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- 167 - Mulheres hétero francesas buscam cada vez mais parceiras sexuais do mesmo gênero
A sexualidade da população francesa está em uma surpreendente evolução. Com práticas menos ditadas pela heterossexualidade, a quantidade de relações sexuais tradicionais diminui, enquanto aumenta o interesse das mulheres da França por parceiras do mesmo gênero. É o que mostra um vasto estudo do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm), divulgado nesta semana.
Daniella Franco, da redação da RFI
A vida sexual dos franceses e francesas está menos intensa? Os pesquisadores duvidam dessa hipótese, mesmo que o novo estudo do Inserm sobre a sexualidade na França aponte que a quantidade de relações sexuais vem diminuindo no país. O balanço – o quarto do gênero em 50 anos – ouviu mais de 31 mil pessoas com idades entre 18 e 89 anos e aponta que as experiências estão se diversificando, principalmente entre as faixas etárias mais jovens, onde cresce a rejeição da heteronormatividade.
A principal conclusão do estudo é que as práticas sexuais na França estão se transformando, principalmente entre as mulheres. As francesas estão experimentando outras formas de relações sexuais que não se limitam à penetração. É entre elas que também cresce a masturbação, praticada por mais de 42% das cidadãs em 1992, e que deu salto de mais de 30 pontos (72%), em 2023, ano em que o estudo do Inserm foi realizado.
Entre as francesas, aliás, 13% dizem terem sentido atração por pessoas do mesmo gênero, ainda que apenas 1,3% se declarem lésbicas. No quadro geral, quase 9% de mulheres e homens na França já tiveram ao menos um parceiro sexual do mesmo gênero. Mas, pela primeira vez em 50 anos, na faixa etária dos 18-29 anos, a quantidade relações sexuais entre mulheres (15%) é maior do que entre homens (10%).
Já quantidade de gays compilada pelo estudo é de apenas 2,3%. No entanto, 8% dos homens ouvidos para a pesquisa afirmam que já tiveram interesse em pessoas do mesmo sexo ao longo da vida.
Transformações sociais
De acordo com os pesquisadores do Inserm, vários indicadores justificam essas mudanças na sexualidade da população francesa. Primeiramente, a aceitação e a tolerância à homossexualidade e à transidentidade é maior do que nas últimas décadas. Quase 70% das francesas e mais de 56% dos franceses veem a homossexualidade como uma orientação sexual comum. O número é um pouco menor para a aceitação da transidentidade, tolerada por quase 42% das mulheres e por mais de 31% dos homens.
No entanto, em relação especificamente às mulheres, os pesquisadores têm outras explicações para o interesse crescente das francesas heterossexuais por experiências com pessoas do mesmo sexo. O principal motivo é o movimento Mee Too, que suscitou uma imensa mobilização social contra as violências e agressões sexuais e também sensibilizou e educou as mulheres sobre consentimento.
A pesquisa do Inserm também mostra que quase 30% das francesas de 18 a 89 anos entrevistadas declararam já terem sido forçadas a ter uma relação sexual, contra quase 16% em 2006. Esse aumento também é observado entre os homens, embora seja menor: 8,7% dos franceses ouvidos para o estudo disseram já terem sido forçados a ter uma relação sexual, contra 4,6% no balanço anterior, realizado em 2006.
Pandemia afetou sexualidade na França
A pandemia de Covid-19 não mexeu apenas com a saúde dos franceses, mas afetou também as relações sociais e a vida sexual dos indivíduos. Os sucessivos lockdowns tiveram um impacto na iniciação dos jovens ao sexo, elevando a média da idade da primeira relação sexual das mulheres para 18,2 anos e 17,7 anos para os homens (contra 17 anos na média de 2006).
Em todas as faixas etárias, a quantidade de relações sexuais também diminuiu na França. Em 1992, mais de 86% das mulheres e 92% dos homens afirmavam ter tido relações sexuais ao longo do ano, mas em 2023 esse número caiu em média dez pontos tanto para as mulheres quanto para os homens.
O fenômeno também é justificado pela “digitalização” das práticas sexuais, principalmente entre os mais jovens. Segundo o Inserm, 33% das francesas e quase 47% dos franceses tiveram uma experiência sexual online com outra pessoa em 2023. A faixa etária dos 18 aos 29 anos, por exemplo, é a que mais “normaliza” o envio de “nudes” - como são chamadas fotos das partes íntimas mandadas por aplicativos de mensagens. Quase 40% dos franceses e francesas entrevistados para o estudo já compartilharam esse tipo de conteúdo.
A digitalização da vida sexual é muito comum entre os jovens. Entre as pessoas de menos de 30 anos aqui na França, mais de 39% das mulheres e mais de 43% dos homens já encontraram parceiros sexuais na internet, seja por meio de sites ou de aplicativos.
Satisfação sexual aumenta
Todas essas mudanças não parecem afetar a satisfação sexual da população francesa. Em relação ao balanço de 2006, aumentou a quantidade de mulheres francesas que afirmam estar “muito felizes” com sua vida sexual, 45,3% (contra 43,6% há oito anos). Entre os homens, no mesmo período, a satisfação sexual saltou de 35% para 39%.
“Todo o discurso que consiste em dizer que a igualdade entre os sexos e o feminismo desestabiliza os homens em sua sexualidade e sua virilidade não é comprovada nesse estudo”, afirmou a socióloga Nathalie Bajos, diretora de pesquisa do Inserm, na apresentação do trabalho.
Esse foi o quarto balanço do gênero realizado na França desde os anos 1970. Mais de 31 mil pessoas, com idades entre 18 e 89 anos, foram entrevistadas por telefone para a pesquisa no ano passado, em um trabalho que durou o total de cinco anos, com parceria da Agência Nacional de Pesquisa Científica (ANRS).
Fri, 15 Nov 2024 - 166 - Marine Le Pen se distancia de excessos de Trump; europeus adotam plano de reformas
Os franceses reagiram à vitória de Donald Trump na eleição presidencial com pessimismo e um forte receio do enfraquecimento da democracia nos Estados Unidos, por causa da concentração de poder que o republicano terá, apoiado pela maioria conservadora na Suprema Corte, no Senado e talvez – ainda não acabou a apuração – na Câmara de Representantes. Embora defenda políticas semelhantes às de Trump, a líder de extrema direita na França, Marine Le Pen, preferiu não festejar a vitória de Trump.
Uma pesquisa realizada naFrança já apontou que 76% dos franceses estão frustrados com o retorno de Donald Trump à Casa Branca. A desconfiança é maior entre eleitores de esquerda e jovens. Mas até a líder de extrema direita Marine Le Pen manifestou uma reação sóbria, na contracorrente de outros movimentos ultranacionalistas europeus, da Alemanha, Áustria, Hungria, Espanha, que estão eufóricos com o impulso que o governo Trump dará às políticas anti-imigração, de segurança pública e nacionalismo econômico, em oposição a questões de justiça social, racial, respeito a minorias e direitos da mulher.
O estilo imprevisível e radical de Trump não se alinha com a imagem mais moderada que Marine Le Penbusca projetar atualmente. Le Pen sabe que se quiser ser eleita na presidência francesa, seu partido precisa ampliar a base do eleitorado e ela ser vista como uma líder conservadora estável, capaz de jogar o jogo democrático, apesar de não enganar ninguém.
Trump e Le Pen têm posições semelhantes sobre imigração e protecionismo econômico. Mas em temas como o aborto, por exemplo, Marine Le Pen apoiou a inclusão do aborto na Constituição francesa. A imagem de Trump na França é muito negativa e Le Pen quer evitar ser associada aos excessos do republicano. Ela tem uma estratégia de buscar alianças mais estratégicas e evitar a polarização no cenário político nacional.
O partido de extrema direita francês (Reunião Nacional) elegeu um quarto dos deputados na Assembleia Nacional nas últimas eleições e eles têm procurado atuar como políticos "respeitáveis", o que os diferencia de outros movimentos de extrema direita na Europa.
Trump chega à presidência num momento em que as duas maiores economias da União Europeia, França e Alemanha, atravessam uma crise política e econômica de contextos diferentes.
UE anuncia plano para enfrentar concorrência de EUA e China
Os 27 líderes da União Europeia anunciaram na tarde desta sexta-feira (8), ao final de uma reunião de cúpula do bloco em Budapeste (Hungria), um plano de reformas inspirado em propostas do ex-primeiro ministro italiano Mario Draghi para dar impulso à economia europeia, diante das ameaças de guerra comercial de Donald Trump. O bloco sabe que é a região do mundo que mais tem a perder com as medidas protecionistas do republicano.
Durante a campanha, Trump anunciou que os produtos importados europeus terão de pagar tarifas extras de 10% a 20% para entrar nos Estados Unidos.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von Der Leyen, disse que irá propor “nos primeiros 100 dias” de seu novo mandato, que começa em dezembro, um pacto industrial verde para apoiar a descarbonização da indústria, medidas para reduzir o atraso europeu na área de inovação e diminuir os entraves burocráticos à atividade empresarial na Europa.
O chanceler alemão Olaf Schoz enfatizou que o bloco "precisa se modernizar para se manter competitivo".
Já o presidente francês Emmanuel Macron deixou a reunião antes da fotografia final de família dos 27, sem falar com a imprensa. Macron e Scholz divergem sobre a forma de financiar esses investimentos, a distribuição dos montantes por país e setor industrial, e o ritmo de mobilização dos recursos.
No início de setembro, o ex-premiê Mario Draghi, que também dirigiu o Banco Central Europeu, propôs investimentos de € 750 a € 800 bilhões por ano (algo em torno de R$ 4,67 a R$ 4,93 trilhões), montante superior ao do Plano Marshall americano, que apoiou a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, para enfrentar a concorrência dos EUA e da China.
Draghi traçou um quadro sombrio e insistiu que o bloco precisava reagir, se não quisesse enfrentar um declínio econômico que condenava os europeus à agonia. No relatório, ele apontou que a renda per capita “aumentou quase o dobro nos Estados Unidos do que na Europa desde 2000”.
Esses investimentos elevados representam um imenso desafio para os 27 países europeus, num contexto em que adotam medidas para reduzir suas dívidas e elevados déficits públicos.
Na declaração final do encontro, os líderes da UE reconhecem “a urgência de uma ação decisiva” para o aprofundamento do mercado comum, se comprometem com a união dos mercados de capitais, a implementação de uma política comercial que defenda os interesses europeus e a simplificação regulatória. Mas permanecem vagos em relação ao orçamento.
Com o retorno de Trump, institutos alemães calcularam o custo das medidas protecionistas para a Alemanha. O país poderia perder até € 180 bilhões até 2028, cerca de R$ 1,1 trilhão com as sobretaxas americanas nas exportações. O PIB alemão encolheria 1,5% em relação ao seu montante atual, sendo que o país, a primeira economia europeia, enfrenta o segundo ano de recessão.
Scholz admite antecipar as eleições
Na quarta-feira (6), enquanto o mundo ainda digeria a vitória de Trump, a coalizão de governo alemã, formada por social-democratas, verdes e liberais, implodiu, devido a divergências de visão sobre a melhor forma de enfrentar a crise econômica. Os social-democratas defendem a recuperação da economia por meio de gastos, enquanto os liberais pregam cortes e uma disciplina orçamentária rigorosa.
Em Budapeste, o chanceler Olaf Scholz disse aos colegas europeus que poderá antecipar as eleições legislativas. Ele queria ganhar tempo até março, mas uma pesquisa publicada ontem mostra que 65% dos alemães querem eleições o mais rapidamente possível, em janeiro.
Os conservadores da CDU, chefiados por Friedrich Merz, lideram as pesquisas para voltar ao governo e também pressionam por um retorno às urnas acelerado. As pesquisas apontam, no entanto, que eles não teriam maioria, com a extrema direita em segundo lugar nas intenções de voto.
A tendência é a Alemanha voltar a ter uma grande coalizão entre conservadores, social-democratas e talvez ainda precisar dos verdes ou dos liberais, mas esses últimos não têm garantia de serem eleitos no futuro Parlamento. O líder da CDU já descartou governar com o partido de extrema direita AfD.
Essa reviravolta no cenário político na Alemanha acontece num momento em que a França continua sujeita a uma uma nova dissolução do Parlamento no ano que vem. A turbulência na União Europeia tende a durar um bom tempo.
Fri, 08 Nov 2024 - 165 - Franceses revelam perda de confiança na democracia
Uma pesquisa recém-publicada em Paris mostra uma desconfiança crescente dos franceses em relação ao sistema democrático da maneira como ele tem funcionado na França. O barômetro anual do Conselho Econômico, Social e Ambiental (Cese) sobre as preocupações da população revelou um distanciamento muito grande entre o debate político no país e os reais interesses dos franceses.
O Conselho Econômico, Social e Ambiental é visto como uma terceira assembleia da República francesa, uma engrenagem essencial da democracia no país. O organismo elabora orientações de políticas públicas e avalia seus resultados para o governo e o Parlamento.
Em seu barômetro de 2024, o Cese mostra que quase um quarto dos franceses (23%) não estão mais convencidos de que a democracia seja o melhor sistema político. A metade da população (51%) acredita que só um poder forte e centralizado – um eufemismo para o exercício autoritário do poder – pode garantir a ordem e a segurança.
Duzentos e trinta e cinco anos depois da Revolução Francesa (1789), que instituiu a democracia, 15% dos franceses disseram que não iriam à rua para defender esse sistema político se suas liberdades estivessem ameaçadas. Essa quebra de confiança na democracia se manifesta principalmente entre as pessoas que se sentem mais injustiçadas socialmente.
O estudo do Cese, aplicado pelo instituto Ipsos, aponta um fosso entre as preocupações manifestadas pela população e a ação política. Em 2024, os franceses estão preocupados, pela ordem, com a própria saúde e de familiares – tema citado por 40% dos entrevistados –, o poder aquisitivo (34%), que aparecia em primeiro lugar no ano passado, e a situação econômica e financeira do país (28%).
Imigração é preocupação menor
O paradoxo é que há anos, o debate político foi reduzido às questões de segurança pública e imigração, que aparecem em sétimo e décimo lugar entre as preocupações dos franceses. O eleitor é bombardeado com uma retórica conservadora, anti-imigração, quando o que causa angústia é a falta de médicos e enfermeiros nos hospitais, os salários achatados e o aumento das desigualdades. A maioria dos franceses não atribui esses problemas à imigração.
Segundo a pesquisa, embora a maioria tenha apreço pela democracia, a alienação dos políticos em relação às expectativas das pessoas enfraquece a confiança, principalmente entre aqueles que se sentem lesados.
A França é um país que tem políticas públicas generosas na área social, mas o sistema é ineficiente e não dá mais conta de atenuar as desigualdades. O país gasta proporcionalmente mais que vizinhos como Espanha e Alemanha em programas sociais, saúde e educação e se tornou incapaz de amortecer as desigualdades. Quase a metade dos franceses, 45% da população, considera viver atualmente em uma situação financeira "incômoda".
Custo de vida alto mina confiança dos franceses no futuro
O custo de vida insuportavelmente alto é mais angustiante nos territórios franceses fora da Europa e nas zonas rurais no continente, mas até na região parisiense, que é o pulmão econômico do país, 55% das pessoas dizem ganhar o suficiente apenas para pagar as contas no fim do mês. Esse aprofundamento das desigualdades é um veneno para a estabilidade de uma democracia.
Existe um tremendo déficit de moradia e os políticos, governo após governo, fogem de uma reforma profunda nesse setor. Quando o aluguel consome o salário, o cidadão mora mal e vê profissões essenciais perderem a atratividade por serem mal remuneradas, como na educação, saúde e agricultura. Os prejudicados têm a impressão de que o sistema em vigor não consegue mais proteger a população.
É nesse caldo de dificuldades do cotidiano e no descaso dos políticos em relação à realidade que muitos franceses se perguntam se votar ainda tem alguma utilidade.
Sugestões para revitalizar democracia francesa
A primeira sugestão dos entrevistados para "modernizar" a democracia francesa foi que os políticos ouçam e levem em consideração as preocupações das pessoas (24% das respostas). Mais do que modificar as regras eleitorais (11%) – tema que está em discussão para a próxima eleição presidencial –, os franceses preferem melhorias na governança e no funcionamento das instituições (16%) e um uso mais frequente de ferramentas de democracia participativa.
Na Europa, a Suíça é vista como um modelo de democracia direta por seu sistema de referendos. A Áustria também usa esse instrumento, de tempos em tempos, para questões sociais e políticas, e a Itália para questões constitucionais. Essa é uma demanda antiga dos franceses.
O "Grande Debate Nacional " convocado pelo presidente Emmanuel Macron para encerrar a crise dos coletes amarelos, em 2019, é um exemplo de proximidade a ser buscada pelos políticos. Na época, o governo recolheu 2 milhões de propostas. As discussões geraram a Convenção Cidadã para o Clima, mas 90% das propostas foram rejeitadas pelo presidente. É essa relação que está em pane.
