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Um pulo em Paris

Um pulo em Paris

RFI Brasil

Direto da redação da Rádio França Internacional em Paris, em parceria com a Rádio CBN, Adriana Moysés e Daniella Franco contam as novidades e curiosidades de um dos lugares mais visitados do mundo.

167 - Mulheres hétero francesas buscam cada vez mais parceiras sexuais do mesmo gênero
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  • 167 - Mulheres hétero francesas buscam cada vez mais parceiras sexuais do mesmo gênero

    A sexualidade da população francesa está em uma surpreendente evolução. Com práticas menos ditadas pela heterossexualidade, a quantidade de relações sexuais tradicionais diminui, enquanto aumenta o interesse das mulheres da França por parceiras do mesmo gênero. É o que mostra um vasto estudo do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm), divulgado nesta semana.

    Daniella Franco, da redação da RFI

    A vida sexual dos franceses e francesas está menos intensa? Os pesquisadores duvidam dessa hipótese, mesmo que o novo estudo do Inserm sobre a sexualidade na França aponte que a quantidade de relações sexuais vem diminuindo no país. O balanço – o quarto do gênero em 50 anos – ouviu mais de 31 mil pessoas com idades entre 18 e 89 anos e aponta que as experiências estão se diversificando, principalmente entre as faixas etárias mais jovens, onde cresce a rejeição da heteronormatividade.

    A principal conclusão do estudo é que as práticas sexuais na França estão se transformando, principalmente entre as mulheres. As francesas estão experimentando outras formas de relações sexuais que não se limitam à penetração. É entre elas que também cresce a masturbação, praticada por mais de 42% das cidadãs em 1992, e que deu salto de mais de 30 pontos (72%), em 2023, ano em que o estudo do Inserm foi realizado.

    Entre as francesas, aliás, 13% dizem terem sentido atração por pessoas do mesmo gênero, ainda que apenas 1,3% se declarem lésbicas. No quadro geral, quase 9% de mulheres e homens na França já tiveram ao menos um parceiro sexual do mesmo gênero. Mas, pela primeira vez em 50 anos, na faixa etária dos 18-29 anos, a quantidade relações sexuais entre mulheres (15%) é maior do que entre homens (10%).

    Já quantidade de gays compilada pelo estudo é de apenas 2,3%. No entanto, 8% dos homens ouvidos para a pesquisa afirmam que já tiveram interesse em pessoas do mesmo sexo ao longo da vida.

    Transformações sociais

    De acordo com os pesquisadores do Inserm, vários indicadores justificam essas mudanças na sexualidade da população francesa. Primeiramente, a aceitação e a tolerância à homossexualidade e à transidentidade é maior do que nas últimas décadas. Quase 70% das francesas e mais de 56% dos franceses veem a homossexualidade como uma orientação sexual comum. O número é um pouco menor para a aceitação da transidentidade, tolerada por quase 42% das mulheres e por mais de 31% dos homens.

    No entanto, em relação especificamente às mulheres, os pesquisadores têm outras explicações para o interesse crescente das francesas heterossexuais por experiências com pessoas do mesmo sexo. O principal motivo é o movimento Mee Too, que suscitou uma imensa mobilização social contra as violências e agressões sexuais e também sensibilizou e educou as mulheres sobre consentimento.

    A pesquisa do Inserm também mostra que quase 30% das francesas de 18 a 89 anos entrevistadas declararam já terem sido forçadas a ter uma relação sexual, contra quase 16% em 2006. Esse aumento também é observado entre os homens, embora seja menor: 8,7% dos franceses ouvidos para o estudo disseram já terem sido forçados a ter uma relação sexual, contra 4,6% no balanço anterior, realizado em 2006.

    Pandemia afetou sexualidade na França

    A pandemia de Covid-19 não mexeu apenas com a saúde dos franceses, mas afetou também as relações sociais e a vida sexual dos indivíduos. Os sucessivos lockdowns tiveram um impacto na iniciação dos jovens ao sexo, elevando a média da idade da primeira relação sexual das mulheres para 18,2 anos e 17,7 anos para os homens (contra 17 anos na média de 2006).

    Em todas as faixas etárias, a quantidade de relações sexuais também diminuiu na França. Em 1992, mais de 86% das mulheres e 92% dos homens afirmavam ter tido relações sexuais ao longo do ano, mas em 2023 esse número caiu em média dez pontos tanto para as mulheres quanto para os homens.

