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Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
- 369 - Pesquisadora defende capoeira como instrumento de inclusão para crianças de abrigos na França
Patrícia Pereira dos Santos é formada em Educação Física com especialização em Psicologia Social. Sua tese de doutorado, que ela acaba de defender na Universidade de Rennes, no noroeste francês, se debruça sobre os instrumentos que a capoeira de Angola oferece para ressocializar e interagir com crianças e jovens de abrigos na França.
"Fiz um mestrado no Brasil e, após concluir, criei minha própria associação, a Capoeira Angola BREIZH Îlienne", conta Patrícia Santos. Desde então, tenho trabalhado com a capoeira de Angola em diversos setores educacionais na França, incluindo escolas, abrigos e até com pessoas com deficiência. "Decidi continuar minha trajetória acadêmica e me inscrevi em um doutorado em um tema relacionado na Universidade de Rennes", conta.
Em paralelo, a educadora iniciou um projeto de parceria entre a universidade e uma instituição de acolhimento para crianças e adolescentes da cidade onde mora, Pornic, município costeiro no noroeste da França. "O objetivo é desenvolver um trabalho com a Capoeira de Angola dentro dessa instituição", afirma Santos.
"Atualmente, concluí uma especialização em psicologia social, que será a base teórica da minha tese. Para isso, pretendo utilizar o modelo de Kurt Lewin, que aborda a dinâmica de grupo e a mudança de comportamento das pessoas. A ideia é explorar como mudanças podem ser facilitadas de forma mais lúdica e positiva quando aplicadas a um grupo, em vez de focar no indivíduo isoladamente", explica a pesquisadora.
"Minha proposta é levar a capoeira de Angola para dentro dessa instituição, validando-a como uma ferramenta educacional e socioemocional", explica. "A intenção é demonstrar como a capoeira pode atuar de forma benéfica no desenvolvimento comportamental das crianças e adolescentes participantes, promovendo um impacto positivo em suas vidas", sublinha Santos.
Capoeira como inclusão
A capoeira, de forma geral, é uma poderosa ferramenta de inclusão social, segundo a educadora e capoeirista brasileira. "Um breve contexto histórico já revela seu potencial para promover a socialização, seja por meio do movimento corporal, das técnicas morais, ou da musicalidade. Na capoeira, temos diversos instrumentos a serem aprendidos, e quando uma pessoa começa a tocar e ouvir esses instrumentos, ela também precisa desenvolver a habilidade de escutar o outro. Isso implica em aprender a silenciar para ouvir, o que é um grande desafio, especialmente para crianças e adolescentes que vivem em abrigos", afirma.
Essas crianças geralmente apresentam comportamentos antissociais e têm uma intensidade emocional muito elevada. A capoeira Angola, nesse contexto, atua como uma ferramenta educacional que, por meio dos seus movimentos, da sua história, da sua cultura e, principalmente, da sua musicalidade, ajuda a transformar esses comportamentos. Ela promove a escuta, o respeito e o autocontrole, incentivando também a prática de olhar para si mesmo e para o outro com empatia. Com o tempo, isso nos permite trabalhar profundamente o desenvolvimento da empatia e de outras competências socioemocionais essenciais para a convivência social.
Retorno "gratificante" e desafios
"A pesquisa de campo relacionada à minha tese durou oficialmente um ano e meio", conta Santos. "No entanto, continuamos o trabalho com essas crianças, já que sou presidente da associação de capoeira, e seguimos com o projeto por mais dois a três anos. Muitos dos jovens atendidos se inscreveram na associação para continuar praticando capoeira, mesmo após saírem do abrigo. Hoje, muitos deles são adultos, têm suas próprias casas e suas próprias vidas. Ainda mantenho contato com alguns deles, especialmente com aqueles que, na época, tinham entre sete e oito anos, e hoje têm cerca de 15 anos", explica.
"O feedback que recebo é muito gratificante. Mesmo aqueles que não seguiram praticando capoeira afirmam que a experiência mudou suas vidas. Eles mencionam que aprenderam a se expressar melhor, a dialogar com mais alegria e descobriram que há diversas maneiras de enfrentar desafios", destaca Patrícia Pereira dos Santos.
"Por exemplo, se alguém não era tão bom em fazer certos movimentos, podia encontrar sua habilidade em tocar um instrumento como o berimbau. Assim, eles perceberam que não precisam se sentir inferiores por não serem excelentes em uma área, pois sempre há outras formas de se destacar", afirma Santos.
"O objetivo do nosso trabalho nunca foi transformá-los em capoeiristas, mas sim mostrar que, assim como na capoeira, onde há várias saídas e alternativas para o jogo, para aprender instrumentos e canções diferentes, a vida também oferece múltiplos caminhos", detalha. "Se algo não dá certo em um momento, sempre há outra forma ou direção que pode funcionar. Esse ensinamento foi essencial para muitos deles, ajudando-os a encontrar novas perspectivas e soluções na vida cotidiana", conclui a pesquisadora brasileira.
Wed, 20 Nov 2024 - 368 - Jornalista brasileira tenta desconstruir clichês sobre franceses no livro “Entrelinhas de Paris”
“Entrelinhas de Paris” é o título do livro que a jornalista brasileira Luciana Marques acaba de lançar, em português, pela editora Ases. A obra de minicrônicas é uma mistura de guia de viagem, manual de francês e da cultura francesa, descrição de hábitos parisienses e as impressões de uma brasileira sobre isso tudo.
Luciana Marques morou em Paris durante seis meses para um intercâmbio na Universidade Sorbonne Nouvelle. Na época, começou a anotar no bloco de notas do telefone celular, principalmente durante os trajetos no metrô, suas impressões sobre a cidade e os parisienses. “Depois, eu fui vendo que aquilo realmente tinha um conteúdo que poderia virar um livro futuramente”, conta.
Antes de virar livro, a jornalista apresentou as anotações e informações sobre o que viu e ouviu “de curioso, de choque cultural também” como projeto final do curso de Línguas Estrangeiras Aplicadas ao Multilinguismo e à Sociedade de Informação da Universidade de Brasília. Depois, atualizou e organizou essa visão de “uma brasileira olhando a cidade” no livro “Entrelinhas Paris: microcrônicas desconstruídas e descontraídas da capital francesa”, lançado em outubro.
A obra tem sete capítulos, com títulos bilingues francês-português, que podem ser lidos independentemente e fora da ordem. O título é bem bolado, com múltiplos sentidos. “É entrelinhas porque eu escrevi entre uma linha e outra do metrô e também entre uma linha e outra desse livro que é um formato um pouco diferenciado” diz.
Ela explica que as frases que compõe o texto foram escritas “como se fossem tuítes, mas são encadeadas. Então, você lê o livro corrido, mas cada frase é uma minicrônica”, detalha afirmando que “Entrelinhas” é uma obra “bem debochada, bem irônica”. As ilustrações do livro, assinadas por Jane Carmen Oliveira, reforçam essa ironia.
Paris romântica e franceses mal-humorados
Paris seria a capital do romantismo, do luxo, da culinária, e os e as parisienses seriam chiques, mas mal-humorados. Esses são apenas alguns dos clichês associados à capital da França que Luciana Marques tenta desconstruir no livro para mostrar e “entender essa riqueza da cultura, que realmente vai além do que a gente vê no dia a dia”.
O texto é repleto de anedotas que confirmam estereótipos, mas revelam outras facetas dos parisienses. Ela lembra que uma vez chegou a uma loja que estava fechando e o vendedor se recusou a atendê-la, porque não podia perder tempo para ir ler um livro na pracinha. “Isso no Brasil seria muito difícil de a gente encontrar, uma pessoa que prefere não vender para aproveitar a vida. A gente aprende muito com esse espírito francês, também de bon vivant, do ‘bobô’ (burguês-boêmio) parisiense”, acredita.
O gênero de “Entrelinhas” é difícil de definir. O livro é uma mistura de manual de língua e de cultura, um guia de viagem e um relato de viagem. “Eu defini como minicrônicas exatamente pelo fato de ter essa linguagem do dia a dia, do cotidiano”, indica.
Tue, 19 Nov 2024 - 367 - Sonia Rubinsky conquista franceses com novo álbum 'Goldfingers', homenagem à 'era de ouro' do piano
Ela é conhecida mundialmente como "Madame Villa-Lobos", mas acabou de ganhar na França, com o lançamento do seu novo CD, "Goldfingers", uma epígrafe ainda mais impressionante: "la grande dame du piano", a "grande dama do piano". Um grande elogio quando se trata de uma pianista brasileira radicada na França, Sonia Rubinsky. Ela conversou com a RFI sobre seu novo álbum, "Goldfingers", que acaba de lançar no país, e já disponível em streaming para amantes do piano de todo o mundo.