Em relação a alguns assuntos, bastaria o Parlamento ouvir a vontade da maioria da população e evitar o debate ideológico que o sentimento de estar numa democracia seria devolvido aos franceses. O caso da eutanásia e do suicídio assistido é um deles.
Eutanásia
Desde 2016, quando a França aprovou a primeira lei sobre o fim da vida, a maioria de franceses já ansiava pela liberdade de decidir sobre a morte diante de doenças irreversíveis, terminais ou de intenso sofrimento para os pacientes.
O projeto de lei só chegou ao Parlamento em 2024, mas depois, com a dissolução da Assembleia, em junho, a votação ainda não foi retomada pelo novo plenário e a composição, agora, é mais conservadora, de direita, o que pode implicar emendas ao projeto original.
Há anos existe um consenso na sociedade sobre essa liberdade de escolha: 84% dos franceses são favoráveis à eutanásia e 67% ao suicídio assistido. É um caso típico de projeto que já poderia ter sido aprovado, se o Parlamento estivesse a serviço do interesse da população.
Fri, 25 Oct 2024 - 164 - Mortes de brasileira e ciclista francês mostram que parisienses estão mais agressivos ao volante
As mortes trágicas de Fernanda Lind, influenciadora digital brasileira de 31 anos, e do ciclista francês Paul Varry, 27 anos, ambos atropelados nesta semana, na região parisiense, por motoristas que desrespeitaram as regras do trânsito provocam um amplo debate no país. Estudos têm demonstrado que os franceses estão mais agressivos ao volante.
A percepção de que a agressividade no trânsito em Paris piorou é compartilhada por franceses e estrangeiros que residem há algum tempo no país. A influencer brasileira Fernanda Carolina Lind Silva foi atropelada quando atravessava uma faixa de pedestres, às 9h de quarta-feira (16), em uma área nobre dos subúrbios da capital. Com o forte impacto do carro, ela sofreu um grave traumatismo craniano e teve morte cerebral declarada algumas horas depois de ser socorrida.
O outro acidente foi de uma violência raramente vista na capital francesa. Na véspera da morte da brasileira, um motorista de 52 anos, dirigindo um SUV Mercedes-Benz, com a filha de 16 anos no carro, invadiu uma ciclofaixa nas proximidades da igreja Madeleine, em Paris, para "escapar do trânsito", segundo declarou à polícia, pois “estava atrasado para levar a filha ao médico”. Ao invadir a faixa reservada às bicicletas, o motorista apressado passou com o carro em cima do pé de um ciclista militante. Os dois tiveram um bate-boca e na hora de ir embora, o motorista atropelou intencionalmente o rapaz de 27 anos, que morreu de parada cardíaca no local.
Na tarde desta sexta-feira (18), este motorista foi indiciado por homicídio doloso, ou seja, assassinato, e deverá permanecer em prisão preventiva até seu julgamento.
A disputa por prioridade no trânsito piorou com a instalação de ciclovias em Paris. Por falta de espaço, as ciclofaixas predominam e muitas são de mão dupla, às vezes nas duas margens de uma via pública, obrigando motoristas e ciclistas a uma coexistência que se tornou uma guerra permanente.
Existem placas de sinalização, mas das duas partes existem abusos: ciclistas que não respeitam as regras, invadem faixas de circulação de carros – por se sentirem "mais éticos" e preocupados em não agravar a crise climática – e motoristas que descontam nos pedestres e ciclistas o aumento do trânsito pela redução das faixas de circulação.
Desafio para municipalidades
É um desafio para as cidades enfrentar essa fase de adaptação. Como na região parisiense o trânsito é bastante denso, os motoristas estão cada vez mais irritados.
Com a repercussão das mortes da brasileira e do ciclista, o psicólogo e pesquisador Jean-Pascal Assailly, membro do comitê de especialistas do Conselho Nacional de Segurança Viária, confirmou que existe uma correlação entre densidade de tráfego e agressividade do motorista.
Em países como Holanda, Dinamarca, Alemanha ou Suécia, com mais experiência na integração de ciclovias, a fluidez é maior e há menos acidentes letais. Nesses países, a questão do respeito às leis também é mais consensual na sociedade. Estudos de dez anos atrás já mostravam que franceses e italianos eram mais agressivos no trânsito do que motoristas suecos, alemães, ingleses e espanhóis.
O especialista francês do Conselho Nacional de Segurança Viária diz que o comportamento do motorista piorou na França com as comodidades dos carros novos. Segundo ele, o carro se tornou um objeto tão confortável, "com telas para ver filmes, ouvir música, que o motorista se isola do exterior e perde a noção da velocidade". Alguns motoristas simplesmente "esquecem" a existência do outro na rua.
Na França, os homens estão na origem de 75% dos acidentes. Dos 25% de acidentes causados por mulheres, nenhum envolve agressão, do tipo bater o carro intencionalmente em alguém para ferir ou matar, como aconteceu com o ciclista em Paris.
Morte de brasileira tem forte repercussão
O jornal Le Parisien, que tem edições locais para diferentes subúrbios de Paris, presta uma homenagem à brasileira, nesta sexta-feira, na capa do suplemento vendido na área onde ela morreu.
O jornal entrevista o marido dela, Pedro Angelo Abatayguara Rosal, que conta a vida do casal desde que se mudaram para a França em 2018, para fazer mestrado. A manchete diz que ‘Fernanda teve a vida arruinada’ (La vie fauchée de Fernanda) no momento mais feliz da trajetória do casal. Os dois, muito bem empregados, tinham acabado de comprar um apartamento em Saint-Cloud, ao lado de um hipódromo que tem pista de corrida e ciclovia demarcadas. Fernanda foi atropelada numa faixa de pedestres de um cruzamento sem farol, por imprudência do motorista, que também é investigado por homicídio.
Mas o que mais surpreendeu a imprensa francesa foi a generosidade da família em relação à doação de órgãos. Neste mês de outubro, há 21.866 pacientes inscritos na lista de espera de transplantes em todo o país e desse total, 11.422 são pessoas prontas para receber um órgão assim que o doador compatível aparecer.
Doação de órgãos marca pela generosidade
Tanto o marido quanto a irmã de Fernanda, Aline, disseram que os órgãos doados pela influencer – coração, fígado, pâncreas, córnea e rins – foram transplantados, dando a várias pessoas a chance de continuar vivendo.
Para um transplante de rim, o de maior demanda, há mais de 3.300 pessoas na fila, sendo que é o que parentes podem doar com mais facilidade, por compatibilidade genética. Para um coração, a espera média é de quatro meses.
Os médicos apontam um paradoxo: cerca de 80% dos franceses afirmam ser a favor da doação de órgãos, mas menos da metade comunicam essa decisão à família. Embora todas as pessoas sejam doadoras potenciais, a menos que tenham deixado registrado a recusa em doar no cadastro nacional de doações, os médicos sempre confirmam a vontade com os familiares. No caso da brasileira, o marido e a família dela confirmaram esse desejo.
Em 2023, havia 36% de franceses que registraram oficialmente a recusa em doar. Os principais motivos de resistência alegados são a desconfiança nos médicos, o receio de que os órgãos sejam usados para pesquisa, e não para salvar a vida de alguém, e crenças religiosas. O Ministério da Saúde reconhece que ainda é preciso trabalhar o assunto em campanhas de sensibilização.
Por essas razões, a morte de Fernanda Lind marca os franceses e brasileiros que a seguiam no perfil @parislowcost no Instagram, onde dava dicas de turismo na capital francesa: um exemplo de generosidade e amor pelo país de adoção.
Fri, 18 Oct 2024 - 163 - Exposição precoce à violência sexual e de gênero impacta saúde mental de meninas francesas
As autoridades francesas se mobilizam neste Dia Internacional da Menina, celebrado nesta sexta-feira (11), um dia depois do Dia Internacional da Saúde Mental, para sensibilizar a sociedade a respeito de uma injustiça persistente. As adolescentes francesas têm desenvolvido transtornos psíquicos mais cedo do que os meninos, por ficarem expostas à violência sexual e de gênero em idades mais precoces do que eles, acumulando um duplo prejuízo para sua saúde mental.
Na França, as meninas têm a chance de não precisar trabalhar. Todas vão à escola pelo menos até os 16 anos. O ensino é obrigatório, gratuito e em período integral, independentemente da situação econômica da família, o que já é uma vantagem em relação a muitos países.
O problema, na atualidade, é que as atividades nas redes sociais passaram a interferir demasiadamente no desenvolvimento das crianças e adolescentes, e a questão da sexualização das meninas na internet tem tirado o sossego de muitas jovens francesas.
Em entrevistas ou entre amigas, elas reclamam que as fotos do cotidiano que postam nas redes sociais, inteiramente vestidas, no caminho da escola ou fazendo alguma atividade que nada tem a ver com a sexualidade, acabam recebendo comentários de natureza sexual.
Na era do smartphone acessível a crianças, o assédio às meninas foi banalizado. Desde novinhas, elas ficam sujeitas ao bullying, muitas vezes ligado à aparência física, a pedidos de nudes e a chantagens de colegas expostos à pornografia. Algumas mais vulneráveis são identificadas por criminosos que as induzem à prostituição. Esse contexto inadequado a um desenvolvimento sadio tem tido impacto na estruturação psíquica das adolescentes francesas. Algumas conseguem se proteger saindo das redes – e elas são cada vez mais numerosas. Mas isso pode levar a um isolamento igualmente prejudicial.
O ministério da Saúde francês lançou nessa quinta-feira (10) uma campanha preventiva de saúde mental focada nas meninas. Os casos de depressão, ansiedade, transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, e automutilação têm aumentado entre meninas. Esses transtornos podem evoluir na idade adulta, se não forem diagnosticados e tratados corretamente. Na campanha, o site da Seguridade Social fala explicitamente dos riscos ligados à exposição a agressões sexuais na infância.
Automutilação e pensamentos suicidas em alta
O boletim mensal da agência nacional de Saúde que registra as passagens em pronto-socorro psiquiátrico e os chamados de atendimento de urgência a domicílio confirma essa tendência. O levantamento de setembro, divulgado ontem, mostra que o número de consultas de adolescentes de 11 a 17 anos, que procuraram o pronto-socorro por automutilação e pensamentos suicidas, aumentou 70% em relação ao mesmo período em 2021, 2022 e 2023.
Em comparação com o mês de agosto de 2024, houve 101% de aumento nas consultas por pensamentos suicidas. Um relatório publicado em maio já tinha alertado que as hospitalizações de meninas francesas com idades de 10 a 19 anos, seja por automutilação ou tentativa de suicídio, estava alcançando níveis muito preocupantes.
Atendimento para adolescentes
O primeiro-ministro Michel Barnier anunciou no final de setembro que queria fazer da saúde mental a "grande causa nacional" de 2025. Em discurso nesta quinta-feira na Assembleia dos Deputados, Barnier informou que pretende dobrar nos próximos três anos o número de Casas dos Adolescentes, uma estrutura multidisciplinar onde os jovens e suas famílias podem consultar um psiquiatra para uma avaliação gratuita e, em seguida, serem encaminhados para o atendimento adequado.
Essas unidades ficam perto ou dentro de hospitais da rede pública. Já existem 125 estruturas desse tipo em todo o país, 13 apenas na região parisiense. Barnier disse que era preciso "acabar com a estigmatização do transtorno mental".
Cerca de 13% dos franceses de 6 a 11 anos sofrem de algum tipo de transtorno mental, meninos ou meninas, e muitos deles não são tratados. A ministra da Saúde anunciou um programa de diagnóstico precoce para crianças. Os professores do ensino fundamental serão formados para detectar os sinais o mais cedo possível.
Fri, 11 Oct 2024 - 162 - Por que a saúde mental será a 'grande causa nacional' da França em 2025?
O novo primeiro-ministro francês, Michel Barnier, apresentou nesta semana seu programa de governo. Entre vários anúncios, ele previu que a grande questão da França em 2025 será a saúde mental da população, afetada por sucessivas crises, entre elas, a pandemia de Covid-19.
Todos os anos, o governo francês anuncia uma questão considerada urgente no país. A escolha é feita desde 1977 por meio de um concurso público do qual do qual participam organizações e associações.
Para 2025, a saúde mental foi contemplada, o que permitirá, além do debate e da apresentação de novas medidas, a difusão de uma campanha de sensibilização pelas mídias públicas francesas.
O anúncio de Barnier chega em um momento em que a questão da saúde mental é considerada uma emergência. Cerca de 13 milhões de franceses sofrem de doenças psicológicas ou psiquiátricas, o que representa uma em cada cinco pessoas no país.
Segundo Barnier, o foco será a prevenção e envolverá diversas instâncias: “o Estado, as administrações regionais, empresas e associações”. Para o primeiro-ministro, a saúde mental “é responsabilidade de todos”.
Pandemia afetou a saúde mental dos franceses
“Crises sucessivas e principalmente a da Covid-19” tiveram um impacto expressivo na saúde mental da população francesa, lembrou o primeiro-ministro. De fato, vários estudos e pesquisas relacionam a degradação do bem-estar na França como um efeito da crise sanitária.
A Agência Nacional de Saúde Pública, registrou um aumento de casos de depressão durante a pandemia. A faixa etária mais penalizada foi a dos 18 aos 24 anos, que sofreu um salto de mais de 20% em episódios depressivos.
Já uma pesquisa realizada na rede pública de hospitais de Paris e publicada no último 20 de setembro na revista científica Molecular Psychiatry associa casos graves de Covid-19, principalmente os que necessitaram de hospitalização, ao desenvolvimento de psiquiátricas. Cerca de 35 mil pacientes foram avaliados, entre os quais cerca de 10% foram vítimas de depressão e ansiedade após as internações.
No primeiro semestre deste ano, o instituto Ipsos também quantificou a importância da saúde mental na França. De acordo com a sondagem, 55% dos franceses pensa frequentemente na questão. Um quarto da população afirma ter se sentido deprimido durante várias semanas ao menos uma vez no ano, em 2023.
A pesquisa ainda mostra que a faixa etária dos 18 anos 24 anos é a que menos reage ao perceber um distúrbio mental, por não saber como agir ou a quem recorrer. Além disso, o balanço do Ispos mostra que as mulheres têm a tendência de considerar que não têm tempo para cuidar da saúde mental. Já os homens, em geral, são resistentes em buscar uma ajuda profissional por considerá-la inútil.
Gastos anuais de € 23 bilhões em saúde mental
A França gasta atualmente mais de € 23 bilhões anuais no atendimento e tratamento de doenças e distúrbios psicológicos e psiquiátricos, o que representa 14% das despesas totais na saúde. Por isso, para o primeiro-ministro, a estratégia da prevenção pode resultar em economias no futuro na diminuição da quantidade de consultas médicas, hospitalizações e reincidência.
As patologias psicológicas e psiquiátricas são o segundo motivo de atestados médicos atualmente nas empresas francesas. Já os afastamentos do trabalho de longa duração, superiores a um mês, estão em primeiro lugar, principalmente devido à depressão e ao burn out.
A urgência e a gravidade da questão da saúde mental na França leva profissionais do setor a expressar ceticismo sobre as promessas de Barnier. Para eles, o governo deve se concentrar em quatro pontos: o fim da estigmatização das doenças mentais, a prevenção, formação de outros setores da saúde para aliviar a pressão sobre psicólogos e psiquiatras e um maior recrutamento de profissionais especializados em saúde mental.
O Sindicato dos Psiquiatras de Hospitais da França afirma que 48% das vagas de profissionais especializados em saúde mental não estão ocupadas e que o setor está submerso. Ao mesmo tempo em que a quantidade de pacientes quase triplicou em pouco mais de 20 anos nos ambulatórios psiquiátricos da França, 88 mil leitos foram fechados. Nos hospitais públicos, médicos afirmam que se veem obrigados a triar pacientes para dar prioridade aos casos mais graves.
Fri, 04 Oct 2024 - 161 - França criou agência para regulamentar e fiscalizar as bets
A França adotou em 2010 a primeira legislação relativa à abertura à concorrência e regulamentação do setor de jogos de azar e apostas online. Os dados oficiais de 2023, os mais recentes disponíveis, mostram que as bets e os jogos tradicionais de loteria e raspadinhas movimentaram € 13,4 bilhões no país naquele ano, cerca de R$ 81 bilhões. Desse total, R$ 15 bilhões correspondiam a apostas online.
Na França, as bets são autorizadas exclusivamente para jogos esportivos, corridas de cavalos e pôquer. Outros jogos de cassino foram excluídos, uma vez que há estabelecimentos em todo o país abertos ao público maior de 18 anos.
Porém, diante dos bilhões de euros movimentados nesse mercado e do aumento de pessoas viciadas em jogos de azar, em 2020, o governo francês criou uma agência da administração pública independente, a Autoridade Nacional dos Jogos (ANJ), que centraliza as licenças concedidas às empresas e controla as atividades no setor.