    O fenômeno também é justificado pela “digitalização” das práticas sexuais, principalmente entre os mais jovens. Segundo o Inserm, 33% das francesas e quase 47% dos franceses tiveram uma experiência sexual online com outra pessoa em 2023. A faixa etária dos 18 aos 29 anos, por exemplo, é a que mais “normaliza” o envio de “nudes” - como são chamadas fotos das partes íntimas mandadas por aplicativos de mensagens. Quase 40% dos franceses e francesas entrevistados para o estudo já compartilharam esse tipo de conteúdo.

    A digitalização da vida sexual é muito comum entre os jovens. Entre as pessoas de menos de 30 anos aqui na França, mais de 39% das mulheres e mais de 43% dos homens já encontraram parceiros sexuais na internet, seja por meio de sites ou de aplicativos.

    Satisfação sexual aumenta

    Todas essas mudanças não parecem afetar a satisfação sexual da população francesa. Em relação ao balanço de 2006, aumentou a quantidade de mulheres francesas que afirmam estar “muito felizes” com sua vida sexual, 45,3% (contra 43,6% há oito anos). Entre os homens, no mesmo período, a satisfação sexual saltou de 35% para 39%.

    “Todo o discurso que consiste em dizer que a igualdade entre os sexos e o feminismo desestabiliza os homens em sua sexualidade e sua virilidade não é comprovada nesse estudo”, afirmou a socióloga Nathalie Bajos, diretora de pesquisa do Inserm, na apresentação do trabalho.

    Esse foi o quarto balanço do gênero realizado na França desde os anos 1970. Mais de 31 mil pessoas, com idades entre 18 e 89 anos, foram entrevistadas por telefone para a pesquisa no ano passado, em um trabalho que durou o total de cinco anos, com parceria da Agência Nacional de Pesquisa Científica (ANRS).

    Fri, 15 Nov 2024
  • 166 - Marine Le Pen se distancia de excessos de Trump; europeus adotam plano de reformas

    Os franceses reagiram à vitória de Donald Trump na eleição presidencial com pessimismo e um forte receio do enfraquecimento da democracia nos Estados Unidos, por causa da concentração de poder que o republicano terá, apoiado pela maioria conservadora na Suprema Corte, no Senado e talvez – ainda não acabou a apuração – na Câmara de Representantes. Embora defenda políticas semelhantes às de Trump, a líder de extrema direita na França, Marine Le Pen, preferiu não festejar a vitória de Trump.

    Uma pesquisa realizada naFrança já apontou que 76% dos franceses estão frustrados com o retorno de Donald Trump à Casa Branca. A desconfiança é maior entre eleitores de esquerda e jovens. Mas até a líder de extrema direita Marine Le Pen manifestou uma reação sóbria, na contracorrente de outros movimentos ultranacionalistas europeus, da Alemanha, Áustria, Hungria, Espanha, que estão eufóricos com o impulso que o governo Trump dará às políticas anti-imigração, de segurança pública e nacionalismo econômico, em oposição a questões de justiça social, racial, respeito a minorias e direitos da mulher.  

    O estilo imprevisível e radical de Trump não se alinha com a imagem mais moderada que Marine Le Penbusca projetar atualmente. Le Pen sabe que se quiser ser eleita na presidência francesa, seu partido precisa ampliar a base do eleitorado e ela ser vista como uma líder conservadora estável, capaz de jogar o jogo democrático, apesar de não enganar ninguém. 

    Trump e Le Pen têm posições semelhantes sobre imigração e protecionismo econômico. Mas em temas como o aborto, por exemplo, Marine Le Pen apoiou a inclusão do aborto na Constituição francesa. A imagem de Trump na França é muito negativa e Le Pen quer evitar ser associada aos excessos do republicano. Ela tem uma estratégia de buscar alianças mais estratégicas e evitar a polarização no cenário político nacional. 

    O partido de extrema direita francês (Reunião Nacional) elegeu um quarto dos deputados na Assembleia Nacional nas últimas eleições e eles têm procurado atuar como políticos "respeitáveis", o que os diferencia de outros movimentos de extrema direita na Europa.

    Trump chega à presidência num momento em que as duas maiores economias da União Europeia, França e Alemanha, atravessam uma crise política e econômica de contextos diferentes. 

