre a universidade e uma instituição de acolhimento para crianças e adolescentes da cidade onde mora, Pornic, município costeiro no noroeste da França. "O objetivo é desenvolver um trabalho com a Capoeira de Angola dentro dessa instituição", afirma Santos.

    "Atualmente, concluí uma especialização em psicologia social, que será a base teórica da minha tese. Para isso, pretendo utilizar o modelo de Kurt Lewin, que aborda a dinâmica de grupo e a mudança de comportamento das pessoas. A ideia é explorar como mudanças podem ser facilitadas de forma mais lúdica e positiva quando aplicadas a um grupo, em vez de focar no indivíduo isoladamente", explica a pesquisadora.

    "Minha proposta é levar a capoeira de Angola para dentro dessa instituição, validando-a como uma ferramenta educacional e socioemocional", explica. "A intenção é demonstrar como a capoeira pode atuar de forma benéfica no desenvolvimento comportamental das crianças e adolescentes participantes, promovendo um impacto positivo em suas vidas", sublinha Santos. 

    Capoeira como inclusão

    A capoeira, de forma geral, é uma poderosa ferramenta de inclusão social, segundo a educadora e capoeirista brasileira. "Um breve contexto histórico já revela seu potencial para promover a socialização, seja por meio do movimento corporal, das técnicas morais, ou da musicalidade. Na capoeira, temos diversos instrumentos a serem aprendidos, e quando uma pessoa começa a tocar e ouvir esses instrumentos, ela também precisa desenvolver a habilidade de escutar o outro. Isso implica em aprender a silenciar para ouvir, o que é um grande desafio, especialmente para crianças e adolescentes que vivem em abrigos", afirma.

    Essas crianças geralmente apresentam comportamentos antissociais e têm uma intensidade emocional muito elevada. A capoeira Angola, nesse contexto, atua como uma ferramenta educacional que, por meio dos seus movimentos, da sua história, da sua cultura e, principalmente, da sua musicalidade, ajuda a transformar esses comportamentos. Ela promove a escuta, o respeito e o autocontrole, incentivando também a prática de olhar para si mesmo e para o outro com empatia. Com o tempo, isso nos permite trabalhar profundamente o desenvolvimento da empatia e de outras competências socioemocionais essenciais para a convivência social.

    Retorno "gratificante" e desafios

    "A pesquisa de campo relacionada à minha tese durou oficialmente um ano e meio", conta Santos. "No entanto, continuamos o trabalho com essas crianças, já que sou presidente da associação de capoeira, e seguimos com o projeto por mais dois a três anos. Muitos dos jovens atendidos se inscreveram na associação para continuar praticando capoeira, mesmo após saírem do abrigo. Hoje, muitos deles são adultos, têm suas próprias casas e suas próprias vidas. Ainda mantenho contato com alguns deles, especialmente com aqueles que, na época, tinham entre sete e oito anos, e hoje têm cerca de 15 anos", explica.

    "O feedback que recebo é muito gratificante. Mesmo aqueles que não seguiram praticando capoeira afirmam que a experiência mudou suas vidas. Eles mencionam que aprenderam a se expressar melhor, a dialogar com mais alegria e descobriram que há diversas maneiras de enfrentar desafios", destaca Patrícia Pereira dos Santos.

    "Por exemplo, se alguém não era tão bom em fazer certos movimentos, podia encontrar sua habilidade em tocar um instrumento como o berimbau. Assim, eles perceberam que não precisam se sentir inferiores por não serem excelentes em uma área, pois sempre há outras formas de se destacar", afirma Santos.

    "O objetivo do nosso trabalho nunca foi transformá-los em capoeiristas, mas sim mostrar que, assim como na capoeira, onde há várias saídas e alternativas para o jogo, para aprender instrumentos e canções diferentes, a vida também oferece múltiplos caminhos", detalha. "Se algo não dá certo em um momento, sempre há outra forma ou direção que pode funcionar. Esse ensinamento foi essencial para muitos deles, ajudando-os a encontrar novas perspectivas e soluções na vida cotidiana", conclui a pesquisadora brasileira.