O Estado francês fixou como objetivos de política pública dessa agência atuar na prevenção ao vício, a proteção de menores, fiscalizar a integridade das operações das plataformas, combater fraudes e outras atividades criminosas, e garantir um equilíbrio na oferta das empresas.
Existem 16 plataformas cadastradas para apostas online na agência reguladora, sem contar a Francesa de Jogos (FDJ), que tem o monopólio das loterias e raspadinhas. Em todas elas, o apostador é obrigado a abrir uma conta, fornecer uma cópia da carteira de identidade com endereço, deixar um depósito e pagar com cartão de crédito. A opção de pagamento por Pix não existe na França.
Há estimativas, no entanto, que apostas ilícitas movimentam anualmente de € 748 milhões a € 1,5 bilhão, algo entre R$ 4,5 e R$ 9 bilhões. Quem fatura esse dinheiro são empresas que oferecem ilegalmente jogos de cassino online, como roleta e black jack. Segundo a ANJ, ao apostar nesses sites, a metade dos clientes sequer sabe que está cometendo um delito.
Especialistas dizem que as bets estão interligadas em todo o mundo. O mercado europeu representa mais de € 230 bilhões, o da China, € 1 trilhão. Para as instâncias reguladoras, é um desafio combater a atividade ilegal.
Basta o apostador francês usar uma ferramenta de VPN, que protege a privacidade online, que ele vai escapar ao controle das autoridades locais e apostar em plataformas sediadas no exterior ou em paraísos fiscais, que oferecem ganhos mais atraentes do que o teto regulamentado no país. De 2022 até julho deste ano, a Autoridade Nacional dos Jogos bloqueou 300 sites por desrespeito às leis francesas.
Perfil do apostador francês
Um levantamento do Observatório Francês de Drogas e outras dependências, de 2023, apontou que quase metade da população adulta francesa tinha apostado em jogos de azar nos 12 meses anteriores à pesquisa, a maioria com idades acima de 18 anos, mas um quarto dos jovens de 17 anos contaram ter feito apostas.
Na França, o perfil do apostador é um homem, com idade entre 25 e 34 anos, que aposta em média € 1.982 por ano, cerca de R$ 12 mil, e perde cerca de R$ 2.100. Ou seja: o ganho cria o círculo vicioso e a pessoa volta a apostar.
Oficialmente, cerca de 4 milhões de franceses apostam pelo menos uma vez por ano nas plataformas – 6% da população –, mas 1,8 milhão de franceses têm um comportamento considerado problemático em relação à compulsão pelo jogo.
Entre 2022 e 2023, o número de apostadores recuou ligeiramente, mas a tendência voltou a crescer. Os dados oficiais de 2024 ainda não foram publicados, porém os especialistas já se preparam para uma provável explosão das apostas com a Eurocopa na Alemanha, em junho passado, e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris. Cerca de 70% das apostas na França são relativas a jogos de futebol.
O governo brasileiro levou um susto quando se deu conta, recentemente, que beneficiários do Bolsa Família têm usado o cartão de débito do programa para pagar apostas.
França aumenta fiscalização
O governo francês dispõe de uma Caixa de Auxílio às Famílias (CAF) para administrar a distribuição dos recursos dos programas sociais à população. Os benefícios são variados, vão da renda mínima à ajuda para pagar o aluguel, em função da renda. Geralmente, os depósitos são realizados nas contas bancárias dos beneficiários. Uma vez que o dinheiro é depositado na conta da pessoa, ela pode fazer o que quiser com os recursos.
Porém, as denúncias de fraudes ao sistema social francês levaram o governo a tentar limitar os prejuízos. Para evitar abusos, a administração tem multiplicado a fiscalização, que inclui visitas mais frequentes do beneficiário às agências da CAF para apresentação de comprovantes.
No caso das pessoas que têm direito a um benefício para pagamento de parte do aluguel, por exemplo, sempre que possível o crédito do governo é feito diretamente na conta bancária do proprietário do imóvel, para evitar que o dinheiro seja gasto de outra forma.
Fri, 27 Sep 2024 - 160 - Julgamento de 50 homens acusados de estupros de idosa francesa atrai jornalistas do mundo todo
Há três semanas, a cidade de Avignon, no sul da França, foi invadida por jornalistas do mundo inteiro. O chamado “processo de Mazan”, sobre múltiplos estupros organizados pelo marido da vítima, Gisèle Pelicot, sedada durante os atos, suscita forte interesse da imprensa internacional.
Daniella Franco, de Paris
“A França confronta o horror do caso de estupro e sedação” é a manchete de um suplemento especial do jornal americano New York Times. Como o célebre diário, outros grandes veículos, como o britânico The Guardian, o espanhol El País, e a revista alemã Der Spiegel, enviaram repórteres para acompanhar o julgamento.
A intensa e diária cobertura das mídias internacionais intriga até mesmo a imprensa francesa. A emissora BFMTVentrevistou jornalistas estrangeiros que acompanham o julgamento que evocam não apenas os fatos chocantes do “processo de Mazan”, mas também a coragem da vítima, Gisèle Pelicot, de 72 anos, e o intenso debate que o caso suscita sobre a luta contra a cultura do estupro.
No total, 36 mídias foram credenciadas para fazer a cobertura dentro do tribunal de Vaucluse, em Avignon. Dezenas de outros repórteres sem autorização de acompanhar os bastidores do julgamento se posicionam nos arredores do local, na expectativa de obter uma declaração, um vídeo ou uma foto da francesa que se tornou um símbolo contra as agressões sexuais às mulheres.
Nas agências de fotografias internacionais, Gisèle aparece sempre cercada por dezenas de microfones. Com uma expressão segura e um andar calmo, ela encara as câmeras em algumas ocasiões, concede entrevista ao lado de seus advogados e agradece o apoio de militantes incansáveis que a aguardam durante as longas horas de audiência.
Para o jornal Libération, parte da fascinação da mídia estrangeira com o caso é alimentada pela figura da septuagenária, “uma mulher admirável que muitos não hesitam em classificar de heroína”. Já o diário americano The Washington Postexplica, em uma matéria, que não tem o hábito de revelar os nomes das vítimas de crimes sexuais, mas “nesse caso preciso, ela pediu para ser identificada com o seu sobrenome de casada, Gisèle Pelicot”. Além disso, reitera, “a vítima pediu que o processo ocorresse em audiência pública porque ela queria que o mundo soubesse o que lhe aconteceu”.
“É preciso perguntar aos jornalistas ausentes porque não vieram”, diz Catherine Porter, repórter do The New York Times ao ser questionada pela rádio francesa RMC sobre o interesse internacional sobre o caso. Já para o jornalista espanhol Enric Bonet, o julgamento “mexe com o nosso interior” e “mobiliza a sociedade”.
Fatos chocantes
“Tudo nesse caso fascina as mídias”, observa o jornal francês Libération. Para o diário, o principal interesse se dá pelo choque com os fatos: um idoso que drogou sua esposa durante dez anos, após quatro décadas de casamento, para estuprá-la e oferecê-la ser violentada inconsciente por dezenas de desconhecidos.
Muito além de retratar os atos de Dominique Pelicot e as dezenas de outros acusados, a imprensa internacional ainda convida à reflexão. A revista alemã Der Spiegel refuta a utilização da palavra “monstro” para se referir ao ex-marido de Gisèle. “Seria bem mais preocupante admitir que os estupradores estão todos grudados no tecido social contínuo da misoginia banalizada”, publica.
Já o diário El País convida os leitores a considerar a simplicidade da origem do caso: um marido que estupra a esposa. Por causa das perdas de memória resultantes da ingestão de altas e frequentes doses de ansiolíticos, Gisèle chegou a cogitar que estava sofrendo de Alzheimer ou que poderia ter um tumor no cérebro. “Mas se tratava de algo ainda mais sinistro: um marido”, diz o jornal espanhol.
Relembre o caso
“O processo de Mazan” - em referência à cidade no sul da França onde Gisèle e Dominique Pelicot viviam e os estupros ocorriam - teve início em 2 de setembro. A previsão é que ele dure até 20 de dezembro, tamanha a gravidade e complexidade do caso. O julgamento ocorre no tribunal de Vaucluse, em Avignon.
No total, 50 homens estão sendo julgados – entre eles, o ex-marido de Gisèle, Dominique Pelicot, de 71 anos – e outros 49 homens que foram recrutados por ele para estuprar a sua então esposa. A francesa era sedada com altas doses de ansiolítico, chegou a procurar médicos por problemas de memória, por contrair doenças sexualmente transmissíveis e dores nas partes íntimas, mas jamais suspeitou dos estupros.
A polícia francesa contabilizou cerca de 200 estupros, que ocorreram de julho de 2011 a outubro de 2020. Destes, 92 foram cometidos por 50 homens que puderam ser reconhecidos e são julgados atualmente. Outros 29 potenciais estupradores não puderam ser identificados.
Um acusado, Jean-Pierre M, de 63 anos, está sendo julgado nesse mesmo processo por estupro de sua esposa. O sexagenário conheceu Dominique Pelicot em um site pornográfico que o instruiu sobre o modus operandi da sedação e estupros de Gisèle. Ambos são acusados de dopar e violar a esposa de Jean-Pierre em ao menos 12 ocasiões.
A principal vítima do processo Mazan, Gisèle Pelicot depôs na primeira semana do julgamento e voltou a falar na quarta-feira (18), quando foi interrogada pela defesa do ex-marido. Os advogados usam o argumento de que a vítima estaria consciente durante “os atos sexuais”, uma alegação que a septuagenária considera “humilhante”.
Dominique Pelicot, principal acusado, testemunhou pela primeira nessa semana e admitiu ser um “estuprador”, “como todos os outros” no tribunal. Sua defesa tem a estratégia de tentar dividir a responsabilidade dos atos com os outros acusados.
Nessa semana também tiveram início os depoimentos dos co-acusados no caso. O primeiro deles, Lionel, de 44 anos, reconheceu jamais ter obtido o consentimento de Gisèle, mas afirma não ter consciência de ter praticado um estupro.
Os homens julgados têm idades que vão dos 26 aos 73 anos, pertencem a classes sociais variadas e executam diversas profissões – jardineiro, bombeiro, pedreiro, enfermeiro, engenheiros, aposentados, militares e um é jornalista. A maioria deles não tem antecedentes criminais, boa parte é casado e tem filhos.
Todos os acusados podem ser condenados a até 20 anos de prisão.
Fri, 20 Sep 2024 - 159 - Paris combate a poluição com inspeção de carros, calçadões e mobilidade sustentável
A prefeitura de Paris adota há vários anos um conjunto de políticas públicas de combate à poluição e incentivo à mobilidade sustentável que têm melhorado a qualidade de vida dos parisienses e visitantes. Em várias ocasiões, as propostas das autoridades municipais geraram resistência, mas diante da atual emergência climática, a maioria dos franceses estão convencidos da necessidade de adaptação.
A principal fonte de poluição atmosférica e sonora em Paris vem do trânsito, que gera concentração de gases poluentes e partículas finas. Segundo estudos científicos, as fontes secundárias de poluição na região metropolitana da capital são o aquecimento doméstico no inverno – lareiras, caldeiras a gás ou à base de óleo combustível –, a atividade industrial e obras da construção civil.
Com o aumento das temperaturas gerado pelo aquecimento global e períodos de seca prolongados, nos meses do verão aumentaram os picos de poluição provocados pela concentração de dióxido de nitrogênio (NO2) no céu da cidade. Este subproduto da queima de combustíveis é extremamente tóxico, de acordo com especialistas.
Uma das primeiras medidas adotadas em Paris para reduzir a circulação de carros foi a criação do sistema de bicicletas de aluguel. A França tinha um atraso nessa área em relação aos países nórdicos, à Holanda e Alemanha.
O sucesso das bicicletas de locação obrigou o município a construir quilômetros de ciclovias e a impor uma faixa para ciclistas na contramão das ruas estreitas de Paris. O incentivo ao uso da bicicleta tem o apoio de subsídios do Estado, que distribui cheques em dinheiro aos cidadãos para financiar parte do preço de uma bicicleta elétrica. A troca de carros a gasolina ou diesel por automóveis híbridos ou elétricos também é facilitada pelo governo.
Bicicleta supera carros
Um estudo do Institut Paris Région (IPR), publicado em abril, mostrou que a bicicleta superou o carro como meio de locomoção em Paris, e agora só fica atrás do transporte público e da caminhada. Cerca de 66% dos parisienses usam o metrô, ônibus e as linhas de veiculos leves sobre trilhos para se deslocar na cidade; 5,5% adotaram a caminhada.
Outra medida que o município tem instituído é o fechamento de dezenas de ruas e vias expressas aos carros de passeio. Houve uma inversão das prioridades de circulação: primeiro pedestres, depois bicicletas, ônibus e táxis.
Calçadões e vegetalização
O programa chamado "Ruas para crianças", onde ficam escolas, ampliou as áreas de calçadão e abriu espaço para a criação de jardins. Além de favorecer a segurança dos alunos, a vegetalização do que antes era asfalto usado por carros, agora participa do combate à poluição e melhora o nível de umidade do ar. Paris já tem 200 'ruas para crianças' e o objetivo é chegar a cerca de 600 no futuro.
A capital francesa sempre teve ruas exclusivas para pedestres, no centro dos bairros, dedicadas ao comércio de comida – açougue, padaria, peixaria, queijaria, venda de frutas e legumes, cave de vinhos – ou à feira semanal. Este modelo está se propagando para ruas de lojas, cafés e restaurantes. Nos fins de semana, a cidade se torna uma imensa área de lazer.
A implantação de rodízio é rara em Paris, apenas quando os níveis de concentração de ozônio (dióxido de nitrogênio) atingem um patamar que requer a medida drástica para diminuir o número de carros nas ruas.
Selo em carro indica nível de emissões
Por outro lado, desde 2017, a prefeitura adotou um selo de controle de emissão de poluentes, baseado em uma escala de 0 a 5, que ajuda no controle da poluição e contribui para a melhoria da qualidade do ar. O zero nesta escala corresponde aos veículos elétricos e movidos a hidrogênio, ou seja os menos poluentes, enquanto 4 e 5, os mais tóxicos, só têm autorização para entrar na cidade em algumas ruas e horários específicos. O motorista deve exibir esse selo no para-brisa do veículo. Essa medida obrigou muita gente a trocar de carro ou a desistir do automóvel, e paralelamente as ruas foram cedendo espaço às ciclovias.
Em Paris, não existem áreas de estacionamento gratuito. Quando há um pico de poluição, a prefeitura autoriza o estacionamento gratuito para quem tem carro, mas exclusivamente na porta de casa. O município também declarou guerra contra os carros SUV, mais poluentes. Eles pagam 18 euros a hora de estacionamento na via pública, cerca de 110 reais, contra 15 reais para um carro de porte menor.
Em todo o país, os veículos de menos de 3,5 toneladas são obrigados a passar por um controle técnico em oficinas especializadas a cada dois anos para verificar o estado dos filtros antipoluição, do óleo do motor, freios e faróis, a partir do terceiro ano depois da compra. A multa por falta de inspeção técnica é de 135 euros, cerca de 830 reais.
Reduzir velocidade diminui poluição
Nesta semana, a prefeita Anne Hidalgo anunciou que a partir de 1° de outubro, a velocidade no anel viário que circunda a capital, chamado periférico, muito utilizado pelos motoristas provenientes das periferias, vai ter a velocidade máxima reduzida de 70 km/h para 50 km/h.
Uma pesquisa feita com motoristas logo após o anúncio da medida indicou que 92% dos entrevistados na região são contra a decisão da prefeita. Hidalgo alega que 82% dos motoristas circulam sozinhos nos carros no periférico. Além de reduzir a velocidade máxima, a socialista quer dedicar uma das três faixas do anel viário a táxis, ônibus e carros com pelo menos dois passageiros, além do motorista.
Estudos científicos comprovam que reduzir a velocidade diminui a emissão de poluentes. Em Paris, ruas não comerciais, estritamente residenciais, já tiveram a velocidade limitada a 30 km/h em vários bairros.
O caso do periférico é uma luta histórica contra a poluição e divide opiniões. Cerca de 1,2 milhão de motoristas utilizam a via diariamente. Mas a poluição gerada pelo tráfego constantemente carregado, à exceção da madrugada, está acima das normas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os 120 mil moradores residentes a 200 metros do anel viário têm mais doenças provocadas pela poluição do que outros cidadãos.
Desde 1993, a velocidade no periférico baixou de 90 km/h para 80 km/h. Depois, em 2014, passou para 70 km/h e agora vai cair para 50 km/h. É uma medida de bom senso em saúde pública, mas que enfrenta resistência de moradores das periferias e também do Ministério dos Transportes.