    UE anuncia plano para enfrentar concorrência de EUA e China

    Os 27 líderes da União Europeia anunciaram na tarde desta sexta-feira (8), ao final de uma reunião de cúpula do bloco em Budapeste (Hungria), um plano de reformas inspirado em propostas do ex-primeiro ministro italiano Mario Draghi para dar impulso à economia europeia, diante das ameaças de guerra comercial de Donald Trump. O bloco sabe que é a região do mundo que mais tem a perder com as medidas protecionistas do republicano. 

    Durante a campanha, Trump anunciou que os produtos importados europeus terão de pagar tarifas extras de 10% a 20% para entrar nos Estados Unidos. 

    A presidente da Comissão Europeia, Ursula von Der Leyen, disse que irá propor “nos primeiros 100 dias” de seu novo mandato, que começa em dezembro, um pacto industrial verde para apoiar a descarbonização da indústria, medidas para reduzir o atraso europeu na área de inovação e diminuir os entraves burocráticos à atividade empresarial na Europa.

    O chanceler alemão Olaf Schoz enfatizou que o bloco "precisa se modernizar para se manter competitivo".

    Já o presidente francês Emmanuel Macron deixou a reunião antes da fotografia final de família dos 27, sem falar com a imprensa. Macron e Scholz divergem sobre a forma de financiar esses investimentos, a distribuição dos montantes por país e setor industrial, e o ritmo de mobilização dos recursos.    

    No início de setembro, o ex-premiê Mario Draghi, que também dirigiu o Banco Central Europeu, propôs investimentos de € 750 a € 800 bilhões por ano (algo em torno de R$ 4,67 a R$ 4,93 trilhões), montante superior ao do Plano Marshall americano, que apoiou a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, para enfrentar a concorrência dos EUA e da China.

    Draghi traçou um quadro sombrio e insistiu que o bloco precisava reagir, se não quisesse enfrentar um declínio econômico que condenava os europeus à agonia. No relatório, ele apontou que a renda per capita “aumentou quase o dobro nos Estados Unidos do que na Europa desde 2000”. 

    Esses investimentos elevados representam um imenso desafio para os 27 países europeus, num contexto em que adotam medidas para reduzir suas dívidas e elevados déficits públicos.

    Na declaração final do encontro, os líderes da UE reconhecem “a urgência de uma ação decisiva” para o aprofundamento do mercado comum, se comprometem com a união dos mercados de capitais, a implementação de uma política comercial que defenda os interesses europeus e a simplificação regulatória. Mas permanecem vagos em relação ao orçamento.

    Com o retorno de Trump, institutos alemães calcularam o custo das medidas protecionistas para a Alemanha. O país poderia perder até € 180 bilhões até 2028, cerca de R$ 1,1 trilhão com as sobretaxas americanas nas exportações. O PIB alemão encolheria 1,5% em relação ao seu montante atual, sendo que o país, a primeira economia europeia, enfrenta o segundo ano de recessão.

    Scholz admite antecipar as eleições 

    Na quarta-feira (6), enquanto o mundo ainda digeria a vitória de Trump, a coalizão de governo alemã, formada por social-democratas, verdes e liberais, implodiu, devido a divergências de visão sobre a melhor forma de enfrentar a crise econômica. Os social-democratas defendem a recuperação da economia por meio de gastos, enquanto os liberais pregam cortes e uma disciplina orçamentária rigorosa. 

    Em Budapeste, o chanceler Olaf Scholz disse aos colegas europeus que poderá antecipar as eleições legislativas. Ele queria ganhar tempo até março, mas uma pesquisa publicada ontem mostra que 65% dos alemães querem eleições o mais rapidamente possível, em janeiro. 

    Os conservadores da CDU, chefiados por Friedrich Merz, lideram as pesquisas para voltar ao governo e também pressionam por um retorno às urnas acelerado. As pesquisas apontam, no entanto, que eles não teriam maioria, com a extrema direita em segundo lugar nas intenções de voto.

    A tendência é a Alemanha voltar a ter uma grande coalizão entre conservadores, social-democratas e talvez ainda precisar dos verdes ou dos liberais, mas esses últimos não têm garantia de serem eleitos no futuro Parlamento. O líder da CDU já descartou governar com o partido de extrema direita AfD. 