Para ver a entrevista na íntegra, clique na foto principal da matéria
"Goldfingers", considerado pelo jornal francês Libération como uma "grande aula de piano", remete a uma era de ouro do instrumento. "Eu tive essa inspiração de chamar o CD de "Goldfingers". E confesso que brinquei um pouco com as palavras por causa da referência ao título homônimo do cinema [uma referência a "Goldfinger", série do agente 007 estrelado em 1964 por Sean Connery]. Mas, no fundo, é uma reverência aos grandes nomes da história do piano que tocaram profundamente o meu coração quando eu era uma jovem pianista, fazendo meu coração bater mais forte e que continuam me inspirando até hoje", explica a pianista brasileira Sonia Rubinsky, radicada na França.
"Esses nomes como Horowitz, Rubinstein, que eu tive a honra de ouvir ao vivo, ou por gravações, tinham algo de especial. Eles conseguiam criar uma magia com as notas que ia além da música em si, sempre com muita elegância, estilo e um grande virtuosismo", analisa.
Além de um álbum que celebra grandes intérpretes, "Goldfingers" também convoca grandes compositores. "Exatamente", concorda Rubinsky. "Naquela época, muitos dos grandes pianistas também eram grandes compositores. O maior exemplo, que todos conhecem, é Rachmaninoff, que não só era um compositor genial, mas também um pianista absolutamente magnífico", lembra.
"Magia"
"Hoje em dia, essa tradição de ser um pianista-compositor, ou até mesmo um pianista que improvisa, se perdeu um pouco. Nos tornamos mais compartimentalizados. Mas isso não significa que precisamos perder essa vontade de criar magia quando estamos diante do público", analisa a intérprete.
Sobre sua relação com a França, a pianista afirma que gravou "[Georges] Bizet, incluindo as 'Variações de Carmen', que é uma transcrição de Horowitz sobre os temas da ópera homônima". Ela admite que o repertório francês influenciou seu trabalho e sua relação com a música, no trânsito entre o Brasil e a França. "Sem dúvida. Existem certos compositores que são essenciais para ampliar sua paleta de cores e emoções ao piano. É impossível, por exemplo, não passar por Debussy. Ele trouxe uma estética extremamente rica, sofisticada e que trata a música como uma matéria viva, o que ressoa muito comigo, especialmente quando penso na arte da interpretação", afirma.
Sobre o apreço da pianista brasileira pela música contemporânea para piano, como foco no francês Olivier Messiaen, mas também em compositores brasileiros, como José Antônio Rezende de Almeida Prado, Rubinsky diz que "Almeida Prado, que também estudou aqui na França com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen, conseguiu desenvolver uma linguagem muito pessoal e eclética".
Almeida Prado e o "pianismo brasileiro"
"Quando você ouve uma obra de Almeida Prado, sua autoria é inconfundível. E são poucos os compositores modernos que têm essa qualidade única. Villa-Lobos também tem essa marca registrada, mesmo com a enorme diversidade de estilos que ele abordou. Há um lirismo profundo tanto em Almeida Prado quanto em Villa-Lobos, que é algo que eu valorizo muito.
Sonia Rubinsky concorda que não seria exagero dizer que o Brasil tem uma tradição de excelentes pianistas e intérpretes. "Podemos afirmar isso com certeza. Houve um período, há uns 30, 40 ou 50 anos, em que se falava muito em 'pianismo brasileiro'. Isso começou com a formação de uma escola de piano que teve como alunas figuras notáveis como Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro. Essa tradição de pianismo brasileiro é muito rica e tem influenciado gerações de pianistas até hoje", conclui Rubinsky.
Fri, 15 Nov 2024 - 366 - Cantora de jazz francesa Manu Le Prince lança CD em homenagem a Johnny Alf, pioneiro da bossa nova
Depois de um tributo ao genial saxofonista americano Wayne Shorter, Manu Le Prince decidiu reeditar um CD em homenagem ao músico brasileiro Johnny Alf, um dos pioneiros da bossa nova. No próximo domingo (17), a embaixadora do jazz latino na França faz um show na Casa Som de la Terre, em Paris, para lançar "Bossa Jazz Forever-Love to Johnny Alf".
"Bossa Jazz Forever-Love to Johnny Alf", gravado integralmente no Rio de Janeiro, foi lançado inicialmente em 2013, três anos depois da morte do músico, cantor e pianista brasileiro. O CD é reeditado onze anos depois pela “Frémeaux & Associés”, que é a gravadora de Manu Le Prince desde o disco “Children of the Night”; um tributo a Wayne Shorter.
“A minha gravadora gostou desse projeto e quis relançar esse trabalho, gravado totalmente no Brasil e que na época foi lançado por uma gravadora pequena. Uma coisa bem legal e eu tenho muito orgulho de poder ter feito esse disco”, conta Manu Le Prince.
A gravação de Bossa Jazz Forever contou com a participação notável do francês Idriss Boudrioua, saxofonista e arranjador de Johnny Alf, radicado no Brasil há mais de 35 anos. “Ele ficou apaixonado pelo Brasil com eu”, compara a cantora, que descobriu a música brasileira nos anos 1980. “Me deu essa vontade de misturar o jazz com a música do Brasil. Faz muitos anos que eu estou fazendo isso”, lembra.
“Genialf”
O repertório de Johnny Alf é perfeito para esse projeto musical de Manu Le Prince. “Eu achei a música do Johnny maravilhosa, muito interessante, com swing, porque é uma bossa nova bem jazzística que ele escreveu e criou”, garante a cantora.
Todas as dez faixas de Bossa Jazz Forever, interpretadas por Manu Le Prince, são de autoria de Alf, que foi um dos pioneiros da Bossa Nova e influenciou grandes nomes da MPB, como Tom Jobim. Alf não reconhecia fronteiras entre jazz, samba e bossa nova. Jobim, aliás, criou até um adjetivo “genialf” para definir a obra do pianista. “Genialf é lindo, né?”, concorda.
Entre as músicas que compõem o CD estão grandes clássicos e sucessos como “Eu e a Brisa” e “Rapaz de Bem”. No entanto, Johnny Alf (1929-2010) morreu desconhecido do público e sem o devido reconhecimento pela sua contribuição à música brasileira. Manu Le Prince espera com a reedição de “Bossa Jaz Forever” contribuir para a promoção, na França e na Europa, da vida e da obra desse músico “talentoso que era uma pessoa muito particular, muito maravilhosa e muito diferente nesse aspecto da bossa nova”.
O próximo show de Manu Le Prince interpretando o CD "Bossa Jazz Forever-Love to Johnny Alf" acontece em Paris, no dia 17 de novembro, no Som de la Terre. Mas a cantora de jazz já tem novas datas para a apresentação do CDno Brasil, em fevereiro e março de 2025, com shows em Penedo, Paraty e Rio de Janeiro, entre outras cidades.
Clique na foto para ver a entrevista na íntegra.
Thu, 14 Nov 2024 - 365 - “Tenho esperança de que será um diálogo positivo”, diz Celso Amorim sobre futuro das relações do Brasil com Trump
A vitória incontestável de Donald Trump nas eleições americanas vai garantir certa tranquilidade ao republicano, seu pragmatismo pode ter impacto positivo no cenário global e as relações do Brasil tendem a ser positivas. A avaliação é a do assessor especial da presidência do Brasil, Celso Amorim, na véspera de sua participação na mesa redonda ”Rumo a uma virada história? Qual o impacto das eleições americanas no mundo”, na programação da 7ª edição do Fórum da Paz, em Paris.
Durante dois dias, a partir desta segunda-feira (11), líderes e personalidades vão se reunir no Fórum para debater em torno do tema “Na busca de uma ordem mundial que funcione”.
A volta de Trump à Casa Branca com suas promessas de uma agenda protecionista na economia, conservadorismo nos costumes e possíveis recuos nos compromissos contra as mudanças climáticas, vão estar no foco das preocupações e análises.
“A própria incontestabilidade, digamos, da vitória, vai deixar o presidente Trump mais tranquilo em relação a muitos pontos. Eu acho que existe nele uma certa dose de pragmatismo, que você poderia dizer que é muito ideológica. Mas talvez, com o tempo, ele tenha chegado à conclusão de que, para que os Estados Unidos ou a América seja grande, é preciso que o mundo todo cresça”, disse Amorim.
Citando as boas relações do governo Lula com o republicano George W. Bush no passado, o ex-chanceler prevê um diálogo “positivo” entre Brasília e Washington também a partir de janeiro, quando Trump assume a Casa Branca. “Eu tenho a esperança de que vai ser um diálogo positivo. Em geral, nos republicanos, mas especialmente no Trump, eu vejo um certo pragmatismo que pode soar até como egoísmo à primeira vista, mas que, na prática, pode resultar num certo equilíbrio mundial”, disse Amorim em entrevista à RFI.