Os motoristas que dependem do periférico para trabalhar criticam a guerra da prefeita de Paris contra os carros. Fora da capital, ainda há uma dependência do automóvel porque a rede de metrô e trens de subúrbio é insuficiente. Dependendo de onde a pessoa mora, só é possível chegar em Paris de carro. Mas o Estado e a região Ile de France estão investindo bilhões de euros na construção de quatro linhas de metrô para otimizar a conexão de munícipios vizinhos à capital e inaugurou recentemente sete estações na extensão da linha 14. Quando este projeto chamado Grand Paris Express for concluído, a região metropolitana terá 68 novas estações de metrô.
Investir em transporte público é fundamental
O transporte público é um elo essencial na articulação de outras políticas de incentivo à mobilidade sustentável, para reduzir a poluição nas grandes cidades. Mas não é o único elemento dessa equação. Tem de haver vontade política, continuidade e planejamento de longo prazo para fazer a revolução que Paris atravessa atualmente.
Fri, 13 Sep 2024 - 158 - Atletas paralímpicos rejeitam comparação a super-heróis: “somos esportistas de alto nível”
A Paralimpíada de Paris é palco de um debate primordial para as pessoas com deficiência. Muitos atletas paralímpicos estão rejeitando e rebatendo clichês e eufemismos, como a comparação a super-heróis.
Daniella Franco, da RFI
O debate teve início após declarações do campeão olímpico de judô francês Teddy Rinner, que comparou os esportistas paralímpicos aos Avengers, personagens da Marvel. “Eles têm uma deficiência que já é muito difícil de viver e eles conseguem fazer coisas inacreditáveis”, afirmou em entrevista à emissora de rádio e TV belga RTBF.
Alguns dias depois, em entrevista à rádio francesa RTL, junto com a estrela do atletismo francês Marie-José Pérec, Rinner voltou a usar o mesmo tom para se referir aos esportistas paralímpicos. “Com uma deficiência, são eles os verdadeiros campeões”, afirmou o judoca. “O que as pessoas não entendem é que nós olhamos os paratletas dizendo que são nossos heróis porque nós sabemos o que é treinar todos os dias”, completou Pérec.
A reação não demorou a chegar. O jogador francês de basquete em cadeiras de rodas, Sofyane Mehiaoui usou suas redes sociais para protestar: “não somos super-heróis, somos atletas”. Em seus stories, o esportista ainda deixou uma mensagem direta a Rinner, pedindo para o judoca deixar de “superexpor” as pessoas com deficiência. “É preciso que você pare de falar da gente desta forma, você não está nos ajudando”, sublinhou.
Em sua conta no Instagram, Mehiaoui ainda publicou uma charge do ilustrador francês DAVMVP, em que o super-homem é representado jogando basquete em uma cadeira de rodas. Visivelmente enfrentando dificuldades, o personagem diz: “não é tão simples assim ser atleta”. Junto da imagem, o jogador de basquete escreveu: “É preciso ser o melhor em quadra, mas também combater os preconceitos”.
Foco no desempenho
Nessa primeira semana de Jogos Paralímpicos, a mobilização se reforçou. Vários atletas se manifestaram em prol da mesma causa, como a triatleta Nantenin Keita, porta-bandeira da França na cerimônia de abertura.
Em uma entrevista ao jornal francês Libération, Keita fez um apelo ao público para que se “coloque de lado o aspecto patológico da deficiência” e o foco seja no desempenho dos esportistas paralímpicos.
A imprensa francesa ajuda a propagar esse discurso. O jornal esportivo L’Équipe publicou nesta semana um editorial intitulado “Heróis como os outros”. O texto diz que antes de se falar em Paralimpíada é preciso escutar o que os atletas paralímpicos têm a dizer.
“O que eles nos dizem? Que eles são esportistas de alto nível como os outros e que é preciso deixar de lado esse olhar capacitista para nos concentrarmos em seus desempenhos”, reitera o editorial do L’Équipe.
Outro jornal francês, o Le Parisien, publicou uma edição inteira ontem falando da abertura dos Jogos Paralímpicos e um editorial com o título “Como todo mundo”, que é como os atletas paralímpicos querem ser considerados. Por isso o Le Parisien pede que a gente valorize os desempenhos e torça pelos esportistas que disputam a Paralimpíada como a gente faz com qualquer outro esportista.
Acessibilidade de Paris
Os Jogos Paralímpicos de Paris também suscitaram um debate sobre a acessibilidade da capital francesa. A cidade, que passou por uma grande renovação e realizou muitas reformas para acolher as competições e o público, está longe de ser uma referência de mobilidade.
As principais críticas se concentram no metrô de Paris. Apenas 14% das estações de metrô de Paris são consideradas totalmente acessíveis e muitas não têm equipamentos básicos, como elevadores, o que interfere demais no cotidiano de quem têm mobilidade reduzida.
Por isso, as autoridades pensaram em soluções mais imediatas para esse período de Jogos. Por exemplo, 100 minivans adaptadas foram mobilizadas pela administração da grande região parisiense para o transporte de pessoas com deficiência até os locais de competição.
Mas nem todos puderam se beneficiar dessa alternativa. Durante a Olimpíada, por dia, 4 mil cadeirantes acessaram os locais de provas. Nos Jogos Paralímpicos, a estimativa é que 2,5 mil usuários de cadeiras de rodas frequentem por dia as competições.
Outro questionamento é sobre o legado dos Jogos Paralímpicos. Atualmente, na grande região parisiense, há quase cinco milhões de pessoas em situação mobilidade reduzida, entre elas 62 mil cadeirantes. Cerca de € 1,5 bilhão está sendo investido na rede férrea de transportes de Paris para torná-la 100% acessível às pessoas com deficiências, mas calcula-se que essas reformas devem durar entre 15 e 20 anos.
Fri, 30 Aug 2024 - 157 - Paris comemora 80 anos de libertação da ocupação nazista com chegada da tocha paralímpica
Depois de duas semanas de calmaria após o fim dos Jogos Olímpicos, Paris volta a um ritmo bem mais movimentado neste fim de semana. A cidade comemora com cerimônias militares e programação cultural os 80 anos da libertação das tropas nazistas e acolhe, no domingo (25), a tocha paralímpica.
Em 25 de agosto de 1944, o general Charles De Gaulle leu para os parisienses o ato de capitulação do Exército nazista e desceu triunfante a avenida Champs-Elysées, onde os franceses se reúnem para as principais comemorações nacionais. Era o fim de quatro anos de sofrimento e humilhação impostos pela Alemanha nazista.
A data histórica, em meio aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos ausentes da capital durante 100 anos, terá dois dias de intensas celebrações. Várias festas de rua estão programadas. Em frente à prefeitura, no sábado (24), haverá projeção de um documentário com depoimentos de pessoas que viveram a reconquista da liberdade em 1944, como o sociólogo Edgar Morin, que está com 103 anos; também está previsto um concerto de orquestra seguido de um grande baile popular, como aconteceu na época, mas agora animado com música eletrônica e funk.
Como este ano Paris ainda abre na quarta-feira (28) os Jogos Paralímpicos, as duas programações foram entrelaçadas. A tocha paralímpica chega à capital no domingo (25), proveniente da Inglaterra, para marcar a data.
Tocha será acesa na Inglaterra
Enquanto a Grécia Antiga é o berço dos Jogos Olímpicos, os Paralímpicos têm uma história mais recente. Quando a Segunda Guerra acabou na Europa, havia milhares de pessoas amputadas, paraplégicas, vítimas de múltiplas deficiências.
Em 1948, o médico alemão Ludwig Guttmann, neurologista do hospital militar de Stoke Mandeville, perto de Londres, teve a ideia de criar uma competição esportiva para ajudar na recuperação de soldados e vítimas de guerra atendidos no hospital onde trabalhava. Veteranos de cadeiras de rodas disputaram vários jogos. Nos anos seguintes, a iniciativa inovadora se repetiu. Este torneio único passou a ser considerado como a origem dos Jogos Paralímpicos.
Assim, a tocha paralímpica será acesa neste sábado (24) em Stoke Mandeville, na presença de Tony Estanguet (presidente do Comitê Organizador) e Andrew Parsons (presidente do Comitê Paralímpico Internacional). No domingo, ela atravessa o Canal da Mancha, passa por Paris, para comemorar os 80 anos da libertação da capital, e segue para cerca de 50 cidades francesas, retornando na quarta-feira (28) para acender a pira olímpica no Jardim das Tulherias.
Para alegria dos franceses e turistas, o balão de ar quente que se tornou o símbolo dos Jogos de Paris voltará a subir todas as noites até o encerramento, no dia 8 de setembro.
França tenta recuperar atraso
A França esteve atrasada no investimento em seus atletas paralímpicos. Para se ter uma ideia, o Brasil conquistou na última edição, em Tóquio (2020), 72 medalhas no total (22 de ouro), a mesma quantidade obtida nos Jogos do Rio 2016. A França conquistou 54 medalhas no Japão e apenas 28 no Rio de Janeiro.
Com a perspectiva dos Jogos em Paris, o Estado investiu, mas os atletas continuam se queixando de custos muito mais elevados de equipamentos – próteses ou cadeiras de rodas adaptadas – e da falta de patrocinadores. As associações que trabalham na área veem uma melhora, já que dos 237 atletas franceses em busca de medalhas, 121 disputam os Paralímpícos pela primeira vez. A mais nova concorrente, promessa no atletismo, Marie N'Goussou, tem 15 anos. O objetivo do comitê francês é conquistar 20 medalhas de ouro, para ficar entre as oito principais nações paralímpicas.
A Agência Nacional do Esporte mobilizou empresas como a Airbus, por exemplo, para criar equipamentos de alta tecnologia, como próteses de corrida e bicicletas, para ajudar no desempenho dos atletas franceses, o que deve dar resultados. Mas é sempre a mesma problemática: para quem já é medalhista, é mais fácil encontrar patrocínio privado do que para iniciantes.
Parisienses voltam para casa
Cerca de 90% do público dos Jogos Paralímpicos será francês e desse total 75% de moradores da região parisiense. As férias de verão terminam na semana que vem, e o retorno das aulas acontece no dia 2 de setembro. Até a última quarta-feira (21), dos 2,5 milhões de ingressos colocados à venda, 800 mil ainda estavam disponíveis, segundo os organizadores.
As arenas mais bonitas da cidade, com vista para a Torre Eiffel, na praça da Concórdia ou no Grand Palais, são as que têm maior procura do público, com ingressos quase esgotados. Os que sobraram têm os preços inflacionados.
Das 22 modalidades da Paralimpíada, 10 venderam 90% dos ingressos; outras 15 estão com uma ocupação de 75% das arquibancadas. Os organizadores reservaram 80 mil ingressos para cadeirantes e portadores de outras deficiências, mas só venderam até quarta-feira 31 mil entradas.
Problemas de mobilidade
Os Jogos Paralímpicos sempre têm público menor do que a Olimpíada. Mas no caso de Paris, o sistema de transporte pode ser um agravante.
O metrô de Paris é considerado uma “corrida de obstáculos” para cadeirantes. A região de Ile de France, responsável pela oferta do transporte público na capital e arredores, investiu mais de € 2 bilhões para facilitar o acesso às linhas de metrô, ônibus e trens. Mas, atualmente, das 320 estações do metrô de Paris, que tem mais de um século, apenas 29 são acessíveis às pessoas com deficiência físico-motora. O número representa apenas 9% da rede.
Questionadas sobre esse atraso, as autoridades alegam que as obras de modernização do velho metrô de Paris são muito caras e dão o exemplo da linha 6, uma das mais antigas da cidade. As obras de adaptação dessa linha para cadeirantes têm custo estimado de € 1 bilhão e de seis a dez anos de prazo para a conclusão da reforma.
Diante do custo elevado, houve uma escolha do poder público. Os investimentos foram direcionados para a rede ferroviária da região metropolitana de Paris, com trens que também circulam na capital, e tem agora 240 das 268 estações acessíveis a todo tipo de usuário. A oferta é complementada por 65 linhas de ônibus, totalmente adaptadas a pessoas com mobilidade reduzida.
Portadores de Síndrome de Down lançam petição
A poucos dias do início dos Paralímpicos, portadores de Síndrome de Down iniciaram um movimento de reivindicação para o Comitê Olímpico Internacional (COI). Integrantes do Conselho Municipal de Jovens de Mornant, no sudeste da França, que tem alguns membros com Down, consideram injusto que o COI ofereça apenas três modalidades para pessoas com deficiência intelectual nos Paralímpicos – natação, atletismo e tênis de mesa.
Esse grupo lançou uma petição pública e espera recolher 500 mil assinaturas para alertar o COI que portadores de Síndrome de Down têm capacidade para praticar outros esportes de alto nível e poderiam ser incluídos nas competições. De certa forma eles têm razão, já que dos 4.400 atletas que vão disputar os Paralímpicos de Paris 2024, apenas 5% são pessoas com deficiência intelectual.
Fri, 23 Aug 2024 - 156 - Paris inicia contagem regressiva e intensifica preparativos a menos de duas semanas da Paralimpíada
Paris está nas nuvens com a realização de uma Olímpíada que superou as expectativas. A capital francesa entrou na contagem regressiva agora para os Jogos Paralímpicos, daqui a menos de duas semanas.
Daniella Franco, da RFI
Passadas as dúvidas sobre a capacidade de Paris de acolher um evento da magnitude dos Jogos Olímpicos, a pressão na cidade é menor em relação à Paralimpíada. A capital francesa já iniciou a contagem regressiva para o evento que ocorre do dia 28 de agosto até 8 de setembro.
Paris dá espaço novamente às obras, mas não tantas como as que ocorreram para os Jogos Olímpicos. Vários locais de competição serão mantidos e outros serão adaptados. É o caso da belíssima arena da Torre Eiffel, que acolheu o vôlei de praia, e que está sendo modificado para as competições de futebol para pessoas com deficiência visual.
Segundo os organizadores, o maior desafio será transformar os quatro espaços de competição erguidos na Praça da Concórdia, no centro de Paris, para o ciclismo BMX freestyle, para o skate, o breaking e o basquete 3x3. Nessa mesma região estão sendo instaladas as arquibancadas ao público que assistirá à cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos.
Desfile de atletas na Champs-Elysées
Os segredos da cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos são mantidos a sete chaves, mas a promessa é de ser tão vanguardista quanto o evento que deu início à Olimpíada, no último 26 de julho. A concepção da festa é novamente assinada pelo consagrado diretor de teatro Thomas Jolly, que escolheu, mais uma vez, usar o belo cenário da capital francesa como pano de fundo.
Desta vez, o desfile das delegações de atletas ocorrerá na avenida Champs-Elysées, chamada de “o coração de Paris”, que liga a Praça da Concórdia ao Arco do Triunfo. Jolly revelou nessa semana à rádio francesa RTL que o espetáculo será concentrado nos corpos dos paratletas, “para mudar o olhar da sociedade sobre as pessoas com deficiência”.
A exemplo da abertura e do encerramento dos Jogos Olímpicos, um repertório musical francês embalará a festa, para valorizar a produção musical nacional. O diretor artístico de Paris 2024 promete “uma grande festa no coração da cidade” no dia 28 de agosto às 20h de Paris (15h em Brasília).
Venda de ingressos
O Comitê de Organização dos Jogos Paralímpicos anunciou nesta quarta-feira (14) que metade dos ingressos para os eventos paralímpicos já foi comprada. O ritmo de vendas é cinco vezes maior do que duas semanas antes dos Jogos Olímpicos de Paris, o que mostra que a capital francesa ainda está no clima das competições.
Além disso, os Jogos Paralímpicos também coincidem com o fim do período férias de verão, por isso os parisienses estarão em peso de volta à capital francesa. Os preços dos ingressos também são muito mais acessíveis do que as entradas para os Jogos Olímpicos.
Bilhetes para as competições da Paralimpíada podem ser comprados por valores a partir de € 15 (equivalente a R$ 90). Nos Jogos Olímpicos, o preço mais baixo dos ingressos foi de € 24 (cerca de R$ 145), embora as entradas a esse preço tenham sumido logo nas vendas dos primeiros lotes.
Já para a cerimônia de abertura, os preços são mais altos, a partir de € 450 (cerca de R$ 2,7 mil). No entanto, o valor ainda é bem distante dos preços da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, no último 26 de julho, que custaram entre € 990 e € 12 mil (ou seja, entre R$ 6 mil e R$ 71 mil.
O que também ajuda na empolgação à espera dos Jogos Paralímpicos é a intensa programação em 26 fan zones, que seguem abertas. Esses espaços de encontro e comemoração de torcedores propõem, até o dia 28 de agosto, uma série de atividades culturais e esportivas, como aulas de esportes paralímpicos.
Desta forma, o público pode conhecer algumas das 22 modalidades esportivas da Paralimpíada. Apesar disso, os Jogos Paralímpicos contarão com 220 partidas a mais que a Olimpíada: uma oportunidade ainda maior de assistir a eventos esportivos e prestigiar os paratletas.