    Essa reviravolta no cenário político na Alemanha acontece num momento em que a França continua sujeita a uma uma nova dissolução do Parlamento no ano que vem. A turbulência na União Europeia tende a durar um bom tempo.

    Fri, 08 Nov 2024
  • 165 - Franceses revelam perda de confiança na democracia

    Uma pesquisa recém-publicada em Paris mostra uma desconfiança crescente dos franceses em relação ao sistema democrático da maneira como ele tem funcionado na França. O barômetro anual do Conselho Econômico, Social e Ambiental (Cese) sobre as preocupações da população revelou um distanciamento muito grande entre o debate político no país e os reais interesses dos franceses.

    O Conselho Econômico, Social e Ambiental é visto como uma terceira assembleia da República francesa, uma engrenagem essencial da democracia no país. O organismo elabora orientações de políticas públicas e avalia seus resultados para o governo e o Parlamento.

    Em seu barômetro de 2024, o Cese mostra que quase um quarto dos franceses (23%) não estão mais convencidos de que a democracia seja o melhor sistema político. A metade da população (51%) acredita que só um poder forte e centralizado – um eufemismo para o exercício autoritário do poder – pode garantir a ordem e a segurança.

    Duzentos e trinta e cinco anos depois da Revolução Francesa (1789), que instituiu a democracia, 15% dos franceses disseram que não iriam à rua para defender esse sistema político se suas liberdades estivessem ameaçadas. Essa quebra de confiança na democracia se manifesta principalmente entre as pessoas que se sentem mais injustiçadas socialmente.

    O estudo do Cese, aplicado pelo instituto Ipsos, aponta um fosso entre as preocupações manifestadas pela população e a ação política. Em 2024, os franceses estão preocupados, pela ordem, com a própria saúde e de familiares – tema citado por 40% dos entrevistados –, o poder aquisitivo (34%), que aparecia em primeiro lugar no ano passado, e a situação econômica e financeira do país (28%).

    Imigração é preocupação menor

    O paradoxo é que há anos, o debate político foi reduzido às questões de segurança pública e imigração, que aparecem em sétimo e décimo lugar entre as preocupações dos franceses. O eleitor é bombardeado com uma retórica conservadora, anti-imigração, quando o que causa angústia é a falta de médicos e enfermeiros nos hospitais, os salários achatados e o aumento das desigualdades. A maioria dos franceses não atribui esses problemas à imigração.

    Segundo a pesquisa, embora a maioria tenha apreço pela democracia, a alienação dos políticos em relação às expectativas das pessoas enfraquece a confiança, principalmente entre aqueles que se sentem lesados.

    A França é um país que tem políticas públicas generosas na área social, mas o sistema é ineficiente e não dá mais conta de atenuar as desigualdades. O país gasta proporcionalmente mais que vizinhos como Espanha e Alemanha em programas sociais, saúde e educação e se tornou incapaz de amortecer as desigualdades. Quase a metade dos franceses, 45% da população, considera viver atualmente em uma situação financeira "incômoda".

    Custo de vida alto mina confiança dos franceses no futuro

    O custo de vida insuportavelmente alto é mais angustiante nos territórios franceses fora da Europa e nas zonas rurais no continente, mas até na região parisiense, que é o pulmão econômico do país, 55% das pessoas dizem ganhar o suficiente apenas para pagar as contas no fim do mês. Esse aprofundamento das desigualdades é um veneno para a estabilidade de uma democracia.

    Existe um tremendo déficit de moradia e os políticos, governo após governo, fogem de uma reforma profunda nesse setor. Quando o aluguel consome o salário, o cidadão mora mal e vê profissões essenciais perderem a atratividade por serem mal remuneradas, como na educação, saúde e agricultura. Os prejudicados têm a impressão de que o sistema em vigor não consegue mais proteger a população.

    É nesse caldo de dificuldades do cotidiano e no descaso dos políticos em relação à realidade que muitos franceses se perguntam se votar ainda tem alguma utilidade.

    Sugestões para revitalizar democracia francesa

    A primeira sugestão dos entrevistados para "modernizar" a democracia francesa foi que os políticos ouçam e levem em consideração as preocupações das pessoas (24% das respostas). Mais do que modificar as regras eleitorais (11%) – tema que está em discussão para a próxima eleição presidencial –, os franceses preferem melhorias na governança e no funcionamento das instituições (16%) e um uso mais frequente de ferramentas de democracia participativa.