Durante a campanha presidencial, Trump voltou a prometer uma nova retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, medida adotada em seu primeiro mandato, o que gera muita preocupação nos esforços de combate às mudanças climáticas. No entanto, o assessor da presidência do governo Lula avalia que o republicano poderá rever algumas de suas posições, mas será preciso capacidade de “diálogo”.
“As colocações prévias são mais fortes do que a realidade. Eu acho que a preservação do planeta é fundamental e o presidente Trump vai também chegar a essa conclusão, inclusive porque grande parte dos Estados Unidos também sofre com a poluição. Evidentemente, como todo mundo, você não pode isolar um país. Eu acho que com jeito e com capacidade de diálogo, claro, o precedente é preocupante, a retirada do acordo de Paris, mas vamos trabalhar, dialogar da melhor forma que for”, declarou.
“Eu acho que pode haver descoberta do interesse mútuo, não é porque há inclusive ganhos econômicos em um mundo que seja ambientalmente mais amigável”, acrescentou.
Relação com a Venezuela não será de “beijos e abraços”
Na entrevista à RFI, Celso Amorim também comentou sobre as tensões com a Venezuela, mencionando a preocupação brasileira com uma “eleição justa e transparente” no país vizinho. A falta de distribuição das atas pelo Conselho Eleitoral levou o Brasil a não reconhecer o resultado formal da eleição.
Ele espera que “o pragmatismo prevaleça sobre visões ideológicas”, reforçando que, apesar das discordâncias, o Brasil manterá relações de Estado com a Venezuela, dada sua importância estratégica na América do Sul.
“Nós claramente queríamos que houvesse uma eleição justa e transparente. Infelizmente não houve a distribuição das atas, a revelação das atas pelo conselho eleitoral. E isso fez com que a gente não desse um reconhecimento formal à eleição. Mas o Brasil vai ter uma relação de Estado a Estado. Vamos ter uma relação, talvez que não seja de beijos e abraços, mas será de interesse mútuo. Nós temos muita preocupação com a região. Temos uma grande preocupação com a integração sul-americana. E é muito difícil você imaginar uma integração sul-americana sem a Venezuela”, destacou.
Sobre a iniciativa do presidente da Assembleia da Venezuela, Jorge Rodríguez, que acusou Amorim de ser “mensageiro dos Estados Unidos”, e que pretende pedir ao Parlamento do país declarar o assessor especial do governo Lula persona non grata no país, ele respondeu: “Eu acho que essas coisas são feitas na emoção e são feitas, às vezes internamente, mas não vou entrar em uma análise profunda porque não acho que caiba. Mas eu sinceramente, não tomo isso pessoalmente e acho que, se não for eu, irá outra pessoa em algum momento. Nós temos uma embaixadora lá muito boa, muito competente, e enfrentando uma situação difícil", diz, em referência à embaixadora Glivânia Maria de Oliveira.
Para Amorim, o interesse mútuo entre os dois países acabará prevalecendo. "Eu acho que o Brasil é um país que pode ajudar a Venezuela. Eu acho que [os dois países] têm que se entender, cada um cuidando de seu interesse, normalmente, sem imposições de espécie alguma, mas também reconhecendo os fatos. Então é dessa maneira que nós queremos continuar no relacionamento”, afirmou.
Sun, 10 Nov 2024 - 364 - COP29: para negociador brasileiro, vantagens da economia verde compensarão ‘efeito Trump’ na conferência
A 29ª Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas começa nesta segunda-feira em Baku, no Azerbaijão, sob a sombra do retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Mas para o Brasil, país anfitrião da conferência de 2025, em Belém, o momento é de não deixar o desânimo tomar conta dos 196 países participantes.
Lúcia Müzell, da RFI em Paris
“O setor privado americano está sempre atento a áreas nas quais ele pode ter vantagens, inclusive no combate à mudança do clima. Esse lado econômico, eu acho, nos reserva provavelmente boas surpresas”, disse o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, André Corrêa do Lago, em entrevista à RFI. “E não podemos esquecer que o Donald Trump é apoiado pelo Elon Musk, o grande empresário americano de carros elétricos.”
Em meio a negociações diplomáticas bloqueadas sobre o financiamento climático que deve ser implementado a partir de 2026, a COP29 deve finalmente entregar a regulamentação, sob a supervisão da ONU, de um mercado internacional de créditos de carbono. O mecanismo permitirá que empresas e países que não atingiram as suas metas de redução de emissões adquiram créditos de CO2 daqueles que promovam cortes superiores aos seus objetivos – graças a iniciativas como o fechamento de uma usina a carvão, a promoção da agricultura sustentável ou políticas de recuperação florestal.
“Se o combate à mudança do clima não melhorar a vida das pessoas, nós vamos ter muita dificuldade de convencer as populações e os governos de que essa agenda é importantíssima. E é nesse ponto de vista que o mercado de carbono satisfaz, de uma certa forma, um setor que não é particularmente favorável ao combate à mudança do clima, que são aqueles que acreditam que somente se tiverem algum tipo de lucro é que eles poderão contribuir”, afirmou o negociador brasileiro.
O mercado de carbono é criticado por muitos ambientalistas, que o veem como uma artimanha para os países e setores econômicos mais poluidores, como o petroleiro, comprarem o direito de continuar a emitir CO2. Até hoje, também faltavam garantias quanto à transparência e a eficiência dos projetos negociados, além da possibilidade de dupla contagem das emissões – ou seja, evitar que um mesmo projeto de reflorestamento, por exemplo, seja contabilizado no balanço de carbono tanto pelo país emissor, quanto pelo comprador dos créditos.
O texto negociado na COP29 prevê uma série de precauções para evitar fraudes. Um acordo sobre o mercado de carbono tende a ser o principal resultado desta conferência, que se encerra no dia 22 de novembro.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Corrêa do Lago, um dos mais experientes diplomatas do país na área ambiental e cotado para ser o presidente da COP30, em Belém.
O quanto os quatro anos de presidência Trump, um negacionista climático assumido, abalarão o processo das negociações climáticas, uma vez que os Estados Unidos são os maiores emissores históricos de gases de efeito estufa do planeta, ou seja, são os principais responsáveis pelo problema que é debatido nas COPs?
André Corrêa do Lago: A gente tem que lembrar que você pode definir os Estados Unidos de várias maneiras na questão da mudança do clima. Os Estados Unidos são, ao mesmo tempo, emissores não só atualmente importantíssimos, como historicamente importantes. Mas os Estados Unidos também são uma fonte de ciência muito grande, uma fonte de experiências muito importantes, universidades incríveis. A gente tem que lembrar que uma presidência Trump poderá afetar algumas dessas dimensões da importância dos Estados Unidos, mas poderá não afetar outros.
O senhor prefere ver o copo mais cheio? A negociação vai seguir o seu rumo?
Sempre. Se eu não olhar pelo lado do copo cheio, não dá para negociar clima.
Donald Trump vai assumir o poder em 2025,justamente o ano em que o Brasil vai presidir a COP30. E é o ano em que os países deveriam formalizar seus novos compromissos para limitar às suas emissões – um ano-chave, portanto, nessas Conferências do Clima. O quanto a provável paralisação da ambição climática americana ou os esperados retrocessos no governo de Trump poderão influenciar todo esse processo, de os países apresentarem os seus novos objetivos climáticos?
Há várias áreas nas quais os Estados Unidos podem ter uma vantagem econômica no combate à mudança do clima. Eu sei que é um caso que já foi meio esquecido, mas nos anos 1980 e 1990, se falava muitíssimo do buraco da camada de ozônio. Ele foi resolvido basicamente porque empresas americanas encontraram substitutos e fez-se um acordo internacional para que o mundo inteiro passasse a usar esses substitutos que, na sua maioria, tinham sido desenvolvidos por empresas americanas.
O combate ao buraco da camada de ozônio já foi considerado por vários autores como mais bem sucedido acordo das Nações Unidas de todos os tempos, porque conseguiu se reduzir 95% dos gases responsáveis no mundo inteiro, e graças a uma solução econômica, que essencialmente só existiu graças ao setor privado.
O setor privado americano está sempre atento a áreas nas quais ele pode ter vantagens. E isso se viu que no período do presidente Biden: o IRA [Inflation Reduction Act] – o tão discutido programa de mudança do clima, mas que teve um título relacionado à inflação para poder passar – acabou sendo aprovado por deputados e senadores dos dois partidos, Republicano e Democrata. Hoje, ao que se pode ler, a maioria dos deputados republicanos e senadores acham que o IRA tem vários lados positivos para a economia americana.