Fri, 16 Aug 2024 - 155 - Como está Paris, a uma semana da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos?
Agora é oficial e foi dada a largada da contagem regressiva para os Jogos Olímpicos de Paris! A cerimônia de abertura acontece na próxima sexta-feira (26), daqui a exatamente uma semana. Entre entusiasmo e ansiedade, a capital francesa entra no clima do evento, mas teme desorganização e atentados terroristas.
Daniella Franco, da RFI
“Você comprou ingresso para qual modalidade?”: a pergunta passou ser ouvida frequentemente nas ruas de Paris nos últimos dias. No entanto, a população francesa não é a mais entusiasmada com os Jogos Olímpicos. Uma pesquisa do instituto Ipsos para o jornal La Tribune, no mês de abril deste ano, mostrava que apenas 53% da população se dizia interessada pelo evento. Entre os entrevistados, 35% se declaravam indiferentes e 33% preocupados.
Apesar das construções e preparativos que se intensificaram nos últimos meses, a uma semana do início dos Jogos Olímpicos, a vida dos moradores de Paris começa a ser verdadeiramente impactada. Durante a semana, algumas estações de metrô nos arredores do rio Sena, na região onde ocorrem a cerimônia de abertura e algumas competições, foram fechadas, perturbando a circulação na capital francesa. Na quinta-feira (17), barreiras foram instaladas para impedir o trânsito nas pontes que ligam os dois lados de Paris.
Nos cais e em algumas das ruas que cercam o rio Sena, dois perímetros de segurança – a zona cinza e a vermelha – também foram ativadas, com controle da circulação. Moradores, trabalhadores e turistas que não requisitaram o passe eletrônico em forma de QR code para o acesso a essas áreas expressaram sua indignação com o sistema.
O subprefeito de Paris, David Belliard, chegou a pedir formalmente à Secretaria de Segurança Pública da capital francesa para retirar alguns dos bloqueios e “permitir, quando possível, uma melhor circulação e segurança de pedestres e ciclistas”. O ecologista reclama principalmente que, entre as cerca de 44 mil barreiras colocadas nas calçadas e nas ruas, algumas impedem a utilização das pistas de bicicleta construídas especialmente para os Jogos Olímpicos.
De fato, a capital francesa está irreconhecível. Em vários pontos turísticos, como a Praça da Concórdia, a Ponte Alexandre III e a própria Torre Eiffel, estruturas e arquibancadas foram erguidas. A transformação desagrada alguns parisienses e turistas, como Thiong Tran, moradora de Seine-Saint-Denis, na periferia, que gostaria de mostrar a capital para a família que veio da Polônia visitá-la. “Não sei nem mesmo se vamos conseguir fazer o passeio que planejamos no rio Sena”, lamenta.
A partir do final da manhã deste sábado (20), nem barcos turísticos, nem navios de transporte de mercadorias e alimentos poderão circular no Sena até a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Apenas as embarcações que participam dos ensaios para o evento é podem ter acesso ao rio parisiense.
15 milhões de turistas em Paris
Cerca de 15 milhões de turistas são esperados em Paris para o período dos Jogos Olímpicos. Nas ruas da capital francesa já é possível perceber um aumento da afluência de visitantes.
No entanto, organizações que representam comerciantes, proprietários de restaurantes, bares e clubes apontam para “uma queda inédita na frequentação” de 30%, em relação aos anos anteriores. Em um comunicado conjunto de vários setores divulgado nesta sexta-feira, eles criticam “o pesado esquema de segurança” dos Jogos Olímpicos que estaria espantando os frequentadores.
Segundo o informe, a situação é pior nos estabelecimentos próximos aos eventos olímpicos. Restaurantes perto da torre Eiffel – que acolhe o show da cerimônia de abertura e algumas competições – chegam a registrar uma diminuição de 70% do público.
“Se garantir a segurança dos visitantes dos Jogos Olímpicos é uma prioridade absoluta, deploramos a falta de esclarecimentos e de informação da parte das autoridades públicas sobre essas restrições. Nossos estabelecimentos precisam de antecipação e organização para que possam se preparar serenamente”, afirma o comunicado.
Ao contrário do previsto, a rede hoteleira também não está esgotada. Muitos estabelecimentos realizam promoções de última hora para tentar atrair a clientela.
Em entrevista ao site econômico francês Capital, Frank Delvau, presidente da União das Profissões e das Indústrias de Hotelaria da Região Parisiense, classifica a situação de “catastrófica”. Segundo ele, devido ao rígido esquema de segurança e às dificuldades de circulação na capital, a taxa de frequentação dos hotéis em Paris não ultrapassa 55% nas próximas semanas.
Quem também terá de lidar com o público abaixo do esperado é o próprio Comitê de Organização dos Jogos Olímpicos. A poucos dias do apito inicial, cerca de um milhão de ingressos não foram vendidos. Entre eles, 50 mil entradas para partidas de futebol, basquete e competições de atletismo.
O principal motivo foi o preço das entradas. Os ingressos para algumas modalidades, como ginástica artística, foram disponibilizados a algumas centenas de euros. No site oficial do evento, milhares de espectadores também revendem bilhetes a valores mais acessíveis.
Temor de atentados terroristas
Paris foi palco de três incidentes violentos nos últimos dias, o que preocupa os organizadores dos Jogos, autoridades locais, moradores e visitantes.
Um policial foi esfaqueado na quinta-feira perto da avenida Champs-Elysées, uma pessoa morreu e seis ficaram feridas na colisão de um carro contra um bar do leste de Paris na quarta-feira (16) e um soldado da operação antiterrorismo foi atacado na estação de trem Gare de l’Est na segunda-feira (15).
A polícia francesa descartou que qualquer um desses incidentes tenham tido motivação terrorista. Os três homens autores desses ataques tinham antecedentes psiquiátricos.
No entanto, segundo a rádio France Inter, o risco de um atentado jihadista durante os Jogos é alto. O maior temor é sobre a ação dos chamados “lobos solitários”, que agem sozinhos, sem um grupo ou comando principal.
Sob anonimato, uma fonte próxima dos serviços de inteligência da França afirmou à rádio que cerca de 12 ordens de ataques do grupo Estado Islâmico foram registradas vindas na zona turco-síria.
O esquema de segurança de Paris 2024 é imenso: 35 mil policiais e 18 mil militares estarão mobilizados durante os 12 dias do evento. Há ainda 1,8 mil agentes de segurança vindos de 43 países para apoiar as forças francesas, inclusive do Brasil. A Polícia Federal brasileira enviou 20 agentes para a França para atuar em três principais frentes: segurança pública, troca de informações, e inteligência para prevenção ao terrorismo.
Pane informática no sistema da Paris 2024
Uma pane informática de grandes proporções afetou o funcionamento de diversos serviços e aeroportos pelo mundo nesta sexta-feira (19). O transporte ferroviário, empresas de telecomunicações, bancos, veículos de comunicação e até o sistema dos Jogos Olímpicos de Paris foram atingidos.
Segundo o Comitê de Organização da Paris 2024, o problema afetou todos os seus servidores, mas o impacto foi “limitado”. O principal problema ocorreu na entrega de credenciais e dos uniformes dos atletas, o que atrapalhou a chegada de algumas delegações na Vila Olímpica nesta sexta-feira.
O comitê informou ter ativado planos de emergência para minimizar os problemas, com a mobilização de todas as suas equipes de informática. No final da tarde, o sistema voltou inteiramente ao normal, com a previsão de que o centro de distribuição de credenciais e uniformes fique aberto até 23h pelo horário de Paris.
Aliviado, o chefe do Comitê de Organização, Tony Estanguet, comemorou o fato de ter escapado de uma catástrofe. “Claro que não poderíamos nos preparar para essa pane mundial a alguns dias do início dos Jogos”, afirmou.
Fri, 19 Jul 2024 - 154 - Paris se prepara para um fim de semana de festa com a chegada da tocha olímpica na cidade
Depois de percorrer a França e ser vista por 4 milhões de pessoas, a tocha olímpica chega a Paris neste domingo, 14 de julho, para dois dias de revezamento nos 20 distritos da capital. Como é o dia da festa nacional francesa, os eventos foram entrelaçados: o tradicional desfile militar acontece durante a manhã, o revezamento dos atletas com a tocha começa logo depois e vai até a noite, quando o céu da capital será iluminado pelo esperado espetáculo de fogos de artifício na Torre Eiffel.
A tocha fará um circuito de 31 km nesse primeiro dia, passando por monumentos históricos e culturais, como as sedes da Assembleia Nacional e do Senado, o Panteão, a universidade Sorbonne, a catedral de Notre Dame, a praça da Bastilha, o Jardim de Marielle Franco e o Museu do Louvre, entre outros cartões postais da cidade.
O ponto de partida será na avenida Champs-Elysées às 12h50 em horário local (7h50 em Brasília) e quando forem 23h, a tocha encerrará o trajeto na sede da prefeitura de Paris. No dia seguinte, segunda-feira, 15, o revezamento percorre outras áreas famosas da capital. Ao todo 540 atletas vão participar dos dois dias de revezamento.
Marielle Franco será homenageada no trajeto da tocha
Em vários pontos por onde a tocha olímpica irá passar, a prefeitura de Paris programou atividades– shows de música, performances, jogos e manifestações artísticas. No Jardim de Marielle Franco (10° distrito), a artista plástica Mathilde Guégan criará um retrato em homenagem à vereadora do PSOL que fará parte de um afresco a ser realizado por moradores do bairro antes da passagem do revezamento.
Quando a chama chegar ao local, às 18h10, a imagem de Marielle ficará associada à da Olimpíada. A prefeitura de Paris já eternizou a luta de Marielle no combate às discriminações e a defesa dos direitos humanos com a inauguração desse jardim, em 2019, um ano depois do assassinato dela e do motorista Anderson Gomes no Rio de Janeiro. Agora, o retrato de Marielle pintado no jardim entrará para o álbum dos Jogos Olímpicos de Paris.
Desfile militar
Paris não tem um dia de celebração como este 14 de julho de 2024 há muito tempo. No período da manhã, o tradicional desfile militar foi transferido da avenida Champs Elysées para uma outra via famosa da cidade, a avenida Foch, de prédios residenciais de luxo. O presidente Emmanuel Macron estará lá, com ministros e alguns convidados, mas por causa da crise política não dará entrevista no final.
O tema do desfile é “Olimpismo e Forças Armadas”, celebrando o início próximo dos Jogos, com a cerimônia de abertura no dia 26, e a Liberação de Paris da ocupação nazista, que completa 80 anos em agosto.
Por causa dos preparativos da Olimpíada, a parada militar será mais curta, com 4 mil homens e mulheres compondo os batalhões a pé. Não haverá tanques nem blindados, apenas a cavalaria da Guarda Republicana e demonstrações com aviões e helicópteros, para celebrar os 90 anos de criação da Força Aérea e Espacial francesa.
No domingo, a cidade vai ficar praticamente proibida à circulação de carros, exceto em locais distantes do revezamento. O estacionamento nas ruas está proibido em todo o trajeto da tocha olímpica e na área do desfile militar.
A prefeitura manteve o espetáculo de fogos de artifício na Torre Eiffel, uma tradição nas comemorações de 14 de julho, mas sem público nos jardins ao redor do monumento. Os fogos serão vistos à distância ou pela televisão. As arenas e arquibancadas nas duas margens do Sena, em frente à torre, já estão instaladas para a Olimpíada.
Crise política
O presidente Emmanuel Macron retornou da cúpula da Otan em Washington e reuniu, nesta sexta-feira, alguns pesos-pesados de seu partido no Palácio do Eliseu. Cinco dias depois da publicação dos resultados do segundo turno das eleições legislativas, em que nenhum partido ou bloco político obteve a maioria de 289 deputados dos 577 da Assembleia, a escolha de um novo chefe de governo segue num impasse.
A nova Frente Popular de Esquerda, que venceu o segundo turno em 7 de julho, continua sem chegar a um acordo sobre o nome de um potencial primeiro-ministro. A sigla de esquerda radical França Insubmissa (LFI) não abre mão de impor um chefe de governo da legenda, alegando ter eleito o maior número de deputados dentro da coligação eleitoral de quatro partidos. O fundador do movimento, Jean-Luc Mélenchon, que disputou três vezes a presidência, quer ser primeiro-ministro. Mas ele é o político com maior índice de rejeição entre os franceses.
Os socialistas, segundo colocados no interior dessa aliança, buscam impor o secretário-geral Olivier Faure, que já disse estar pronto para assumir a função, uma vez que a oposição de direita, de extrema direita e o bloco de centro de Macron alertaram que irão derrubar um governo liderado pela França Insubmissa.
A principal notícia desta sexta-feira (12) é que Macron estaria disposto a aceitar a demissão do primeiro-ministro Gabriel Attal e do governo na terça-feira, dia 16, para que os ministros reeleitos deputados possam assumir seus mandatos na nova Assembleia e Gabriel Attal, a liderança da bancada macronista no plenário. Mas mesmo dentro do partido Renascimento existe atrito: o ministro do Interior, Gérard Darmanin, disputa a liderança da bancada com Attal.
A decisão de Macron de liberar os ministros visa reforçar a ala macronista para a sessão inaugural da nova Assembleia, marcada para 18 de julho. O bloco presidencial, apesar de ter perdido a eleição para a esquerda, ainda é a segunda força política da Casa e tentará reeleger a presidente Yahel Braun Pivet e participar dos cargos de direção das comissões mais importantes e da mesa diretora da Assembleia de Deputados.
Fri, 12 Jul 2024 - 153 - Campanha para as eleições legislativas francesas se encerra sob forte tensão
A campanha para o segundo turno das eleições legislativas francesas se encerra nesta sexta-feira (5), sob um clima tenso. Nos últimos dias, foram registradas dezenas de agressões contra candidatos e militantes. O Ministério do Interior da França anunciou a mobilização de 30 mil policiais para o domingo (7), temendo distúrbios no dia da votação.
Daniella Franco, da RFI
Segundo o ministro do Interior, Gérald Darmanin, “51 candidatos, suplentes ou militantes foram agredidos fisicamente” durante as três semanas de campanha das eleições legislativas antecipadas, “sem contar as agressões verbais”. A forte polarização deixou a França “com os nervos à flor da pele”, reiterou Darmanin, em entrevista à BFMTVnesta sexta-feira.
No total, mais de 30 abordagens motivadas por violências políticas foi registradas pela polícia durante o período. De acordo com o ministro, o perfil dos agressores é “extremamente variado”, em geral “pessoas espontaneamente irritadas”, entre “militantes políticos, membros da ultraesquerda ou da ultradireita e de outros movimentos”.
Entre os casos de agressão mais graves está o da deputada porta-voz do governo e candidata à reeleição Prisca Thévenot e sua equipe. Na quarta-feira (3), o grupo foi agredido ao questionar jovens que estavam rasgando cartazes de candidatos em Meudon, na periferia de Paris. Duas pessoas foram hospitalizadas.
Na região da Isère, no sudeste da França, o vereador Bernard Dupré, diz ter levado um soco no rosto por pregar cartazes com o rosto do ex-primeiro-ministro e candidato Olivier Verán. Marie Dauchy, candidata do partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), suspendeu sua campanha após ter sido agredida e ameaçada de morte por um homem na região da Savoie, no leste da França.
Militantes e simpatizantes não escapam do clima tenso. Na região da Loire-Atlantique, no noroeste, três jovens afirmam ter sido alvo de violências homofóbicas ao realizarem uma operação porta a porta. Membros da equipe da candidata da esquerda Danielle Simonnet foram agredidos com socos e spray de pimenta por colarem cartazes de campanha no 10° distrito de Paris.
“Há um clima de grande violência em relação à política e em relação ao que ela representa”, comentou Darmanin. “Em uma democracia, é muito importante que os candidatos, os militantes e que a política seja respeitada”, reiterou o ministro francês do Interior.
Ameaças da extrema direita contra advogados
O site da extrema direita Rede Livre publicou uma matéria na quarta-feira (3), com o nome de cerca de 100 advogados descritos como “escória” e “a serem eliminados”. O motivo foi um manifesto contra o Reunião Nacional (RN) publicado na terça-feira (2) pela revista de esquerda Marianne, assinado pelos magistrados visados pelas ameaças.
“Esses advogados declaram que não respeitarão o veredito das urnas em caso de vitória do RN”, afirma a Rede Livre. “Claro que não são os únicos, é a grande maioria dos advogados que precisam ser neutralizados”, diz o site da extrema direita.
O ministro francês da Justiça, Eric Dupond-Moretti, expressou sua indignação à publicação da lista nominal de advogados. “Aqueles que querem a morte das nossas liberdades sempre começam atacando os advogados”, declarou. O Ministério Público foi solicitado pela Ordem dos Advogados de Paris para abrir uma investigação.