    Na Europa, a Suíça é vista como um modelo de democracia direta por seu sistema de referendos. A Áustria também usa esse instrumento, de tempos em tempos, para questões sociais e políticas, e a Itália para questões constitucionais. Essa é uma demanda antiga dos franceses.  

    O "Grande Debate Nacional " convocado pelo presidente Emmanuel Macron para encerrar a crise dos coletes amarelos, em 2019, é um exemplo de proximidade a ser buscada pelos políticos. Na época, o governo recolheu 2 milhões de propostas. As discussões geraram a Convenção Cidadã para o Clima, mas 90% das propostas foram rejeitadas pelo presidente. É essa relação que está em pane.

    Em relação a alguns assuntos, bastaria o Parlamento ouvir a vontade da maioria da população e evitar o debate ideológico que o sentimento de estar numa democracia seria devolvido aos franceses. O caso da eutanásia e do suicídio assistido é um deles.

    Eutanásia

    Desde 2016, quando a França aprovou a primeira lei sobre o fim da vida, a maioria de franceses já ansiava pela liberdade de decidir sobre a morte diante de doenças irreversíveis, terminais ou de intenso sofrimento para os pacientes.

    O projeto de lei só chegou ao Parlamento em 2024, mas depois, com a dissolução da Assembleia, em junho, a votação ainda não foi retomada pelo novo plenário e a composição, agora, é mais conservadora, de direita, o que pode implicar emendas ao projeto original.

    Há anos existe um consenso na sociedade sobre essa liberdade de escolha: 84% dos franceses são favoráveis à eutanásia e 67% ao suicídio assistido. É um caso típico de projeto que já poderia ter sido aprovado, se o Parlamento estivesse a serviço do interesse da população.

    Fri, 25 Oct 2024
  • 164 - Mortes de brasileira e ciclista francês mostram que parisienses estão mais agressivos ao volante

    As mortes trágicas de Fernanda Lind, influenciadora digital brasileira de 31 anos, e do ciclista francês Paul Varry, 27 anos, ambos atropelados nesta semana, na região parisiense, por motoristas que desrespeitaram as regras do trânsito provocam um amplo debate no país. Estudos têm demonstrado que os franceses estão mais agressivos ao volante. 

    A percepção de que a agressividade no trânsito em Paris piorou é compartilhada por franceses e estrangeiros que residem há algum tempo no país. A influencer brasileira Fernanda Carolina Lind Silva foi atropelada quando atravessava uma faixa de pedestres, às 9h de quarta-feira (16), em uma área nobre dos subúrbios da capital. Com o forte impacto do carro, ela sofreu um grave traumatismo craniano e teve morte cerebral declarada algumas horas depois de ser socorrida.

    O outro acidente foi de uma violência raramente vista na capital francesa. Na véspera da morte da brasileira, um motorista de 52 anos, dirigindo um SUV Mercedes-Benz, com a filha de 16 anos no carro, invadiu uma ciclofaixa nas proximidades da igreja Madeleine, em Paris, para "escapar do trânsito", segundo declarou à polícia, pois “estava atrasado para levar a filha ao médico”. Ao invadir a faixa reservada às bicicletas, o motorista apressado passou com o carro em cima do pé de um ciclista militante. Os dois tiveram um bate-boca e na hora de ir embora, o motorista atropelou intencionalmente o rapaz de 27 anos, que morreu de parada cardíaca no local.   

    Na tarde desta sexta-feira (18), este motorista foi indiciado por homicídio doloso, ou seja, assassinato, e deverá permanecer em prisão preventiva até seu julgamento.

    A disputa por prioridade no trânsito piorou com a instalação de ciclovias em Paris. Por falta de espaço, as ciclofaixas predominam e muitas são de mão dupla, às vezes nas duas margens de uma via pública, obrigando motoristas e ciclistas a uma coexistência que se tornou uma guerra permanente.

    Existem placas de sinalização, mas das duas partes existem abusos: ciclistas que não respeitam as regras, invadem faixas de circulação de carros – por se sentirem "mais éticos" e preocupados em não agravar a crise climática – e motoristas que descontam nos pedestres e ciclistas o aumento do trânsito pela redução das faixas de circulação.