Esse lado econômico, eu acho, nos reserva provavelmente boas surpresas. E não podemos esquecer que o Donald Trump é apoiado pelo Elon Musk, o grande empresário americano de carros elétricos. Foi ele quem convenceu, no fundo, os americanos a querer carros elétricos e por isso eu vejo que se não pode interpretar a questão americana de forma simplista.
Esse novo contexto vai, de certa forma, redirecionar a maneira como a COP 30 vai ser conduzida?
Sim, eu acredito que sim. E por isso eu acho que essa questão do mercado de carbono tem tanta importância, também nesse contexto.
Leia tambémVolta de Trump leva onda de pessimismo à Conferência do Clima do Azerbaijão e à COP30 de Belém
O foco dessa conferência no Azerbaijão é a discussão de financiamento, que nos últimos meses ou anos, se mostra paralisada. Os países devem definir o novo valor que vai ser concedido para as nações em desenvolvimento e o que exatamente vai entrar neste cálculo complexo. Os valores que estão sobre a mesa são coerentes com as necessidades, estimadas na casa dos trilhões de dólares por ano, e não mais bilhões?
Não, eles não são nada coerentes com as necessidades.A questão do financiamento é um problema que se arrasta desde o início dessas negociações, para assinatura da própria Convenção do Clima, em 1992, no Rio de Janeiro. Tem uma enorme dificuldade de avançar, então não é uma novidade. Mas o que é novidade é que nós hoje temos muito mais informação científica: nós sabemos que a mudança do clima é mais grave e ela está mais próxima, que nós temos poucos anos para fazer o que é necessário. Infelizmente, na dimensão financeira, esse elemento simplesmente essencial não está entrando.
Não há uma tradução, na parte financeira, do entendimento de que estamos com uma situação de urgência. Há várias dimensões na discussão e em várias delas, todo mundo tem razão. Por exemplo, tem o argumento de vários países desenvolvidos que os recursos financeiros que eles gostariam de colocar têm que passar pelos seus Parlamentos. É difícil explicar para suas populações que tanto dinheiro está indo para outros países, em vez de ser usado no país de origem, onde existem crises – afinal, nós temos uma crise mundial, inclusive nos grandes países desenvolvidos.
Por outro lado, também tem toda a razão os países em desenvolvimento quando dizem que precisam de recursos, afinal os recursos deles têm que ser concentrados na educação, na saúde e no combate à pobreza. Então, o que seria muito importante é uma conscientização do custo da inação, o custo de protelar.
Um dos principais pontos de tensões dessas negociações sobre esse aspecto do financiamento é que os países emergentes e principalmente a China, mas também o Brasil, chegam a Baku irredutíveis quanto à possibilidade de serem incluídos na base de doadores, ou seja, entre os países que também vão pagar pela conta para os países em desenvolvimento em situação mais vulnerável. Por quanto tempo ainda vai ser possível continuar mantendo de fora da conta aquele que hoje é, de longe, o maior emissor de gases de efeito estufa, a China?
Isso é uma discussão que, eu acredito, está muito mal apresentada nos países desenvolvidos. A China é reconhecida por todos os países desenvolvidos como o país que mais investiu no combate à mudança do clima. O que é mais importante: que a China continue investindo maciçamente no seu próprio país, onde tem 1,4 bilhão de pessoas e onde eles têm que mudar, por exemplo, as fontes de energia que originalmente era avassaladoramente a carvão?
Os esforços da China são reconhecidos por todos e ela tem desenvolvido tecnologias incríveis, mas a China tem sobretudo reduzido de maneira extraordinária o custo das novas tecnologias, por causa da sua escala. Quando a China produz painéis solares a baixíssimo custo, isso significa que a África pode ter painéis solares. Então há uma contabilidade muito primária e razoavelmente de má fé, por parte dos países desenvolvidos, sobre o papel da China nessa questão de financiamento para os países em desenvolvimento.
O que os países em desenvolvimento, como Brasil, China, Indonésia e Índia sustentam é que, pelas regras da Convenção [da ONU sobre as Mudanças do Clima] e pelas regras do Acordo de Paris, esses recursos devem vir obrigatoriamente dos países desenvolvidos. Não há discussão que os países em desenvolvimento estão ajudando também. Mas eles não têm obrigação, nem pela convenção, nem pelo Acordo de Paris, de dar recursos de forma obrigatória. Há uma tentativa dos países envolvidos de reduzir a sua responsabilidade.
Isso eu acho que é uma coisa bastante intolerável, porque os países desenvolvidos não cumprem aquilo com que eles próprios se comprometeram – eles tinham se comprometido com US$ 100 bilhões durante cinco anos. Então, quem não pagou não pode querer dividir a conta.
Se os dois lados continuam inflexíveis, as chances de bloqueio sobre o financiamento permanecem altas nessa COP?
Neste caso, só tem um lado que está errado, porque pelas regras da convenção e do Acordo de Paris, quem está errado são os países desenvolvidos. Agora, se eles tivessem como argumento “nós vamos fazer a nossa parte, mas nós achamos que esses países médios devem fazer mais”, isso é uma conversa perfeitamente razoável e racional. Porém “nós só vamos fazer a nossa parte, que é obrigatória, se os outros fizerem também” não é base de discussão.
Por outro lado, a diplomacia brasileira se mostra otimista quanto às chances de decisões a respeito do artigo 6 do Acordo de Paris, sobre o mercado internacional de créditos de carbono. Qual é a sua avaliação sobre o mecanismo que está se desenhando nessa COP de Baku, depois de tantos anos de negociações travadas sobre este tópico?
Essa discussão é muito importante e, de fato, nós estamos otimistas. O que acontece é que o mercado de carbono não vai resolver tudo, mas é muito importante, porque é um dos elementos que lembra ao mundo que a negociação do clima é essencialmente uma negociação econômica. Para nós combatemos a mudança do clima, todos os países do mundo vão ter que mudar a sua forma de crescer e de se desenvolver. Para alguns países, é um desafio gigantesco, e para outros é uma oportunidade. Então, nós temos que tratar isso de maneira muito racional do ponto de vista do impacto econômico, sobre os empregos e sobre a qualidade de vida das populações.
Se o combate à mudança do clima não melhorar a vida das pessoas, nós vamos ter muita dificuldade de convencer as populações e os governos, sobretudo nas democracias, de que essa agenda é uma agenda importantíssima. E é nesse ponto de vista que o mercado de carbono satisfaz, de uma certa forma, um setor que não é particularmente favorável ao combate à mudança do clima, que são aqueles que acreditam que somente se tiverem algum tipo de lucro é que eles poderão contribuir. Ao mesmo tempo, é muito legítimo que uma empresa que se dá conta de que vai ter custos adicionais possa ter um recurso para reduzir os custos para fazer a coisa certa. Então, é um passo muito importante, mas que infelizmente não resolve tudo.
As novas NDC, os compromissos de cada país para reduzir as suas emissões, já começaram a ser anunciadas e o Brasil, no papel de anfitrião da próxima COP, acaba de apresentar a sua, nas vésperas da conferência em Baku. O país está mostrando que é capaz de fazer o seu dever de casa na questão do desmatamento, como temos visto nos números, sucessivamente, ao longo do ano. Mas vai ser possível liderar pelo exemplo se o Brasil continuar com os seus planos de abrir novas frentes de exploração de petróleo?
Em todos os países do mundo, tem várias dimensões da sua economia que parecem incompatíveis. Isso acontece na Alemanha, que está usando agora mais carvão do do que usou nas últimas décadas. Isso acontece em vários outros países desenvolvidos e em desenvolvimento. Uma das condições para nós combatermos a mudança do clima é que sejam levados em conta as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a ambiental, a social e a econômica.
Os caminhos para você chegar às boas soluções podem ser diferentes, dependendo de cada país. Então, eu acredito que sim, que as NDC brasileiras serão uma referência de ambição. Eu acredito que, sim, elas devem ser publicadas muito proximamente e eu acredito que elas são, de certa forma, um guia para o país que nós pretendemos ter em 2035.
Temos que lembrar também que há uma grande coerência neste governo brasileiro, tanto na área de energia como, sobretudo, na área do Ministério da Fazenda e das Finanças. O quanto nós estamos coordenando uma política de crescimento que está incorporando a dimensão do clima. No G20, o Brasil acentuou muito isso e eu acredito que é um dos maiores legados do G20 brasileiro: o quanto nós precisamos encontrar uma forma de incorporar nos investimentos e de um modo geral, na economia mundial, a dimensão do clima.
Nós não podemos continuar tratando o clima com fundos específicos para o clima, porque todas as atividades em todos os países do mundo impactam o clima. Nós temos que optar pelas que impactam menos. E eu acredito que isso deva passar por uma nova maneira de se olhar para o clima na área financeira, na área de investimentos e, de um modo geral, na própria teoria econômica.