A campanha também foi marcada por denúncias de polêmicos perfis de candidatos da extrema direita. É o caso de Ludivine Daoudi, excluída da campanha do Reunião Nacional depois que uma foto dela usando um quepe militar nazista veio à tona nas redes sociais. Já Annie Bell, continua na corrida pela legenda ultranacionalista, mesmo após a imprensa francesa divulgar que ela foi condenada por sequestro a mão armada, em 1995.
Outros candidatos ultranacionalistas foram alvo de polêmicas por realizar declarações racistas e xenófobas. Daniel Grenon, que afirmou durante uma entrevista que franceses originários da região do Magreb com dupla nacionalidade não deveriam jamais poder ter acesso a altos cargos na França. Paule Veyre de Soras, que briga por uma vaga de deputada em Mayenne, no nordeste da França, tentou se defender de acusações de racismo afirmando à uma mídia local: “tenho como oftalmologista um judeu. E tenho como dentista um muçulmano”.
Policiamento reforçado no domingo
O clima de tensão é reforçado por um temor que os resultados do segundo turno e uma provável vitória da extrema direita não sejam aceitos por parte da população francesa. Por isso, o Ministério do Interior mobilizou 30 mil policiais em todo o país no domingo, entre eles, cinco mil apenas em Paris.
“É um grande esquema para que a ultraesquerda e a ultradireita não aproveitem o resultado para criar uma desordem que pode, em seguida, resultar em outras desordens”, justificou Darmanin. O próprio ministro reconheceu que “há algo no ar que suscita a liberação da violência”.
Na quarta-feira (3), a Praça da República acolheu uma grande mobilização pacífica contra a extrema direita, na presença de estudantes, ONGs defensoras dos direitos humanos, políticos da esquerda, celebridades e personalidades, entre elas, o ex-jogador de futebol Raí, que discursou no evento.
Nesta sexta-feira, o secretário de Segurança Pública de Paris, Laurent Nuñez, indicou que um ato convocado pelo coletivo Ação Antifascista Paris e Periferia para o domingo diante da Assembleia Legislativa francesa foi proibido.
A manifestação seria realizada independentemente do resultado do segundo turno, segundo os organizadores. No entanto, os serviços de inteligência da França consideraram que grupos rivais poderiam se enfrentar durante o protesto, resultando em “riscos para a ordem pública”.
Fri, 05 Jul 2024 - 152 - Franceses de extrema direita apoiam 'preferência nacional' e assumem voto racista desinibido
O primeiro turno das eleições legislativas antecipadas na França acontece neste domingo (30). A extrema direita lidera a disputa com folga, sete pontos percentuais à frente da esquerda e 16 pontos à frente do bloco de centro-direita, que dá apoio parlamentar ao presidente Emmanuel Macron. A guinada de uma parcela importante do eleitorado francês à extrema direita marca uma mudança profunda de valores na sociedade francesa.
Pesquisa publicada pelo instituto Ipsos na quinta-feira (27), feita para o jornal Le Monde, rádios e canais de TV do sistema audiovisual público francês e fundações de estudos estratégicos mostra que 75% dos eleitores que votarão em candidatos do partido fundado por Marine Le Pen (Reunião Nacional), que propõe o jovem Jordan Bardella para o cargo de primeiro-ministro, compartilham os mesmos valores e ideias xenófobas e racistas defendidas pela sigla.
Esses eleitores de ultradireita, de todas as idades e classes sociais, foram convencidos pela propaganda nacionalista que apresenta os imigrantes e seus descendentes, principalmente negros e árabes muçulmanos, como bodes expiatórios de todos os males da França.
Eles querem ver aplicadas as propostas de Jordan Bardella, 28 anos, de reduzir os direitos dos estrangeiros e de pessoas com dupla nacionalidade, uma medida que instituiria uma política de segregação social entre os franceses. Apesar de negarem, o partido RN e seus aliados Republicanos romperam nesta campanha uma barreira até há pouco tempo impensável na França: dividir os franceses em categorias de melhor ou pior pedigree.
Nenhum argumento de risco econômico, de ingovernabilidade ou de despreparo para governar preocupa esse eleitorado. A esperança deles é que um futuro governo de extrema direita cumpra as promessas de melhoria do poder aquisitivo, baixe os preços da eletricidade e da gasolina, e estabeleça um tratamento preferencial para os franceses brancos nos programas sociais do governo.
Na reta final da campanha, gerou indignação a proposta de Bardella de excluir pessoas de dupla nacionalidade, que representam cerca de 3,5 milhões de franceses, de cargos públicos ditos "sensíveis e estratégicos" na função pública. O episódio mostrou que a imagem de um partido aceitável de direita, trabalhada nos últimos anos por Marine Le Pen, derrotada em duas disputas presidenciais por Emmanuel Macron, não mudou em nada. Caciques do partido Reunião Nacional continuam defendendo as mesmas ideiais xenófobas, racistas e antissemitas da sigla Frente Nacional, fundada pelo pai dela, Jean Marie Le Pen.
Clima repugnante
Desde a campanha para as eleições europeias, que precedeu a das legislativas antecipadas, a imprensa francesa tem reportado casos de xenofobia e insultos racistas nas ruas e redes sociais.
Na última semana, dois jornalistas de TV franceses de origem árabe, que fazem um trabalho seríssimo no canal 5, receberam cartas anônimas na casa deles, com insultos e ameaças de que seus empregos estavam com os dias contados e eles em breve deveriam retornar para seus países.
Um dos projetos da extrema direita é privatizar o sistema de rádio e TV público na França, que são uma garantia de independência jornalística.
Em Rouen, a 134 km de Paris, o prefeito da cidade teve de pedir à Justiça nesta semana para suspender uma festa que estava sendo organizada por um grupo de segregacionistas brancos, inspirado no movimento americano White Boys Summer. O tema da festa era “Fora estrangeiros”. No convite publicado no Instagram, eles escreveram o tema da festa em alemão – “Auslander raus” –, um notório slogan usado pelos nazistas.
A atual campanha da extrema direita liberou o discurso racista. Milícias de extrema direita escrevem nas redes sociais que aguardam apenas o resultado de domingo para "bater em homossexuais e imigrantes".
Aumento da participação
Este momento histórico de risco de desestabilização da França mexe com os eleitores. A projeção de participação está em alta, estimada entre 63% e 65%, segundo o Ipsos, o que já representa 16 pontos a mais do que na eleição de 2022, sem que se saiba exatamente se será vantajosa para um ou mais partidos políticos. Como a época é de início de férias de verão e muita gente tinha viagens programadas, mais de 2 milhões de franceses estão deixando procurações para algum conhecido votar por eles. A votação eletrônica de franceses que residem no exterior já aconteceu, e a participação quase dobrou em relação à eleição passada.
O plenário da Assembleia Nacional é composto por 577 deputados, eleitos para um mandato de cinco anos. Uma parte dos candidatos deve ser eleita no primeiro turno – aqueles que alcançarem mais de 50% de votos. Mas o Ipsos prevê cerca de 250 disputas triangulares, ou seja, envolvendo três deputados para uma vaga.
Este é o ponto mais importante a ser observado na noite de domingo. Saber se o terceiro colocado irá se retirar da disputa para apoiar o candidato com mais chances de vencer o representante da extrema direita.
O presidente Emmanuel Macron declarou nesta sexta-feira que fará "uma recomendação de voto clara" logo após a publicação dos resultados. Socialistas e ecologistas já deixaram transparecer que a ordem será barrar a extrema direita. A dúvida fica para as circunscrições em que houver candidato do partido França Insubmissa, sigla de esquerda radical equiparada por Macron à extrema direita.
O ultradireitista Jordan Bardella já disse que só aceitará a indicação do presidente para ocupar o cargo de primeiro-ministro se a extrema direita eleger a maioria absoluta dos deputados, ou seja, obtiver mais de 289 vagas no plenário.
Macron isolado
A pesquisa do Instituto Ipsos mostrou que 56% dos franceses continuam com uma impressão "muito negativa" da decisão do presidente de dissolver a Assembleia Nacional depois de perder as eleições europeias para a extrema direita. Os franceses manifestam um misto de "incompreensão, medo e revolta" contra Macron.
O chefe de Estado cometeu um erro político. Ele acreditou que contaria com o apoio de uma parte da esquerda nessa campanha para as legislativas, mas o que ele acabou fazendo foi matar o movimento político que criou. Também passou a hostilizar o partido de esquerda radical França Insubmissa, que nos últimos sete anos negou apoio a qualquer aliança política com o governo e apostou numa postura de conflito permanente na Assembleia Nacional.
Nesta sexta-feira, o jornal Le Monde publicou um editorial batendo forte em Macron. O diretor do Le Monde diz que "ceder uma parcela do poder à extrema direita seria gravíssimo e levaria a França a perder tudo o que foi construído em dois séculos e meio”. Para o segundo turno, o Le Monde defende a união de toda a oposição republicana, a fim de impedir que a extrema direita chegue ao poder.
Fri, 28 Jun 2024 - 151 - Antissemitismo domina campanha das eleições legislativas na França após estupro de menina judia
A primeira semana da campanha das eleições legislativas antecipadas na França foi monopolizada por um crime que chocou o país: o estupro coletivo de uma menina judia de 12 anos por três outros adolescentes. Manifestações contra o antissemitismo estão sendo realizadas em todo o país para denunciar crimes de discriminação e ódio contra a comunidade judaica.
Daniella Franco, da RFI
As agressões horrorizaram a França. A polícia francesa revelou detalhes do que classificou de “um calvário” vivido por uma menina judia de 12 anos no último sábado (14) em Courbevoie, na periferia de Paris.
Ela foi levada à força por dois adolescentes de 13 anos e um garoto de 12 anos a um imóvel abandonado, onde foi torturada, agredida fisicamente e estuprada ao confirmar ser de confissão judaica. Os três menores foram identificados e detidos para interrogatório.
A notícia do estupro coletivo veio à tona no início dessa semana, quando começou oficialmente a campanha das eleições legislativas antecipadas. A agressão monopolizou o debate político, em um momento em que o partido de extrema direita Reunião Nacional lidera as pesquisas, com mais de 30% das intenções de voto.
Trocas de farpas entre os partidos
Líderes de todos os partidos se manifestaram nesta semana sobre o estupro coletivo e trocaram farpas sobre o problema do antissemitismo no país. No alvo das acusações está o partido França Insubmissa, da esquerda radical. A legenda integra a coligação da esquerda Nova Frente Popular, junto com o Partido Socialista, o Partido Comunista e o Europa Ecologia Os Verdes, formada especialmente para as eleições legislativas antecipadas.
Logo após os ataques de 7 de outubro de 2023, que deu início à guerra na Faixa de Gaza, alguns membros do França Insubmissa se recusaram a classificar o Hamas como um grupo terrorista. Recentemente, o líder do partido, Jean Luc Mélenchon, também minimizou o problema do antissemitismo na França.
Nesta sexta-feira (21) em entrevista àBFMTV, a deputada Mathilde Panot, do França Insubmissa, argumentou que “nenhum dos membros da Nova Frente Popular foi condenado”. A parlamentar também ressaltou que “o antissemitismo precisa ser combatido em todos os lugares” e lembrou que no programa da coligação há um plano contra o ódio racial e religioso.
De fato, entre todos os partidos, é apenas a Nova Frente Popular que tem, até o momento, propostas contra esse problema. Eles propõem a criação de um Observatório contra as Discriminações e oferecer mais meios para que a Justiça possa processar e punir autores de crimes racistas, antissemitas e islamofóbicos.
O programa do partido centrista Renascimento, do presidente francês, Emmanuel Macron, que foi apresentado em coletiva de imprensa na quinta-feira (20) pelo primeiro-ministro Gabriel Attal. Embora não conte com nenhuma proposta direta direcionada ao antissemitismo, o premiê convocou as autoridades políticas “a erguerem barreiras ao antissemitismo”.
Vários membros do governo, entre eles, o próprio Macron, lembram as declarações controversas dos membros do França Insubmissa, e também as origens do partido Reunião Nacional. A legenda da extrema direita é o antigo Frente Nacional, fundado nos anos 1970 por um movimento neofascista, com integrantes de uma ex-milícia nazista.
No entanto, os líderes de hoje do Reunião Nacional alegam que se desvencilharam do passado obscuro. Em uma operação de repaginação, a liderança da legenda foi atribuída a Jordan Bardella, de 28 anos, admirado por parte da juventude francesa. Segundo ele, a comunidade judaica da França sabe que o Reunião nacional é “um escudo aos judeus da França”.
Manifestações em toda a França
O estupro coletivo suscitou uma onda de indignação na França. Durante toda a semana, organizações judaicas convocaram protestos nas principais cidades do país. Na quinta-feira (20), uma mobilização foi realizada na Praça da Bastilha, no leste de Paris, com o apoio de várias associações, entre elas, a SOS Racismo e a Fundação das Mulheres.
Nesta sexta-feira, centenas de pessoas se reuniram diante da prefeitura de Courbevoie, palco do crime. Presente no protesto, o presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França (Crif), afirmou que é “urgente soar o alarme” e “enviar uma mensagem à sociedade francesa” diante do antissemitismo.
Em um balanço publicado em maio, o Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop) e a Fundação Pela Inovação Política apontaram que, desde o 7 de outubro de 2023 e a retaliação israelense na Faixa de Gaza, os atos antissemitas tiveram um aumento de 1000% na França. A aversão à comunidade judaica é verificada principalmente entre a camada mais jovem da população: 35% dos entrevistados da faixa etária 18-24 anos acredita que esse sentimento é justificado devido à falsa ideia de que todo judeu apoia o governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
A imprensa francesa recolheu depoimentos de judeus e judias nas manifestações contra o antissemitismo nesta semana na França. Membros da comunidade judaica denunciam ser frequentemente alvo de ameaças físicas e verbais. Muitas pessoas afirmam que estão ocultando seus sobrenomes para não terem sua religião identificada.
“Há gente que nos persegue”, diz a francesa Rebecca ao jornalLe Figaro. “Tememos por nossas vidas. Tem quem diga que exageramos, mas vivemos um inferno cotidiano desde o 7 de outubro”, reitera.
Fri, 21 Jun 2024 - 150 - Coligação da esquerda francesa propõe ruptura com Macron e bloqueio da extrema direita
Os quatro maiores partidos da esquerda francesa apresentaram nesta sexta-feira (14), em Paris, um programa comum para as eleições legislativas antecipadas dos dias 30 de junho e 7 de julho. A Nova Frente Popular promete barrar a extrema direita e uma ruptura total com o governo do presidente Emmanuel Macron.
Daniella Franco, da RFI
Lideranças dos partidos França Insubmissa (LFI), Socialista (PS), Europa Ecologia Os Verdes (EELV) e Comunista (PCF) propuseram nesta sexta-feira um "contrato de legislatura" em 20 principais diretivas que pretendem aplicar imediatamente se vencerem o pleito. Entre as principais metas, está a revogação de medidas-chave do governo Macron, como as impopulares reforma da Previdência, da imigração e do seguro-desemprego.
O programa da Nova Frente Popular também traz propostas como o reforço do apoio à Ucrânia e a defesa de um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, além de apresentar planos audaciosos como o bloqueio de aumento das tarifas de energia elétrica e dos alimentos, a taxação dos super-ricos e o aumento do salário mínimo para € 1.600, entre outras.
A aliança da esquerda foi organizada logo após o anúncio do presidente francês, Emmanuel Macron, de dissolver a Assembleia dos Deputados e convocar eleições legislativas antecipadas, no último domingo (9). A medida mergulhou a França em um caos político.
A inesperada decisão foi tomada após a vitória esmagadora do partido da extrema direita Reunião Nacional (RN) nas eleições europeias. Os ultranacionalistas obtiveram mais de 31% dos votos, mais do que o dobro do partido governista Renascimento (14,6%).
Na última quarta-feira (12), Macron realizou uma coletiva de imprensa e explicou que, com sua decisão, espera vencer o que chama de "extremos", tecendo duras críticas à aliança da esquerda. Comparando a Nova Frente Popular com o partido ultranacionalista Reunião Nacional, o presidente afirmou que "os dois blocos empobrecem o país", e defendeu que seu campo é o único com "um projeto de governo coerente", e que pode "responder aos desafios" da França.
No entanto, a 16 dias do primeiro turno das eleições legislativas, a extrema direita segue liderando as pesquisas, com cerca de 31% das intenções de voto, muito à frente do partido liderado por Macron, Renascimento, com cerca de 18% da preferência. Até o momento, a aliança da esquerda é a única com potencial de barrar a ascensão dos ultranacionalistas, acumulando 28% de previsão de escolha do eleitorado, de acordo com a sondagem Elabe realizada no começo da semana.
Outra pesquisa, divulgada nesta quinta-feira (13) pelo Opinionway, aponta resultados semelhantes: 32% para o RN, 25% para a Nova Frente Popular e o partido de Macron, 19%.