    Wed, 20 Nov 2024
  • 368 - Jornalista brasileira tenta desconstruir clichês sobre franceses no livro “Entrelinhas de Paris”

    “Entrelinhas de Paris” é o título do livro que a jornalista brasileira Luciana Marques acaba de lançar, em português, pela editora Ases. A obra de minicrônicas é uma mistura de guia de viagem, manual de francês e da cultura francesa, descrição de hábitos parisienses e as impressões de uma brasileira sobre isso tudo.

    Luciana Marques morou em Paris durante seis meses para um intercâmbio na Universidade Sorbonne Nouvelle. Na época, começou a anotar no bloco de notas do telefone celular, principalmente durante os trajetos no metrô, suas impressões sobre a cidade e os parisienses. “Depois, eu fui vendo que aquilo realmente tinha um conteúdo que poderia virar um livro futuramente”, conta.

    Antes de virar livro, a jornalista apresentou as anotações e informações sobre o que viu e ouviu “de curioso, de choque cultural também” como projeto final do curso de Línguas Estrangeiras Aplicadas ao Multilinguismo e à Sociedade de Informação da Universidade de Brasília. Depois, atualizou e organizou essa visão de “uma brasileira olhando a cidade” no livro “Entrelinhas Paris: microcrônicas desconstruídas e descontraídas da capital francesa”, lançado em outubro.

    A obra tem sete capítulos, com títulos bilingues francês-português, que podem ser lidos independentemente e fora da ordem. O título é bem bolado, com múltiplos sentidos. “É entrelinhas porque eu escrevi entre uma linha e outra do metrô e também entre uma linha e outra desse livro que é um formato um pouco diferenciado” diz.

    Ela explica que as frases que compõe o texto foram escritas “como se fossem tuítes, mas são encadeadas. Então, você lê o livro corrido, mas cada frase é uma minicrônica”, detalha afirmando que “Entrelinhas” é uma obra “bem debochada, bem irônica”. As ilustrações do livro, assinadas por Jane Carmen Oliveira, reforçam essa ironia.

    Paris romântica e franceses mal-humorados

    Paris seria a capital do romantismo, do luxo, da culinária, e os e as parisienses seriam chiques, mas mal-humorados. Esses são apenas alguns dos clichês associados à capital da França que Luciana Marques tenta desconstruir no livro para mostrar e “entender essa riqueza da cultura, que realmente vai além do que a gente vê no dia a dia”.

    O texto é repleto de anedotas que confirmam estereótipos, mas revelam outras facetas dos parisienses. Ela lembra que uma vez chegou a uma loja que estava fechando e o vendedor se recusou a atendê-la, porque não podia perder tempo para ir ler um livro na pracinha. “Isso no Brasil seria muito difícil de a gente encontrar, uma pessoa que prefere não vender para aproveitar a vida. A gente aprende muito com esse espírito francês, também de bon vivant, do ‘bobô’ (burguês-boêmio) parisiense”, acredita.

    O gênero de “Entrelinhas” é difícil de definir. O livro é uma mistura de manual de língua e de cultura, um guia de viagem e um relato de viagem. “Eu defini como minicrônicas exatamente pelo fato de ter essa linguagem do dia a dia, do cotidiano”, indica.

    Tue, 19 Nov 2024
  • 367 - Sonia Rubinsky conquista franceses com novo álbum 'Goldfingers', homenagem à 'era de ouro' do piano

    Ela é conhecida mundialmente como "Madame Villa-Lobos", mas acabou de ganhar na França, com o lançamento do seu novo CD, "Goldfingers", uma epígrafe ainda mais impressionante: "la grande dame du piano", a "grande dama do piano". Um grande elogio quando se trata de uma pianista brasileira radicada na França, Sonia Rubinsky. Ela conversou com a RFI sobre seu novo álbum, "Goldfingers", que acaba de lançar no país, e já disponível em streaming para amantes do piano de todo o mundo.