Nota: esta entrevista foi realizada um dia antes de o Palácio do Planalto apresentar a nova NDC do Brasil, na noite de sexta-feira (8).
Sun, 10 Nov 2024 - 363 - Lívia Melzi exibe em Paris imagens feitas no Museu Nacional do Rio após incêndio de 2018
Com oito imagens da série “Imagens de Resgate”, a artista brasileira Lívia Melzi participa da Paris Photo, a maior feira de fotografia do mundo, que acontece de 6 a 10 de novembro. O projeto em curso tem como tema objetos que sobreviveram ao grande incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018.
“Eu cheguei lá e não sabia o que eu ia encontrar", diz Lívia Melzi sobre as primeiras impressões no início do projeto na instituição brasileira. "Eu não sabia o que tinha sobrevivido, mas eu sabia que esse momento era muito efêmero. Os objetos não estão mais no museu, não estão atrás de vitrine. Eles estão num momento de restauração que é muito interessante e que passa muito rápido. ”
Com prêmios de duas instituições francesas e munida de uma câmera analógica de grande formato (ou 4x5), Melzi já realizou três viagens ao Rio e tem até o momento cerca de 200 imagens.
“Encontrei pessoas muito dedicadas a reconstruir os objetos resgatados, a entender o que são, a tentar reconstruir o arquivo, através de pedaços, literalmente”, conta a artista sobre a equipe do Museu Nacional. “Mas faltam muitos recursos e então é quase um milagre o que eles estão fazendo”.
“O que me interessa é olhar os objetos que sobreviveram ao incêndio, que saem do palácio e que estão deformados, quebrados. Eles estão, na minha opinião, desprovidos da narrativa original que eles tinham dentro do contexto museal. Minha ideia é documentar essas novas formas e todo esse processo de restauração”, diz a fotógrafa.
Olhar europeu para o Brasil
“O meu terreno de trabalho é olhar para a Europa e entender como a Europa construiu uma ideia do Brasil através das imagens e o papel dos museus nessa história da fotografia”, relata Melzi. “E no Brasil a museologia é muito diferente. A gente tem uma herança da museologia europeia, mas a gente sabe que as coisas funcionam de outra maneira”, acrescenta.
Lívia Melzi também descobriu um tesouro no meio das suas incursões, um corpo de fotos do antigo departamento de fotografia do museu e que não foi afetado pelo incêndio, abrigado em uma sala fechada no fundo do palácio. Apesar de terem sobrevivido ao fogo, as imagens sofreram com a ação do tempo. “São fotografias que estão conservadas de maneira muito precária - são placas de vidro, negativos e diapositivos que estão desaparecendo por falta de conservação mesmo”.
Em 2022, Melzi expôs “Tupi or not tupi”, no Palais de Tokyo, um dos principais espaços culturais de Paris. O fio condutor foram os mantos tupinambás conservados em museus europeus, herança da antropofagia cultural colonial. A experiência contribuiu para a reflexão da artista sobre o papel de um museu. E por isso ela acha que o Brasil tem agora uma oportunidade única para reconstruir a museologia. “Talvez a gente possa ser pioneira nessa questão da descolonização do museu”, opina.
Representada pela galeria Salon /H, Livia Melzi participa pela primeira vez da Paris Photo. “Estou muito feliz porque além de ser a maior feira de fotografia do mundo, isso pode dar visibilidade para a tragédia do Museu Nacional, mas principalmente para a reconstrução dele”. E acrescenta: “E é a chance que a gente tem para mostrar que somos capazes de tratar nossa memória, nossos arquivos, nosso patrimônio material e imaterial”.
Fri, 08 Nov 2024 - 362 - Brasil foi ‘central’ para psicanalista Thamy Ayouch destrinchar conceito de ‘raça’ em novo livro
“La race sur le divan” (A raça no divã, em tradução livre), publicado pela editora Anacaona, é o novo livro do psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Paris Cité, Thamy Ayouch. Na obra, ele trata da invenção do conceito de raça e joga luz à questão do racismo estrutural com explicações baseadas na psicanálise e vivências próprias.
Thamy nasceu no Marrocos, onde viveu até os 18 anos. Em seguida morou na França, Inglaterra, Espanha, Argentina e Brasil, o que, segundo ele, lhe “deu a possibilidade de ver muitos âmbitos sociais e políticos diferentes”. Mas a vivência do psicanalista em São Paulo foi a mais determinante. “O que foi absolutamente central nas minhas experiências foi morar no Brasil, onde fui professor visitante estrangeiro na USP (Universidade de São Paulo) durante cinco anos”, conta.
O pesquisador, que estudou “literatura inglesa, filosofia e logo depois a psicanálise e psicologia”, revela que transitar em vários lugares ajudou “a entender que raça é uma coisa absolutamente relativa”. Ele ressalta a frase conceito de “La race sur le divan”: a raça não existe.
Conceito criado para explorar outros corpos
O psicanalista explica que a raça não é biológica, mas sim uma impostura científica inventada a partir do século 17 para hierarquizar as populações para justificar a distribuição social do trabalho e a exploração de mão de obra.
“Não existem as raças, porém, a raça tem efeitos sociais e psíquicos. O mundo no qual vivemos hoje em dia é diretamente herdado da modernidade colonial, como dizem os teóricos e teóricas decoloniais, ou seja, a partir do final do século 16, com a invasão das Américas. E com uma hierarquização das populações para justificar uma distribuição do trabalho e essa exploração dos corpos, os massacres, a escravidão, etc.”, sublinha.
Thamy evidencia que “o fato de ter vivido em vários lugares no mundo” o ajudou a sentir na pele a relação mutável do conceito de raça criado no contexto sociopolítico e cultural. “E eu vivi isso precisamente no meu próprio corpo, na minha própria carne, na minha própria racialização”, disse ele ao descrever, por exemplo, que no Marrocos é considerado branco, enquanto na França não, onde inclusive é tratado de forma desigual administrativamente, apesar de sua escolarização cultural francesa.
Em outro exemplo, o psicanalista observa suas experiências na América do Sul. Enquanto no Brasil ele era considerado branco, já na Argentina a sua pele o determinava "racializado", explicando assim a relativização relacional do conceito de raça.
Autores e autoras brasileiras na vanguarda
Thamy Ayouch cita e valoriza em sua obra recém-lançada o nome de vários brasileiros, mas, principalmente, autoras da causa feminista negra como a ativista Leila González, a psicanalista Neusa Santos Souza, a psicóloga Cida Bento, Izildinha Batista, uma das primeiras autoras a associar psicanálise e raça e, da geração mais atual do ativismo, a filósofa Djamila Ribeiro.
“Eu tenho que dizer que quase aprendi tudo com autores brasileiros e brasileiras nesse assunto. De forma mais específica, eu acho que hoje em dia o Brasil está na vanguarda de todas as pesquisas sobre raça e psicanálise, sobre a colonialidade e psicanálise. Ou seja, o Brasil está fervendo com uma efervescência absolutamente formidável”, avalia.
O professor comenta a importância do movimento afrofeminista no Brasil, atualmente com o destaque de Djamila Ribeiro, que segundo ele descentraliza e desuniversaliza o saber “dando voz e posicionamento aos que sempre ficavam sem voz".
A raça no divã em português e espanhol
No dia 22 de outubro, o Thamy Ayouch foi convidado de uma mesa na livraria Le Monte-en-l’air , no centro de Paris (mais informações no Instagram @thamyayouch) onde debateu a pergunta primordial de seu livro: como afinal podemos escutar a raça no divã?
Questão que para ele envolve remover diversas camadas de preconceitos inerentes desde o eurocentrismo aos conceitos sociais vigentes há séculos: “O desafio é precisamente se descentrar de uma escuta habitual, maioritária, que não deixa de ser branca, sobretudo”, conclui Thamy.
Mon, 28 Oct 2024 - 361 - Com controle do Congresso e Suprema Corte, Trump não terá dificuldades para impor reformas conservadoras
Eleito para ser o 47° presidente dos Estados Unidos, Donald Trump já começou a formar sua equipe de governo que assumirá o poder em 2025. Em entrevista à RFI, Lucas de Souza Martins, professor de História dos Estados Unidos da Temple University, na Filadélfia, analisa os primeiros passos da futura administração.
Daniella Franco,enviada especial da RFI a Boston
"Definitivamente não veremos uma mudança substancial do presidente Donald Trump. Esse tipo de postura que ele traz em 2024, depois de ser eleito, tem a ver com uma posição favorável que ele vive neste momento", afirma o professor da Temple University.