Já a direita é palco de um racha depois que Éric Ciotti, líder dos Republicanos (LR) se aliou com os ultranacionalistas do Reunião Nacional. Após se trancar na sede de seu partido, Ciotti está em vias de expulsão desta que é a maior legenda conservadora da França. Com exceção da ala que o apoia, boa parte dos republicanos participará da chapa de Macron.
Momento histórico para a esquerda
Membros da Nova Frente Popular comemoraram "um momento histórico". "Será ou a extrema direita ou nós", afirmou Marine Tondelier, líder do partido Europa Ecologia Os Verdes. "Podemos mudar tudo se o povo francês quiser", indicou Manuel Bompard, coordenador nacional do França Insubmissa.
Em tempo recorde, as maiores legendas da esquerda conseguiram encontrar consenso sobre questões que as dividiam até então, como a classificação do grupo Hamas como terrorista, sobre a qual alguns deputados do França Insubmissa expressaram resistência no início da guerra na Faixa de Gaza.
Outro assunto que deixou de suscitar divisão entre os partidos é a personalidade que assumirá o cargo de primeiro-ministro, em caso de vitória nas eleições legislativas. O líder da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon, que perdeu popularidade após protagonizar uma série de polêmicas nos últimos anos, parece ter desistido da ideia, abrindo caminho a novas lideranças.
Apesar da proposta de ruptura com o governo Macron, o principal objetivo da aliança é barrar a extrema direita. "Estamos demonstrando que quando o essencial está em jogo, estamos aqui", afirmou nesta sexta-feira o chefe do Partido Socialista, Olivier Faure.
Inspiração vem de movimento nos anos 1930
A coligação progressista se inspira na união histórica das forças de esquerdas na França, em 1936. No início da década de 1930, a associação entre socialistas e comunistas franceses, na época inimigos, parecia improvável. No entanto, a ascensão ao poder de Adolf Hitler, na Alemanha, e de Benito Mussolini, na Itália, deixou os progressistas em alerta. A esquerda francesa, então dividida, se uniu em uma Frente Popular para barrar o crescimento do fascismo na França.
Com uma expressiva vitória nas eleições legislativas de 1936, a coligação obteve 386 deputados entre os 608 assentos na Assembleia de Deputados. O socialista Léon Blum formou um governo de coalizão e, em menos de dois meses, a semana de trabalho de 40 horas, as férias remuneradas e vários acordos coletivos foram votados.
A nova união das forças da esquerda irrita a cúpula do governo francês, que deve perder a maioria da Câmara baixa do Parlamento com a realização das novas eleições legislativas. Desde o anúncio da formação da coligação progressista, representantes do governo atacam lideranças progressistas que a integram.
Para Macron, que classificou de "indecente" a iniciativa, "Léon Blum deve estar se revirando em seu túmulo". Já o ministro francês da Economia, Bruno Le Maire, afirmou que o programa da Nova Frente Popular é "um delírio total".
O primeiro-ministro Gabriel Attal prevê que para que as medidas da coligação de esquerda sejam colocadas em prática, haverá um expressivo aumento nos impostos, "uma má notícia para a França que trabalha".
Fri, 14 Jun 2024 - 149 - Extrema direita francesa deve obter mais que o dobro de votos que partido de Macron nas eleições europeias
Eleitores da União Europeia estão indo às urnas desde quinta-feira (6) para renovar o Parlamento de Estrasburgo. A previsão é de uma guinada ultraconservadora, inclusive na França, com um preocupante fortalecimento da extrema direita no bloco europeu.
Daniella Franco, da RFI
A Holanda abriu ontem o fim de semana de votação na Europa e nesta sexta-feira (7) foi a vez da Irlanda e da República Tcheca. No sábado (8), votam os eleitores da Letônia, de Malta e da Eslováquia. No domingo (9), 20 Estados-membros da União Europeia vão às urnas, entre eles, a França.
Sob a liderança de Jordan Bardella, presidente do partido Reunião Nacional, a extrema direita francesa já comemora antecipadamente sua vitória. A dois dias da população francesa ir às urnas, a legenda segue imbatível nas pesquisas de intenção de voto. Uma sondagem divulgada nesta sexta-feira (7) pelo Instituto OpinionWay mostra que o líder ultranacionalista tem 33% das intenções de voto.
Se o resultado confirmar no domingo (9), a extrema direita francesa deve obter um resultado inédito nessas eleições europeias, conseguindo mais do que o dobro dos votos do partido do governo, o centrista Renascimento. Liderado pela candidata Valérie Hayer, a legenda de Macron tem cerca de 15% de intenções de voto. Logo depois chega o Partido Socialista, encabeçado pelo candidato Raphael Glucksmann, com cerca de 13% das intenções de voto.
Guinada da extrema direita na UE
O sucesso da extrema direita entre o eleitorado europeu se espalha pelo bloco. Pela primeira vez na história, a corrente vai se tornar a terceira força no Parlamento Europeu.
As primeiras apurações na Holanda mostram que, como esperado, o Partido da Liberdade (PVV), do líder populista holandês Geert Wilders, protagoniza um importante avanço, e deve obter 7 das 31 cadeiras da Holanda no Parlamento Europeu. Nas últimas eleições europeias, em 2019, o PVV conseguiu apenas um lugar.
Por enquanto, é a centro-esquerda que lidera a contagem de votos na Holanda, por meio da aliança entre os ecologistas e os trabalhistas. A coligação deve enviar 8 deputados ao Parlamento Europeu – um a menos do que há cinco anos.
O país da UE com o discurso ultranacionalista mais acirrado hoje é a Hungria, liderada pelo primeiro-ministro Viktor Orban. A previsão é que seu partido, o Fidesz, obtenha 48% dos votos no domingo, depois de uma campanha anti-europeia e cravejada de fake news. Uma das principais falsas notícias propagadas pela legenda nas últimas semanas é que a União Europeia estaria planejando colocar em prática um serviço militar obrigatório para enviar cidadãos europeus para lutar na Ucrânia contra a Rússia.
A Itália também é outro dos vários países europeus mergulhados no discurso da extrema direita. O partido Irmãos da Itália, da premiê Giorgia Meloni, lidera as pesquisas de intenção de voto das eleições europeias, com 27% da preferência.
Já a Polônia, que foi palco de uma guinada pró-Europa, nas eleições legislativas do ano passado, corre o risco de uma marcha à ré. O partido centrista Coalizão Cívica, do premiê Donald Tusk, tem a mesma quantidade de intenções de voto do ultraconservador Lei e Justiça (PiS), ambos com cerca de 30%.
Em outros países a extrema direita não lidera a corrida eleitoral, mas registra uma expectativa de um crescimento expressivo na votação. É o caso da Alemanha, onde o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) deve obter seu melhor resultado nas eleições europeias, com uma previsão de convencer 16% do eleitorado.
Em Portugal, o discurso anti-imigração se reforça com o crescimento do partido de extrema direita Chega. A legenda é hoje a terceira força política do país e tem 12% das intenções de voto nessas eleições europeias.
Normalização da extrema direita
Para muitos especialistas em extrema direita, o renascimento da extrema direita se deve principalmente à abertura que foi sendo concedida ao longo dos anos aos políticos e partidos de ultradireita. Segundo Nathalie Brack, professora de Ciência Política na Universidade Livre de Bruxelas, o cenário reflete “a normalização” dos ultranacionalistas.
“As ideias da extrema direita estão cada vez mais na agenda, e as cooperações com certas forças da direita radical se tornam quase normais, por meio de coligações”, observa.
A banalização da extrema direita se somou a problemas internos da União Europeia, como a crise migratória, o aumento da inflação, a desconfiança dos cidadãos na instituições europeias e dos partidos tradicionais. Líderes ultranacionalistas souberam se apropriar do descontentamento do eleitorado e se apresentar como a única solução.
Na prática, a guinada da extrema direita nas eleições europeias também deve alterar o equilíbrio de poder no bloco, reforçando a política de imigração e interferindo na agenda climática, levando em consideração o ceticismo climático dos partidos e dos líderes da extrema direita da Europa.
A monopolização do cenário político pela extrema direita, aliás, resultou na escassez debate sobre assuntos essenciais no bloco, como a questão ambiental. Em momento de emergência climática, as propostas “verdes” foram as grandes ausentes desta campanha das eleições europeias.
Não por acaso, a candidata ecologista Marie Toussaint, que lidera o grupo dos Verdes na França, pode não obter os 5% de votos necessários para ter representação no Parlamento Europeu.
Fri, 07 Jun 2024 - 148 - Internautas ameaçam poluir o rio Sena com excrementos para prejudicar provas olímpicas
O torneio de tênis de Roland Garros começou no dia 20 de maio e está sendo considerado um sucesso para testar a organização dos Jogos Olímpicos de Paris. Entretanto, uma hashtag que apareceu recentemente nas redes sociais, propondo a poluição deliberada do rio Sena com excrementos, em forma de protesto contra a prefeita Anne Hidalgo, preocupa as autoridades.
Ainda não foram divulgados números oficiais, mas o torneio de tênis de Roland Garros deve bater um novo recorde de público neste ano. Apesar do tempo chuvoso e frio para um mês de maio, os espectadores têm feito longas filas para assistir às partidas e estão em geral satisfeitos com a organização, que já aplica o mesmo esquema de segurança dos Jogos Olímpicos de Paris 2024.
O visitante não se dá conta, mas o esquema de policiamento se estende desde a linha 10 do metrô em Paris, que dá acesso ao estádio, a um amplo perímetro ao redor das instalações. As quadras de Roland Garros ficam ao lado do Parque dos Príncipes, que é o estádio de futebol do PSG. Os dois locais vão acolher competições na Olimpíada, de 26 de julho a 11 de agosto.
A diretora de Roland Garros, a ex-tenista Amélie Mauresmo, está satisfeita com o resultado das medidas de segurança tomadas. Entretanto, continuam surgindo hashtags de protesto nas redes sociais contra a prefeitura da Paris pela organização dos eventos olímpicos.
Há uma semana, apareceu uma piada de mau gosto nas redes sociais, do tipo escatológica, contra a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, logo depois dela anunciar que vai mergulhar e nadar no rio Sena no dia 23 de junho, para provar que ele está limpo e apto para receber provas de maratona aquática e a natação do triatlo durante os Jogos.
Logo depois desse anúncio, surgiu uma hashtag na rede social X (#JechiedanslaSeinele23juin) incentivando as pessoas a defecar nas águas do Sena nessa data, em uma provocação que demonstra insatisfação de uma parcela dos parisienses com a prefeita.
Esta hashtag, por mais inusitada e desagradável que pareça, viralizou, ganhou um grande número de apoiadores e migrou para programas de TV. Irritada, a prefeita socialista reagiu dizendo que não aguentava mais as críticas à organização da Olimpíada e sugeriu aos parisienses que não estivessem contentes que deixassem a cidade.
Custo de despoluição do rio e gestão de Hidalgo atraem haters
O debate gerado por essa hashtag aponta uma insatisfação dos internautas com o custo das obras de tratamento do rio. Para eliminar a poluição do Sena, onde é proibido nadar há cem anos, o governo francês e as autoridades locais já gastaram cerca de € 1,4 bilhão, cerca de R$ 8 bilhões, desde 2016.
No ano passado, o conselho municipal de Paris, presidido pela prefeita, aumentou o IPTU em 62%, de uma só vez, depois de Anne Hidalgo ter afirmado durante a campanha para a reeleição, em 2020, que não iria aumentar os impostos para pagar a dívida municipal, estimada em € 8,8 bilhões em 2024 e € 9,9 bilhões em 2025, ou financiar a Olimpíada.
A insatisfação dos parisienses com a prefeita também foi crescendo com a insistência dela em promover os Jogos Olímpicos no centro da cidade e outros projetos polêmicos, como a expulsão dos carros do centro de Paris e gastos apontados como “extravagantes”. Entre eles, a instalação de projetos de moradia popular em bairros de alto padrão, onde o metro quadrado custa caro, para forçar a convivência social entre pobres e ricos.
Nesta quinta-feira (30), em entrevista ao canal BFMTV, Michel Riottot, um engenheiro ex-pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS), disse que apesar dos esforços realizados nos últimos 30 anos, que melhoraram o grau de limpeza das águas do Sena, ainda existem ligações irregulares entre a rede de esgoto doméstico e a rede de esgoto pluvial que levam dejetos diretamente para o Sena. Ele citou um ponto crítico, que seria a estação de saneamento de Valenton, em Val-de-Marne, na periferia de Paris.
Piada de mau gosto ou ingerência externa?
Os franceses são criativos nos protestos e às vezes justificam o uso da violência para demonstrar repúdio diante de medidas que consideram arbitrárias das autoridades. Por enquanto, a prefeitura está alertando que usar o rio Sena como banheiro é passível de uma multa de € 68 (cerca de R$ 390,00), enquanto os internautas continuam fazendo planos de jogar sacos plásticos com excrementos no rio no dia D, 23 de junho, para manter o tom de provocação em relação à prefeita.
Ninguém sabe a origem desta hashtag. Alguns chegaram a cogitar se não seria mais uma ingerência externa para prejudicar a imagem de Paris. Mas os internautas têm mantido um debate técnico de um nível elevado que não parece ser promovido por robôs automáticos. Por outro lado, o envolvimento da Rússia em campanhas de desinformação para prejudicar a imagem de Paris e dos Jogos Olímpicos tem sido evidenciado por investigações feitas pelos serviços de inteligência franceses.
Em março, a ONG Surfrider Foundation publicou resultados de análises que realizou durante seis meses para medir a qualidade da água do Sena. A ONG apontou que 13 das 14 medições realizadas estavam “acima, ou mesmo muito acima” dos limites recomendados para natação. Os resultados foram atribuídos à alta concentração de duas bactérias de origem fecal (Escherichia coli e Enterococcus faecalis). Desde então, persiste esta dúvida sobre a qualidade das águas, e a prefeita Anne Hidalgo é alvo de haters. Ela garante que foram feitas as obras necessárias para sanear os problemas de contaminação.
Fri, 31 May 2024 - 147 - Praça da Concórdia é fechada à circulação de carros para Jogos Olímpicos de Paris 2024
As restrições de circulação para as provas dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 começaram a ser aplicadas nesta sexta-feira (17) na capital francesa, faltando 70 dias para a cerimônia de abertura, em 26 de julho.
A praça da Concórdia, uma área turística e central para o tráfego em Paris, foi interditada à circulação de carros e ônibus e só irá reabrir em setembro, para permitir a fase final de montagem das arquibancadas que vão receber o público nas quatro arenas do Parque Urbano, criado temporariamente para as competições de breaking, BMX estilo livre, skate e basquete 3×3.
As linhas 1 e 12 do metrô parisiense passam na estação Concórdia, mas os trens não param mais na plataforma da linha 12. Com isso, os usuários perderam a baldeação para a linha 1. Dentro de um mês, a estação será totalmente fechada.
Na mesma área, a polícia interditou à circulação, até o fim da Olimpíada, três vias bastante utilizadas pelos motoristas: a ponte Alexandre III, a continuidade dela até o monumento dos Inválidos e o eixo norte sul de acesso à Concórdia. Com esta fase final de obras, começou o período que os parisienses temiam de piora nos congestionamentos.
Associações de usuários do metrô estão protestando contra o impedimento de baldeação na Concórdia, considerado longo a pouco mais de dois meses da abertura do evento. Os usuários serão obrigados a fazer desvios e a caminhar mais tempo para chegar ao trabalho, em casa e na escola.
Um bom número de parisienses está tendo dificuldade para entender como irão funcionar os três perímetros de segurança – um cinza, um vermelho e um azul –, que as autoridades criaram para as provas esportivas neste verão.
QR code em áreas sem carros
Oito dias antes da cerimônia de abertura, ou seja, a partir de 18 de julho até a meia-noite de 26 de julho, entrará em vigor um perímetro de segurança máxima, identificado pela cor cinza, que cobre uma longa extensão de ruas próximas das duas margens do Sena. A cor cinza corresponde à área de risco terrorista e terá policiamento rigoroso. Durante nove dias, a circulação de carros será proibida nessa faixa acinzentada indicada nos mapas.
A cerimônia de abertura permanece programada no rio, com as delegações de atletas do mundo todo atravessando o eixo monumental da capital em embarcações decoradas com bandeiras. Mas o governo poderá mudar o evento para outro local se a ameaça terrorista estiver elevada às vésperas do dia D.
Para entrar nessa área de segurança máxima, toda pessoa maior de 13 anos terá de apresentar um QR code emitido pela Polícia de Paris, um tipo de autorização digital. Isso vale para turistas, moradores e seus convidados, serviços de emergência, comerciantes, entregadores, clientes e funcionários públicos.
No site da Polícia e no site oficial de Paris 2024, já é possível preencher um formulário com a solicitação desse laisser passer, que pede nome completo, data de nascimento, e-mail, telefone celular, endereço de hospedagem em Paris, cópia de passaporte e uma foto 3x4cm que vai acompanhar o QR code emitido pelas autoridades policiais.