    Desafio para municipalidades

    É um desafio para as cidades enfrentar essa fase de adaptação. Como na região parisiense o trânsito é bastante denso, os motoristas estão cada vez mais irritados.

    Com a repercussão das mortes da brasileira e do ciclista, o psicólogo e pesquisador Jean-Pascal Assailly, membro do comitê de especialistas do Conselho Nacional de Segurança Viária, confirmou que existe uma correlação entre densidade de tráfego e agressividade do motorista.

    Em países como Holanda, Dinamarca, Alemanha ou Suécia, com mais experiência na integração de ciclovias, a fluidez é maior e há menos acidentes letais. Nesses países, a questão do respeito às leis também é mais consensual na sociedade. Estudos de dez anos atrás já mostravam que franceses e italianos eram mais agressivos no trânsito do que motoristas suecos, alemães, ingleses e espanhóis.

    O especialista francês do Conselho Nacional de Segurança Viária diz que o comportamento do motorista piorou na França com as comodidades dos carros novos. Segundo ele, o carro se tornou um objeto tão confortável, "com telas para ver filmes, ouvir música, que o motorista se isola do exterior e perde a noção da velocidade". Alguns motoristas simplesmente "esquecem" a existência do outro na rua.

    Na França, os homens estão na origem de 75% dos acidentes. Dos 25% de acidentes causados ​​por mulheres, nenhum envolve agressão, do tipo bater o carro intencionalmente em alguém para ferir ou matar, como aconteceu com o ciclista em Paris.

    Morte de brasileira tem forte repercussão

    O jornal Le Parisien, que tem edições locais para diferentes subúrbios de Paris, presta uma homenagem à brasileira, nesta sexta-feira, na capa do suplemento vendido na área onde ela morreu.

    O jornal entrevista o marido dela, Pedro Angelo Abatayguara Rosal, que conta a vida do casal desde que se mudaram para a França em 2018, para fazer mestrado. A manchete diz que ‘Fernanda teve a vida arruinada’ (La vie fauchée de Fernanda) no momento mais feliz da trajetória do casal. Os dois, muito bem empregados, tinham acabado de comprar um apartamento em Saint-Cloud, ao lado de um hipódromo que tem pista de corrida e ciclovia demarcadas. Fernanda foi atropelada numa faixa de pedestres de um cruzamento sem farol, por imprudência do motorista, que também é investigado por homicídio.

    Mas o que mais surpreendeu a imprensa francesa foi a generosidade da família em relação à doação de órgãos. Neste mês de outubro, há 21.866 pacientes inscritos na lista de espera de transplantes em todo o país e desse total, 11.422 são pessoas prontas para receber um órgão assim que o doador compatível aparecer.

    Doação de órgãos marca pela generosidade

    Tanto o marido quanto a irmã de Fernanda, Aline, disseram que os órgãos doados pela influencer – coração, fígado, pâncreas, córnea e rins – foram transplantados, dando a várias pessoas a chance de continuar vivendo.

    Para um transplante de rim, o de maior demanda, há mais de 3.300 pessoas na fila, sendo que é o que parentes podem doar com mais facilidade, por compatibilidade genética. Para um coração, a espera média é de quatro meses.

    Os médicos apontam um paradoxo: cerca de 80% dos franceses afirmam ser a favor da doação de órgãos, mas menos da metade comunicam essa decisão à família. Embora todas as pessoas sejam doadoras potenciais, a menos que tenham deixado registrado a recusa em doar no cadastro nacional de doações, os médicos sempre confirmam a vontade com os familiares. No caso da brasileira, o marido e a família dela confirmaram esse desejo.

    Em 2023, havia 36% de franceses que registraram oficialmente a recusa em doar. Os principais motivos de resistência alegados são a desconfiança nos médicos, o receio de que os órgãos sejam usados para pesquisa, e não para salvar a vida de alguém, e crenças religiosas. O Ministério da Saúde reconhece que ainda é preciso trabalhar o assunto em campanhas de sensibilização.

    Por essas razões, a morte de Fernanda Lind marca os franceses e brasileiros que a seguiam no perfil @parislowcost no Instagram, onde dava dicas de turismo na capital francesa: um exemplo de generosidade e amor pelo país de adoção.