O bilionário foi eleito com 50,8% dos votos populares contra 47,5% para sua rival, a democrata Kamala Harris, um número superior ao apontado pelas pesquisas. No total, Trump conquistou 295 delegados do total de 538 do Colégio Eleitoral americano. Além disso, o Partido Republicano retomou o controle do Senado e manteve também o domínio da Câmara de Representantes.
"É muito fácil falar em união quando você tem uma maioria que lhe favorece no Congresso e sobretudo na Suprema Corte americana", observa Martins. O cenário favorece a imposição da agenda do republicano, que promete colocar em prática políticas de extrema direita.
O professor destaca que Trump ainda terá a possibilidade de indicar dois novos juízes, "com certeza conservadores", endurecendo ainda mais este posicionamento no mais alto tribunal dos Estados Unidos.
Revogação de Roe vs. Wade será mantida
Além da imigração, outra questão que dominou a campanha eleitoral foram os direitos reprodutivos. Harris havia prometido que se fosse eleita trabalharia para que o direito ao aborto se tornasse lei.
Em 2022, a Suprema Corte americana revogou o decreto Roe vs Wade, de 1973, que permitia que mulheres interrompessem gestações indesejadas nos Estados Unidos. A decisão só foi possível graças a três juízes conservadores nomeados para o mais alto tribunal do país na época do primeiro governo Trump.
Com o republicano voltando ao poder, a proibição será mantida e a decisão continuará nas mãos dos governos regionais. "Imagina-se que estados democratas, ligados a políticas mais progressistas, tomarão decisões muito mais abertas neste sentido, e que estados republicanos, principalmente os administrados por conservadores, seguirão essa política de Donald Trump", prevê Martins.
Junto com as eleições americanas do ultimo 5 de novembro, eleitores de dez estados americanos também foram consultados sobre a manutenção da proibição ao aborto. Apenas três optaram por manter a restrição: Florida, Nebraska e Carolina do Sul.
Mas além dos direitos reprodutivos, o professor da Temple University também acredita que avanços de políticas públicas em benefício da comunidade LGBTQIA+ americana sejam pausadas durante a nova administração Trump.
No entanto, Martins pondera: "mas é importante destacar que esse cenário de maioria republicana no Congresso é algo que se verificará nos próximos dois anos, lembrando que sempre há eleições de meio mandato e pode ser que isso se altere em 2026".
Thu, 07 Nov 2024 - 360 - “Trump se torna um epicentro para a organização da extrema direita global”, afirma cientista político
A vitória de Donald Trump nas eleições americanas gera profundas mudanças e implicações políticas, econômicas e sociais, não apenas nos Estados Unidos, mas também em escala global. O cientista político Thomás Zicman de Barros aponta que o retorno de Trump à Casa Branca deve fortalecer os movimentos de extrema direita e avalia que a derrota de Kamala Harris pode provocar uma grande reflexão sobre os rumos do Partido Democrata.
Segundo Zicman, uma das chaves para compreender essa vitória está na autocrítica necessária ao Partido Democrata. “Muitas vezes buscamos colocar a culpa nos outros, mas os democratas precisam fazer sua autocrítica”, afirma. Embora a economia americana esteja em crescimento e o desemprego em queda, ele observa que há uma percepção de que a qualidade do emprego não acompanha esse avanço. “A sensação de que o custo de vida aumentou para muitos americanos é real, e o Partido Democrata tem perdido apoio da classe trabalhadora”.
A vitória de Trump, marcada por uma campanha agressiva, sugere também que o Partido Democrata precisa se reconectar com a classe que historicamente sempre esteve em seu campo de apoio, segundo o especialista. “Os democratas se tornaram, em grande medida, um partido de elites urbanas, o que criou um distanciamento da classe trabalhadora”, avalia. Esse afastamento, somado à percepção de que o governo Biden não cumpriu promessas essenciais, abriu caminho para a volta do republicano à Casa Branca.
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Aproximação com eleitorado antes desfavorável
Trump se aproximou dessa base tradicionalmente associada aos democratas, defendendo políticas protecionistas e prometendo reforçar a economia americana. Além disso, sua retórica encontrou espaço até mesmo entre eleitores negros e latinos, historicamente desfavoráveis à sua candidatura, considera o cientista político.
“Trump cresceu nesses grupos, e isso se deve ao fato de que ele já foi presidente. Na pior das hipóteses, para alguns eleitores, voltar ao passado parece seguro”, explica Zicman, do Instituto de Ciências Políticas de Paris, a Sciences-Po.
Ele acrescenta que Trump retornou “muito mais forte do que em 2016, dominando o Partido Republicano, que agora conta com uma base de burocratas experientes e alinhados ao seu projeto”. Essa consolidação de poder pode representar um risco significativo para a democracia americana, especialmente se considerada a recente conquista republicana no Senado, antes dominada pelos democratas, e a presença de uma Suprema Corte majoritariamente conservadora.
“A Suprema Corte foi moldada por Trump para apoiar uma visão de poder presidencial com menos limitações. Isso fragiliza a própria democracia americana”, alerta.
Retrocesso para minorias e fortalecimento da extrema direita
O impacto da vitória de Trump, no entanto, vai além das fronteiras americanas. De acordo com Thomás Zicman de Barros, Trump deve intensificar o discurso anti-imigração e promover retrocessos em políticas de direitos, especialmente para mulheres e minorias.
No cenário internacional, sua reeleição pode fortalecer movimentos de extrema-direita pelo mundo, com consequências diretas para países como o Brasil.
“Trump se torna um epicentro para a organização da extrema-direita global”, afirma ele. Ele lembra que um dos motivos que impediram Jair Bolsonaro de questionar o resultado das eleições no Brasil foi o rápido reconhecimento da vitória de Lula por Joe Biden, mas que esse cenário poderia mudar com Trump no poder.
A relação entre Estados Unidos e Brasil também pode ser afetada no campo econômico, segundo ele. Trump prometeu aumentar tarifas de até 20% sobre produtos de países parceiros, o que pode prejudicar as exportações brasileiras.
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Além disso, há uma crescente guerra comercial com a China, principal parceiro comercial do Brasil. “Se essa guerra comercial se intensificar, o Brasil será prejudicado ao ser forçado a escolher entre Estados Unidos e China”, diz Zicman.
Outro ponto de preocupação é a questão ambiental. Com a conferência do clima COP sendo sediada em Belém em 2025, o retorno de Trump, que durante seu primeiro mandato retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, pode enfraquecer esforços globais para combater a crise climática. “Trump é um negacionista climático. Sua reeleição acelera a deterioração da situação climática global”, conclui o especialista.
Wed, 06 Nov 2024 - 359 - Quadrinista Lelis revisita secas históricas no Ceará e lança álbum "Réparations" na França
O mineiro Marcelo Lelis, ilustrador, quadrinista e escritor de livros infanto-juvenis, está lançando na França o álbum “Réparations”, pela editora Les Rêveurs. O título em francês pode ser traduzido para “Reparações” ou “Consertos”.
A história começa com uma menina que chora porque sua caixa de música, em formato de coração, está quebrada e não abre mais. Isso a deixa inconsolável, ainda mais por ter sido um presente do avô já falecido. Sem a música da caixinha, Alice não consegue dormir.
Esse prelúdio leva a outros passados, a outras vidas. É uma deixa para o autor revisitar as secas históricas no Ceará em 1877, 1915 e 1932. “Inclusive a Rachel de Queiroz contou isso no livro 'O Quinze', que é sobre os campos de confinamento que aconteceram naquela época em que os flagelados chegavam a Fortaleza e o governo construiu campos de confinamento para essas pessoas ficarem nesses campos onde morriam de doença, de fome”, conta Lelis.
“Acho que é um resgate histórico importante, porque foi uma época muito triste, mas ao mesmo tempo muito rica, pois muita gente que saiu desses confinamentos conseguiu sobreviver e foi para a região sudeste, trazendo uma cultura diferente, formando famílias. Uma cultura que me formou. Todo esse povo do norte de Minas, provavelmente muita gente veio dali”, acrescenta. No livro de Lelis, o portador dessa herança é o avô da pequena Alice. A música da caixinha em questão é a melodia do acalanto que o avô ouvia cantado pela própria mãe, que morreu de fome.
Aquarela
Outra característica de“Réparations”é que ele é todo feito em aquarela, uma técnica caprichosa que não permite erros. Lelis trabalha também com o suporte digital, mas a preferência ainda é pela aquarela. “É uma técnica que se parece com a vida da gente, com misturas de cores, de outras pessoas; a gente erra o tempo todo e tenta consertar o tempo todo”.
O desenho sempre acompanhou Lelis, desde a infância. Ele trabalhou com charges e ilustrações em jornais de Minas e São Paulo, ao mesmo tempo que experimentava outras técnicas e materiais. Com muitos prêmios e exposições na carreira, o quadrinista também escreve e ilustra livros infanto-juvenis.