    Para ver a entrevista na íntegra, clique na foto principal da matéria

    "Goldfingers", considerado pelo jornal francês Libération como uma "grande aula de piano", remete a uma era de ouro do instrumento. "Eu tive essa inspiração de chamar o CD de "Goldfingers". E confesso que brinquei um pouco com as palavras por causa da referência ao título homônimo do cinema [uma referência a "Goldfinger", série do agente 007 estrelado em 1964 por Sean Connery]. Mas, no fundo, é uma reverência aos grandes nomes da história do piano que tocaram profundamente o meu coração quando eu era uma jovem pianista, fazendo meu coração bater mais forte e que continuam me inspirando até hoje", explica a pianista brasileira Sonia Rubinsky, radicada na França.

    "Esses nomes como Horowitz, Rubinstein, que eu tive a honra de ouvir ao vivo, ou por gravações, tinham algo de especial. Eles conseguiam criar uma magia com as notas que ia além da música em si, sempre com muita elegância, estilo e um grande virtuosismo", analisa.

    Além de um álbum que celebra grandes intérpretes, "Goldfingers" também convoca grandes compositores. "Exatamente", concorda Rubinsky. "Naquela época, muitos dos grandes pianistas também eram grandes compositores. O maior exemplo, que todos conhecem, é Rachmaninoff, que não só era um compositor genial, mas também um pianista absolutamente magnífico", lembra.

    "Magia"

    "Hoje em dia, essa tradição de ser um pianista-compositor, ou até mesmo um pianista que improvisa, se perdeu um pouco. Nos tornamos mais compartimentalizados. Mas isso não significa que precisamos perder essa vontade de criar magia quando estamos diante do público", analisa a intérprete.

    Sobre sua relação com a França, a pianista afirma que gravou "[Georges] Bizet, incluindo as 'Variações de Carmen', que é uma transcrição de Horowitz sobre os temas da ópera homônima". Ela admite que o repertório francês influenciou seu trabalho e sua relação com a música, no trânsito entre o Brasil e a França. "Sem dúvida. Existem certos compositores que são essenciais para ampliar sua paleta de cores e emoções ao piano. É impossível, por exemplo, não passar por Debussy. Ele trouxe uma estética extremamente rica, sofisticada e que trata a música como uma matéria viva, o que ressoa muito comigo, especialmente quando penso na arte da interpretação", afirma.

    Sobre o apreço da pianista brasileira pela música contemporânea para piano, como foco no francês Olivier Messiaen, mas também em compositores brasileiros, como José Antônio Rezende de Almeida Prado, Rubinsky diz que "Almeida Prado, que também estudou aqui na França com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen, conseguiu desenvolver uma linguagem muito pessoal e eclética".

    Almeida Prado e o "pianismo brasileiro"

    "Quando você ouve uma obra de Almeida Prado, sua autoria é inconfundível. E são poucos os compositores modernos que têm essa qualidade única. Villa-Lobos também tem essa marca registrada, mesmo com a enorme diversidade de estilos que ele abordou. Há um lirismo profundo tanto em Almeida Prado quanto em Villa-Lobos, que é algo que eu valorizo muito.

    Sonia Rubinsky concorda que não seria exagero dizer que o Brasil tem uma tradição de excelentes pianistas e intérpretes. "Podemos afirmar isso com certeza. Houve um período, há uns 30, 40 ou 50 anos, em que se falava muito em 'pianismo brasileiro'. Isso começou com a formação de uma escola de piano que teve como alunas figuras notáveis como Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro. Essa tradição de pianismo brasileiro é muito rica e tem influenciado gerações de pianistas até hoje", conclui Rubinsky.

    Fri, 15 Nov 2024
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