    Fri, 18 Oct 2024
  • 163 - Exposição precoce à violência sexual e de gênero impacta saúde mental de meninas francesas

    As autoridades francesas se mobilizam neste Dia Internacional da Menina, celebrado nesta sexta-feira (11), um dia depois do Dia Internacional da Saúde Mental, para sensibilizar a sociedade a respeito de uma injustiça persistente. As adolescentes francesas têm desenvolvido transtornos psíquicos mais cedo do que os meninos, por ficarem expostas à violência sexual e de gênero em idades mais precoces do que eles, acumulando um duplo prejuízo para sua saúde mental.

    Na França, as meninas têm a chance de não precisar trabalhar. Todas vão à escola pelo menos até os 16 anos. O ensino é obrigatório, gratuito e em período integral, independentemente da situação econômica da família, o que já é uma vantagem em relação a muitos países.

    O problema, na atualidade, é que as atividades nas redes sociais passaram a interferir demasiadamente no desenvolvimento das crianças e adolescentes, e a questão da sexualização das meninas na internet tem tirado o sossego de muitas jovens francesas.

    Em entrevistas ou entre amigas, elas reclamam que as fotos do cotidiano que postam nas redes sociais, inteiramente vestidas, no caminho da escola ou fazendo alguma atividade que nada tem a ver com a sexualidade, acabam recebendo comentários de natureza sexual.  

    Na era do smartphone acessível a crianças, o assédio às meninas foi banalizado. Desde novinhas, elas ficam sujeitas ao bullying, muitas vezes ligado à aparência física, a pedidos de nudes e a chantagens de colegas expostos à pornografia. Algumas mais vulneráveis são identificadas por criminosos que as induzem à prostituição. Esse contexto inadequado a um desenvolvimento sadio tem tido impacto na estruturação psíquica das adolescentes francesas. Algumas conseguem se proteger saindo das redes – e elas são cada vez mais numerosas. Mas isso pode levar a um isolamento igualmente prejudicial.

    O ministério da Saúde francês lançou nessa quinta-feira (10) uma campanha preventiva de saúde mental focada nas meninas. Os casos de depressão, ansiedade, transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, e automutilação têm aumentado entre meninas. Esses transtornos podem evoluir na idade adulta, se não forem diagnosticados e tratados corretamente. Na campanha, o site da Seguridade Social fala explicitamente dos riscos ligados à exposição a agressões sexuais na infância. 

    Automutilação e pensamentos suicidas em alta

    O boletim mensal da agência nacional de Saúde que registra as passagens em pronto-socorro psiquiátrico e os chamados de atendimento de urgência a domicílio confirma essa tendência. O levantamento de setembro, divulgado ontem, mostra que o número de consultas de adolescentes de 11 a 17 anos, que procuraram o pronto-socorro por automutilação e pensamentos suicidas, aumentou 70% em relação ao mesmo período em 2021, 2022 e 2023.

    Em comparação com o mês de agosto de 2024, houve 101% de aumento nas consultas por pensamentos suicidas. Um relatório publicado em maio já tinha alertado que as hospitalizações de meninas francesas com idades de 10 a 19 anos, seja por automutilação ou tentativa de suicídio, estava alcançando níveis muito preocupantes. 

    Atendimento para adolescentes

    O primeiro-ministro Michel Barnier anunciou no final de setembro que queria fazer da saúde mental a "grande causa nacional" de 2025. Em discurso nesta quinta-feira na Assembleia dos Deputados, Barnier informou que pretende dobrar nos próximos três anos o número de Casas dos Adolescentes, uma estrutura multidisciplinar onde os jovens e suas famílias podem consultar um psiquiatra para uma avaliação gratuita e, em seguida, serem encaminhados para o atendimento adequado.

    Essas unidades ficam perto ou dentro de hospitais da rede pública. Já existem 125 estruturas desse tipo em todo o país, 13 apenas na região parisiense. Barnier disse que era preciso "acabar com a estigmatização do transtorno mental".

    Cerca de 13% dos franceses de 6 a 11 anos sofrem de algum tipo de transtorno mental, meninos ou meninas, e muitos deles não são tratados. A ministra da Saúde anunciou um programa de diagnóstico precoce para crianças. Os professores do ensino fundamental serão formados para detectar os sinais o mais cedo possível.

    Fri, 11 Oct 2024
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