A ligação com a França começou em 2002, quando foi convidado para participar do Festival de Angoûleme na exposição “Traços Contemporâneos”, que destacava as novas tendências nos quadrinhos. Desde então ele já ilustrou vários álbuns franceses e “Réparations” é o seu segundo livro autoral, depois de “En Fuite”, também pela editora Les Rêveurs.
Para Lelis, publicar na França traz algumas vantagens para o artista, pois o mercado é mais aquecido que no Brasil, com uma crítica especializada mais numerosa. “No Brasil existe isso, mas claro que o mercado é menor, então ele tem uma repercussão menor”, reflete. Ele elogia a qualidade de impressão, o que provavelmente tornaria o preço proibitivo no cenário brasileiro.
Tue, 05 Nov 2024 - 358 - “Les Années Folles": violonista brasileiro lança álbum inspirado na Paris de 1920 e na obra de Villa Lobos
O violonista brasileiro Pedro Aguiar lançou em Paris o álbum “Les Années Folles”, com composições de música clássica. A obra faz referência ao contexto cultural da capital francesa durante a década de 1920 e é inspirada em Villa Lobos.
Renan Tolentino, da RFI em Paris
“A ideia desse CD partiu principalmente de pensar como era (a vida) há um século aqui em Paris e eu fiz a ligação também com a música de Villa Lobos. Ele viveu em Paris na década de 1920 e aqui ele escreveu a obra mais importante do século 20 para o violão, que são os 12 estudos. Os 12 estudos me acompanharam e me acompanham a vida inteira, porque é uma obra que você começa a estudar ainda bem jovem e que te acompanha por toda a vida”, explica Pedro.
Durante este período entre-guerras, que ficou conhecido como “les années folles” (“os anos loucos” em português), Paris viveu uma ebulição no cenário cultural, abrigando nomes de diversos segmentos da arte, pintores, escritores, artistas plásticos, como, por exemplo, o espanhol Pablo Picasso.
O Brasil também teve seu representante neste período de revolução artística que a Cidade Luz vivenciou. O brasileiro Heitor Villa Lobos se mudou para a capital francesa nos anos 1920 em busca de reconhecimento para sua música erudita, com influências afro-indígenas-brasileiras. Objetivo alcançado com sucesso, já que seu trabalho em solo francês ganhou projeção mundial.
“Essa época do período entre guerras ficou conhecida como ‘os anos loucos’, porque as pessoas estavam cansadas da guerra e se sentindo muito otimistas de que não haveria outra guerra sangrenta. Também é uma época da emancipação das mulheres. E Paris acolheu os maiores nomes da arte (na época). Podemos pensar em Stravinsky, Coco Chanel, Pablo Picasso, (Amedeo) Modigliani, Salvador Dalí. Então, imagina andar por Paris e encontrar essas pessoas”, comenta o violonista.
O recital de lançamento do álbum "Les Années Folles" aconteceu no início de outubro na capital francesa. O local escolhido tem uma ligação especial com os elementos e personagens que inspiraram a criação da obra. Algo que soa como uma melodia harmônica para Pedro Aguiar e que dá a ele um motivo a mais para celebrar.
“Foi um grande sonho, porque eu consegui realizar esse recital de lançamento no hotel Bedford, aqui em Paris, que é o hotel onde Villa Lobos viveu. Isso significa muito para mim. Inclusive, o proprietário do hotel conheceu Villa Lobos. Então foi um momento muito mágico para mim, poder tocar em Paris esses 12 estudos, no lugar onde Villa Lobos morou”, conclui Pedro.
Fri, 01 Nov 2024 - 357 - Forte polarização da sociedade americana dá espaço à violência nos discursos de candidatos, diz cientista politico da Boston College
A cinco dias das eleições americanas, a campanha eleitoral assume características de um “vale-tudo”. Trocas de farpas e ofensas atingiram um novo patamar nas últimas semanas. Para o cientista político Fernando Bizzarro, professor da Boston College, a forte polarização política nos Estados Unidos está abrindo caminho para discursos cada vez mais violentos.
Daniella Franco,enviada especial da RFI a Boston
De um lado, um candidato republicano que não mede as palavras para descreditar sua adversária, chegando a utilizar palavras de baixo calão. De outro, uma vice-presidente que derrapa ao recorrer a um discurso etarista, ao se referir a seu rival. As trocas de ofensas se intensificam nesta reta final da campanha eleitoral, na qual imigrantes chegaram a ser tratados como “lixo” em um comício de Donald Trump – mesma palavra utilizada pelo presidente americano, Joe Biden, para se referir aos apoiadores do magnata.
Para Fernando Bizzarro, esse é o retrato de uma sociedade extremamente polarizada, dividida por grupos partidários, “o que gera a possibilidade de uma violência retórica”. “As pessoas dos dois lados veem os adversários como alguém que é de um grupo completamente diferente do delas. Elas não se reconhecem nos eleitores e políticos do outro lado. E quando a gente se vê como muito diferente de alguém, abre-se a possibilidade para esse tipo de discurso e de violência”, observa.
Segundo o professor da Boston College, outro fator que contribui para esse cenário é estratégia empregada por Trump, “para tentar se diferenciar daquilo que é visto como um discurso aceitável e mainstream”. “Como parte desse esfoço de quebrar as normas, ele adota um comportamento que tenta mostrar essa diferença. A adoção desse tipo de retórica o ajuda a criar a impressão de que ele é um quebrador de regras”, reitera.
Polarização cria mal-estar no eleitorado
A estratégia agrada parte do eleitorado conservador, mas também reforça o sentimento de desgosto de parte da população com os partidos, políticos e as instituições. “O eleitor indeciso olha para essa polarização e não vê uma opção que ele ache que seja claramente superior à outra. Isso tem a ver, em parte, por causa desse sentimento de mal-estar generalizado com as instituições e também porque o sistema eleitoral não têm criado oportunidades e alternativas emergirem”, afirma Bizzarro.
O cientista politico ressalta que Trump é candidato do Partido Republicano há três eleições e que Harris é a atual vice-presidente do país, um cenário que perpetua no poder os mesmos representantes, ideias e políticas durante anos. A rigidez do sistema eleitoral americano impede que uma terceira candidatura tenha espaço suficiente para concorrer com a mesma força e relevância.
“Um candidato alternativo, que pudesse oferecer um discurso para os eleitores que estão descontentes com a política americana, tem muita dificuldade de aparecer”, avalia. “A quantidade de pessoas que estão insatisfeitas representa um número relativamente pequeno, mas em uma eleição tão apertada, essas pessoas se tornam decisivas”, observa.
Decisão nas mãos dos Estados-pêndulo
Com a corrida eleitoral praticamente decidida na maioria do país, a decisão final ficara nas maos dos sete Estados-pêndulo, que oscilam a cada eleição entre republicanos e democratas: Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin. O fenômeno chega a surpreender especialistas em política americana do mundo inteiro, ja que Trump e Harris têm posicionamentos bem definidos, opostos e não são novatos no poder.
Fernando Bizzarro ressalta que “nem todo mundo é antenado na política e o cidadão médio não esta tão envolvido”. “As pessoas têm outras coisas para fazer do que ficar prestando atenção na política 24 horas por dia”, brinca.
Por isso, segundo ele, há espaço para dúvidas, entre esses eleitores. O professor da Boston College destaca ainda que os últimos oito anos foram confusos para o eleitorado americano: “você teve o mandato do Trump, a pandemia de Covid-19, e tudo isso criou uma situação na qual é difícil lembrar exatamente quem estava no poder quando as coisas estavam melhores ou quando as coisas estavam piores. Virou tudo uma mistura de tempo e de acontecimentos”, aponta.
Como o voto nos Estados Unidos não é obrigatório, uma outra situação ainda se soma a este complexo cenário: “tem um grupo de eleitores que podem até saber em quem eles querem votar, mas não sabem se vão aparecer para votar. Por isso, as campanhas precisam convencer as pessoas não apenas sobre quem é o melhor candidato, mas que o candidato é bom o suficiente para fazer você sair de casa e participar da eleição”, conclui.
Thu, 31 Oct 2024 - 356 - Cufa escolhe Paris para primeira Expo Favela fora do Brasil com foco em periferias
Fundada em 2022, a Expo Favela é pioneira na promoção e divulgação de startups originárias de favelas brasileiras. O evento é um ponto de encontro para empreendedores de favelas e investidores prontos para apoiar seus projetos. Mais de 3 mil projetos de favelados brasileiros foram apoiados desde o primeiro evento em 2022, com mais de € 50 milhões investidos. Em 2024, a feira atravessou o Atlântico e escolheu a França para sediar seu primeiro evento internacional voltado para periferias.