Só é dispensado dessa autorização quem possuir convite ou ingresso para a cerimônia de abertura, acompanhado de passaporte.
Perímetro vermelho
O perímetro vermelho entra em vigor dia 26 de julho, na abertura, e vai até o encerramento dos Jogos de Paris 2024, no dia 11 de agosto. Ele é bem mais amplo e flexível, mas também exige a apresentação de QR code.
Dos 25 locais de competição, 13 ficam dentro de Paris, ao lado de monumentos como a Torre Eiffel, o Campo de Marte, a praça da Concórdia, a praça do Trocadéro e outros pontos icônicos da cidade.
A zona de segurança vermelha, mais ampla e flexível, cobre ruas adjacentes às instalações temporárias e estádios olímpicos. O público com ingresso para as competições está dispensado de apresentar QR code para ingressar na área vermelha. Já os moradores e pessoas que trabalham nesse perímetro, assim como turistas que estiverem hospedados perto das instalações olímpicas, terão de mostrar um QR code de acesso nas barreiras policiais.
Turistas que pensam em vir à cidade apenas a passeio, sem assistir às provas, precisarão do QR code se planejarem se aproximar das arenas, inclusive pedestres e ciclistas. A polícia irá instalar barreiras de segurança e efetuar controles 2h30 antes da primeira competição do dia e manter os acessos fechados até 1 hora depois da última prova. A circulação de carros será proibida durante os horários de aplicação das medidas de segurança na faixa vermelha. O deslocamento será livre apenas fora dos horários de competição.
A emissão de QR codes é gratuita. O site oficial dos Jogos, que tem versão em português e informações sobre os preparativos, traz os mapas e explicações sobre as regras de segurança. Quanto ao perímetro azul, o mais externo, é mais uma rota de fuga para motoristas escaparem do trânsito e das ruas fechadas no centro da cidade.
Fri, 17 May 2024 - 146 - A dois meses dos Jogos Olímpicos, apenas 24% dos franceses estão animados para o evento
A animação da população francesa para Paris 2024 desperta a ritmo lento. Uma pesquisa divulgada durante a semana mostrou que somente 24% dos entrevistados se consideram entusiasmados para os Jogos.
Daniella Franco, da RFI
Os franceses ainda são reticentes sobre a realização dos Jogos Olímpicos, segundo uma pesquisa do instituto Elabe para o canal BFMTV divulgada na terça-feira (7). Segundo a sondagem, 46% está indiferente e 30% expressa seu ceticismo em relação ao evento.
Por outro lado, 52% dos franceses se sentem orgulhosos de ser o país sede dos Jogos. Além disso, seis a cada 10 entrevistados afirmam ter consciência de que acolher uma Olimpíada é benéfico para o desenvolvimento do esporte, do turismo e para dinamizar a economia da França.
A animação para os Jogos está em uma dinâmica crescente, ainda que lenta. Um levantamento similar realizado pelo instituto Elabe, há nove meses, mostrou que a quantidade de entrevistados entusiasmados teve um aumento de quatro pontos. Já a porcentagem de indiferentes e céticos diminuiu em 2%.
Críticas ao preço dos ingressos
As principais críticas dos franceses em relação a Paris 2024 dizem respeito ao preço dos ingressos: 73% acredita que o valor a desembolsar para assistir às competições é alto e inacessível às camadas mais desfavorecidas da população.
Desde o início da venda das entradas, o Comitê Olímpico disponibilizou ingressos a partir de € 24 (cerca de R$ 132), mas para algumas modalidades o preço dos ingressos podem custar centenas de euros. As entradas para a cerimônia de abertura variam entre € 1.600 (R$ 8,8 mil) e € 9.500 (R$ 52,3 mil).
Já 71% expressa seu desacordo com o custo da organização dos Jogos, avaliado em € 11,8 bilhões pela consultoria Asterès, € 4,4 bilhões, segundo o presidente do comitê de organização dos Jogos Olímpicos, Tony Estanguet.
Os franceses também reclamam do impacto ecológico da realização do evento: 51% dos entrevistados acreditam que os danos ao meio ambiente com o acolhimento dos Jogos são altos. Essa opinião é compartilhada principalmente pelos jovens (67%) e os eleitores da esquerda radical (59%).
Chegada da Tocha animou os marselheses
A Tocha Olímpica desembarcou na quarta-feira (8) em Marselha, no sul do país, sob uma grande festa. Cerca de 150 mil pessoas assistiram a essa que foi a primeira cerimônia oficial dos Jogos Olímpicos em solo francês.
O desfile marítimo com cerca de mil embarcações, o show acrobático de aviões com as cores da França e apresentação do rapper francês Jul empolgou os marselheses. O presidente Emmanuel Macron e a primeira-dama Brigitte marcaram presença, além de grandes personalidades da França, entre esportistas e figuras da cena cultural du país.
O evento foi aclamado pela imprensa francesa, descrito como “uma cerimônia histórica”. Para o jornal Le Monde, a chegada da Tocha incitou o “fervor popular”, o que “ajuda a levantar o astral”. O diário Le Figaro ressaltou o “clima alegre” na ensolarada Marselha. Já o Le Parisien destacou o revezamento inicial entre o nadador francês, medalhista em Londres 2012, Florent Manaudou, e a campeã paralímpica de atletismo Nantenin Keïta.
Nesta sexta-feira (10), a Tocha chega a Toulon, no sul da França. Ela passará por todas as regiões do país até chegar à capital francesa no final de julho, antes da abertura dos Jogos. A expectativa é que o revezamento da Chama Olímpica mobilize e anime a população.
Hino da Paris 2024 vira piada nas redes sociais
A apresentação do hino oficial da Paris 2024, “Parade” (“Desfile”, em português), da autoria do músico Victor Le Masne, também teve forte repercussão nas redes sociais. Muitos internautas encontraram similaridades entre a canção oficial e o tema do filme “Jurassic Park”, de autoria do maestro americano John Williams.
Mas os vários memes envolvendo “Parade” ajudaram a viralizar o hino da Paris 2024. Na rede social X, usuários sugeriram que a Tocha Olímpica chegue à capital francesa sendo carregada por um dinossauro.
Fri, 10 May 2024 - 145 - Estudantes mobilizados na França querem que Israel responda por crimes de guerra em Gaza
O movimento de estudantes pró-palestinos, críticos da ofensiva de Israel na Faixa de Gaza, está se propagando nas universidades francesas. Esta sexta-feira (3) foi marcada por operações policiais para desalojar alunos que ocupavam prédios de faculdades em Paris e outras regiões e manifestações pela paz no território palestino.
Durante a manhã, a polícia francesa interveio em quatro universidades ocupadas: o prédio central da Sciences Po, em Paris – uma escola de elite no ensino de ciências políticas, relações internacionais e finanças –, primeira faculdade a aderir ao movimento que começou nos Estados Unidos.
Acompanhados por policiais, 91 estudantes que tinham passado a noite no prédio da Sciences Po deixaram o local, sem incidentes, mas gritando palavras de ordem em defesa da população de Gaza e denunciando o que chamam de massacres e até genocídio por parte de Israel no território palestino. A Sciences Po tem sete câmpus espalhados pela França. São os estudantes mais mobilizados no país e dez deles, de diferentes unidades, fazem greve de fome por um cessar-fogo em Gaza.
A polícia francesa ainda desalojou estudantes do Instituto de Ciências Políticas de Lyon e de uma universidade vizinha, na cidade de Saint-Etienne (sudeste). No norte da França, policiais tentaram mas não conseguiram liberar a Escola de Jornalismo de Lille, considerada uma das melhores do país, que aderiu ao movimento no meio da semana. Ao todo, 23 prédios universitários tiveram aulas perturbadas ou suspensas, nesta sexta-feira, por causa do movimento pró-Palestina.
Durante a tarde, alunos da Sorbonne e de várias associações estudantis convocaram um protesto na praça em frente à entrada principal da universidade para denunciar o "autoritarismo" do governo francês, que tem impedido manifestações de solidariedade aos palestinos. Cartazes também pediam a paz em Gaza.
Na segunda-feira, a polícia entrou na Sorbonne e removeu barracas que os estudantes tinham instalado num pátio interno, com a intenção de passar vários dias no local. O primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, e a ministra do Ensino Superior têm recomendado aos reitores para chamar a polícia para restabelecer a ordem, em caso de bloqueio das aulas. O discurso oficial é que o debate é tolerado e normal nas faculdades, mas impedir todos os estudantes de ter aulas não será aceito. Os alunos da Sorbonne ficaram revoltados que o reitor tenha deixado a polícia entrar dentro do campus, o que só aconteceu, segundo eles, duas vezes em 150 anos de existência da instituição.
Judeus abertos ao diálogo
A União dos Estudantes Judeus também reuniu 200 pessoas na praça do Panthéon, perto da Sorbonne, para um debate pacífico sobre o conflito. Com quipás nas cabeças, os jovens instalaram uma mesa debaixo de uma árvore e convidaram outros estudantes e pedestres a dialogar sobre o conflito. Políticos e intelectuais foram até o local apoiar essa iniciativa.
Algumas atitudes antissemitas por parte de alguns estudantes franceses têm sido relatadas, mas não representam a maioria dos ativistas pró-palestinos. Há alguns dias, uma estudante judia foi expulsa de um anfiteatro que recebeu o nome de Gaza, na Sciences Po. Já houve uma reunião entre os estudantes mobilizados, professores e o diretor da escola e ficou acertado que os envolvidos nesse caso receberão sanções disciplinares.
Estudantes querem levar Israel a tribunais internacionais
Os alunos de ciências políticas não acreditam que irão conseguir um cessar-fogo em Gaza. Mas alegam que de acordo com o que aprendem nas aulas de direito internacional, Israel comete crimes de guerra nos territórios palestinos e deve responder por isso diante de instâncias internacionais.
As reivindicações dos estudantes na França são globalmente as mesmas vistas nos câmpus americanos. Os alunos da Sciences Po exigem da direção da escola a suspensão dos contratos de intercâmbio com universidades e institutos israelenses e o fim do que chamam de "massacres em Gaza", como fazem os americanos. A grande diferença é o número de faculdades e estudantes envolvidos, muito maior nos Estados Unidos do que na França.
Em conversas com estudantes que não estão envolvidos nos protestos, alguns reclamam de sofrer pressão dos colegas para definir de que lado estão no conflito. Se não defendem os palestinos, são considerados pró-Israel. A polarização é evidente. Mas o que mais caracteriza o movimento na França é a solidariedade com os moradores de Gaza, uma população descrita como "vítima da opressão colonial israelense".
Contexto eleitoral
Nos Estados Unidos, os universitários criticam abertamente o presidente Joe Biden por continuar a enviar armas para Israel. A mobilização lembra os protestos contra a guerra do Vietnã, nos anos 1960.
Na França, o contexto é diferente. O presidente Emmanuel Macron tem condenado a estratégia militar do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanhyahu, e defende um cessar-fogo. Mas nos cartazes vistos hoje na rua o Estado francês era apontado como "tendo sangue nas mãos".
O partido de extrema esquerda França Insubmissa (LFI), mal posicionado nas pesquisas de intenção de voto para as eleições do Parlamento Europeu, em junho, é acusado de atiçar os estudantes na Sciences Po para ações mais radicais. Políticos desse partido têm ido às faculdades apoiar o movimento. O líder de extrema esquerda Jean-Luc-Mélenchon acusou várias vezes Israel de "genocídio" em Gaza.
Por ser um assunto complexo e internacional, a guerra afeta particularmente os estudantes de ciências políticas e relações internacionais.
A Sciences Po é uma escola privada e cara. Em Paris, conta com cerca de 5 mil ou 6 mil estudantes, a metade estrangeiros – britânicos, americanos, brasileiros, enfim, de várias nacionalidades. O estabelecimento tem convênio de intercâmbio com a Columbia em Nova York, uma das universidades mais mobilizadas nos Estados Unidos. A comunicação entre os estudantes de Nova York e Paris foi muito rápida.
Com a dimensão que o movimento ganhou nos Estados Unidos, os protestos se espalharam para universidades na Espanha, Suíça, México e Austrália.
Fri, 03 May 2024 - 144 - Combate ao turismo em massa na Europa: preservação do patrimônio ou xenofobia?
Veneza, no norte da Itália, se tornou na quinta-feira (25) a primeira cidade a cobrar ingresso para visita. Paralelamente, vários países europeus adotam medidas para tentar lutar contra a frequentação massiva de turistas. As autoridades alegam a necessidade de preservar o patrimônio local, mas visitantes estrangeiros também vêm sendo alvo de xenofobia.
Daniella Franco, da RFI
Medida ainda em fase de experimentação, a entrada de € 5 em Veneza entrou em vigor sem muita resistência da parte dos turistas e sob críticas dos moradores. A administração local escolheu 29 dias em todo o ano de 2024 – e todos os fins de semana de maio a julho – para que essa tarifa seja cobrada de visitantes que chegam para passar o dia na cidade. Ela não se aplicará àqueles que planejam pernoitar no local.
Com 50 mil habitantes, a cidade famosa por seus canais, gôndolas e arquitetura única, recebe 20 milhões de turistas por ano. Em época de alta temporada, a quantidade de pessoas na cidade chega a dobrar, o que dificulta a convivência com os moradores.
Para o prefeito de Veneza, Luigi Brugnaro, o turismo na cidade “precisa mudar” para protegê-la. “O objetivo é definir um novo sistema de gestão dos fluxos turísticos e desencorajar o turismo diário em alguns períodos”, explicou.
Os turistas aprovam a medida e parecem não se importar em pagar a taxa, um valor baixo em relação ao preço dos ingressos de museus e espetáculos. “Acho que é uma boa medida para diminuir a frequentação de visitantes em Veneza”, afirma o turista francês Sylvain Pélerin.
Mas nem todos os moradores de Veneza concordam com a imposição de um ingresso para visitar a cidade, e veem a medida como um ataque à liberdade de circulação.
“Não somos um museu ou uma reserva natural, mas uma cidade, onde não deveria ser necessário pagar para ter acesso”, afirma Marina Dodino, integrante da associação de moradores Arci Venezia.
Medidas se multiplicam pela Europa
Em outros países europeus, movimentos de moradores contra turistas realizam ações que beiram a xenofobia. Em Málaga, no sul da Espanha, adesivos com mensagens hostis aos visitantes são colados nas portas de imóveis que foram transformados em hotéis ou Airbnbs.
Nas ilhas Canárias, manifestantes saíram às ruas na semana passada para denunciar o turismo em massa e os prejuízos ambientais, com as construções de imensos complexos hoteleiros. “Não somos contra o turismo. Somos contra esse modelo que resulta na degradação da nossa terra e do nosso povo”, afirmou uma manifestante em Santa Cruz de Tenerife.
Em Atenas, na Grécia, frases contra turistas são pichadas em muros perto da Acrópole. Desde o ano passado, o governo grego impôs um limite de venda de 20 mil ingressos por dia para visitar o monumento que é símbolo do país. Na ilha de Santorini, os desembarques nos portos foram reduzidos a oito mil por dia para evitar o engarrafamento de embarcações.
França: 100 milhões de turistas por ano
Na França, o governo já elaborou um plano contra o turismo de massa cujos detalhes serão apresentados em breve. O país, que é o primeiro destino turístico do mundo, recebe 100 milhões de turistas estrangeiros por ano. Esse número deve ser ainda maior em 2024, já que Paris sedia neste ano os Jogos Olímpicos.
No entanto, algumas localidades já determinam medidas por conta própria. É o caso do Parque Nacional das Calanques, em Marselha, no sul da França, que estabeleceu um limite de 400 visitantes por dia. A grande quantidade de turistas estava provocando a erosão de alguns pontos nas montanhas.
A ilha francesa de Porquerolles, uma reserva natural no Mar Mediterrâneo, também impôs há três anos o limite de 6 mil chegadas por dia nos meses de julho e agosto, período do verão no Hemisfério Norte.
O Monte Saint Michel, na Normandia – o local mais turístico da França depois de Paris – colocou em prática todo um sistema de regulação do fluxo de visitantes. O acesso aos estacionamentos é limitado nos horários de pico, além do controle da quantidade de ônibus que levam os turistas até o local durante o dia, principalmente na alta temporada. O objetivo é proteger esse vilarejo que abriga uma abadia medieval que é Patrimônio Mundial da Unesco.
“A frequentação turística constitui, às vezes, uma ameaça à preservação dos destinos”, afirma a ministra francesa encarregada do Comércio, Olivia Grégoire, em entrevista ao jornal Le Figaro. Além disso, “80% da atividade turística se concentra em 20% do território”, ressalta.
Para ela, é essencial dividir a vinda massiva de visitantes ao longo do ano e por todo o país. Uma das pistas estudadas pelo governo francês é a promoção do que a ministra classifica de “turismo quatro estações”, além da divulgação de circuitos e destinos alternativos.
Fri, 26 Apr 2024
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