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A Central Única das Favelas (Cufa), que há quase três décadas se impôs como a maior ONG de favelas brasileiras, escolheu a França para estrear sua primeira edição internacional. "A Cufa, Central Única das Favelas, é uma instituição que começou no Rio de Janeiro há mais de 20 anos e hoje ela está fazendo um processo de expansão que começou em 2015", explica Marcus Vinícius, diretor da ONG.
"Hoje, ela está presente em mais de 49 países ao redor do mundo e um deles é justamente aqui em Paris, a Cufa França. A gente percebeu que era um movimento importante fazer uma feira que fosse capaz de conectar aquelas ideias, aqueles empreendedores, aquelas pequenas empresas que estão na favela, que têm boas ideias, têm bons propósitos, mas que às vezes precisam de um investimento para conseguir alavancar o seu produto e crescer ainda mais", explica.
Conectando mundos
"Como a gente conecta a favela e o asfalto? Como a gente poderia conectar esse empreendedor com grandes investidores que têm dinheiro e estão buscando novas ideias? Novos projetos?", questiona Marcus Vinícius.
"O evento em 2022 começou em São Paulo, foi um grande sucesso, com vários negócios fechados em 2023. Ele cresce por causa do sucesso de 2022, que deixou de ser um projeto que acontece em São Paulo e foi para 25 estados no Brasil, como Amapá, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, com uma grande final com os melhores empreendedores que estiveram em cada estado, que aconteceu em São Paulo. E o sucesso novamente foi tão grande que a gente está repetindo esse feito agora em 27 estados do Brasil, mas também começando essa primeira edição internacional em Paris", sublinha o diretor.
Nascido na favela do Jacarezinho e diplomado pela prestigiosa Escola de Belas Artes de Paris, Daniel Nicolaevsky assina a direção artística da Expo Favela 2024. "A Karina Tavares, diretora da Cufa França, me fez esse convite há um ano para trabalhar nesse projeto e eu pensei em todo o aspecto de como a periferia é sempre muito estigmatizada no mundo inteiro", detalhou. "Nós estamos aqui em Paris, uma grande metrópole, a 'cidade-luz', mas até na cidade-luz ainda existe esse preconceito muito grande com todos aqueles que moram nas periferias", ressaltou.
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Da periferia para o centro
O carioca coloca em pauta a questão da dificuldade da mobilidade urbana. "Como é que a periferia ela vem para o centro, né? Isso a gente vê em São Paulo, Rio de Janeiro, Paris, Nova Iorque, qualquer lugar onde tem muitos imigrantes, muitas pessoas racializadas. Então eu peguei esse conceito da dificuldade de mobilidade e planejei uma grande Torre Eiffel feita de pneus, que estará na entrada da Expo Favela Paris, para mostrar que Paris não é só a Torre Eiffel, Paris não é só o brilho, mas Paris também é muita força", diz o artista brasileiro.
"Trabalhamos com a Casa 93, uma organização de moda solidária que nasceu no Rio de Janeiro, no [Morro do] Vidigal, através de uma francesa, a Nadine, que está aqui na França. Só mulheres pretas da periferia que trabalharam comigo levantando peso, furando pneu, cortando pneu para fazer essa instalação de quatro metros de altura e todos os painéis de sinalização são feitos através da sinalização das marginais [périphériques, em francês], que é essa grande roda que dá a volta em Paris. Esse anel viário que dá o acesso, mas que às vezes também tira o acesso da periferia para o centro", explica Nicolaevsky.
A Expo Favela 2024 acontece nos dias 25 e 26 de outubro, confira mais informações no quadro abaixo:
Fri, 25 Oct 2024 - 355 - Com filmografia que explora 'relação com o outro', Lucia Murat realiza master class na Sorbonne
A diretora, produtora e roteirista Lúcia Murat está em Paris para realizar um master class na Universidade Sorbonne dentro do projeto “Processos de criação artística em áreas de língua espanhola e portuguesa”, promovido pelo Centro de pesquisas interdisciplinares sobre os mundos íbero-americanos contemporâneos (CRIMIC).
A cineasta é conhecida internacionalmente por filmes premiados como "Que bom te ver viva" (1988), "Quase dois irmãos" (2004) e "O Mensageiro” (2023). A ditadura militar no Brasil permeia várias de suas obras, mas ela rejeita o rótulo de “cinema político” e diz que a questão da "relação com o outro” está presente em todos seus filmes.
Lúcia Murat foi presa aos 21 anos de idade, e torturada durante a ditadura militar no Brasil. Sua prisão, que durou quase quatro anos, marcou sua vida e sua filmografia. Em “Que bom te ver viva” (1988), seu primeiro longa-metragem, depoimentos de mulheres torturadas durante a ditadura militar são intercalados com cenas ficcionais, protagonizadas pela atriz Irene Ravache.
Depois dele, vieram “Quase dois irmãos” (2004, “Uma longa viagem” (2011), “A memória que me contaram” (2013), “O Mensageiro” (2023), entre vários outros sobre o período de chumbo no Brasil. Mas a cineasta não se identifica com o rótulo de "cinema político".
“Obviamente que nessa transição da adolescência para a idade adulta, essa questão da violência, do ser humano, da traição, são questões que ficam para o resto da vida. Necessariamente, os filmes não tratam diretamente da questão da ditadura, mas há a questão da violência, a questão da relação com o outro, eu acho que sim, que estão presentes em praticamente todos os meus filmes, porque é uma preocupação que ficou”, disse à RFI.
E é sobre esses temas que inspiraram sua filmografia que Lúcia Murat vai tratar no master classna quinta-feira (24), no auditório da faculdade de Letras da Sorbonne, em Paris. “Eles me pediram para conversar sobre o meu processo criativo. Já que eu não sou uma teórica de comunicação, eu sou uma cineasta, pensei que talvez fosse interessante mostrar todos os trailers de todos os meus filmes ou dos principais filmes e conversar sobre o processo criativo de cada um”, explica. “Como todos eles têm uma relação com a realidade política e histórica do Brasil, quer dizer, eu acho que vai ser também uma conversa sobre o Brasil”.
Também na quinta-feira, seu filme “O Mensageiro” será projetado no cinema Saint-Denis, ao norte de Paris, seguido de um debate com a cineasta. A história, ambientada em 1969 no Brasil, gira em torno da prese política Vera, vivida pela atriz Valentina Herszage. Na prisão, ela conhece o soldado Armando, interpretado por Shi Menegat, um jovem de origem rural. Diante das crueldades e torturas que presencia, ele aceita levar mensagens de Vera para sua família, o que o aproxima de Maria (Georgette Fadel), mãe de Vera. Apesar das profundas diferenças sociais e de origem, uma relação afetiva improvável começa a se desenvolver entre o soldado e a mãe da prisioneira.
A história é inspirada de fatos que aconteceram com a cineasta quanto estava na prisão. “Em nenhum momento eu fiz cinema pensando que fazia uma mensagem, pensando em contar uma história do passado. Foram sempre filmes que surgiram a partir de necessidades imediatas, do que eu estava vivendo”, diz. “O mensageiro, por exemplo, é um filme que parte da minha necessidade de falar sobre a polarização que o Brasil estava vivendo”, explica a cineasta.
Para ela, o filme, além de ter um aspecto de memória, porque “não é possível se esquecer o horror que [a ditadura militar] foi”, também “mostra uma capacidade de humanização em meio ao horror”. Finalmente, o longa também trata do "não julgamento dessas pessoas e a questão do perdão ou não, que eu faço junto e levo para a atualidade, discutindo a filosofia da Hannah Arendt”, diz.
Documentário e ficção
Outro aspecto que marca os filmes de Lúcia Murat, é sua característica de estarem no limite entre o documentário e a ficção. “Eu me lembro que na época que fiz “Que bom te tiver viva”, que é o primeiro filme que trabalha com ficção e documentário", diz. “Eu me lembro que achei que foi muito especial eu ter inventado aquela história”, conta a diretora.
“Quando eu comecei a frequentar os festivais internacionais com o filme, eu vi que aquilo ali era uma tendência do cinema naquele momento. Esses limites entre ficção e documentários já estavam se aproximando”, argumenta.
Sobre o lugar do cinema de autor no mercado cinematográfico atual, com o cinema sendo deixado de lado por plataformas de streaming, a cineasta diz que continua fazendo longa-metragens preferencialmente para o cinema, mas que o streaming “tem seu lado positivo”.
“Evidentemente é mais uma janela que se abre”, mas lamenta que no Brasil estas plataformas não estejam reguladas. “Existe uma luta feia no Congresso para tentar regular, para que elas passem a pagar impostos e a gente possa exigir também uma participação de filmes nacionais”, diz.
Já sobre a questão estética do cinema feito na atualidade, Lucia Murat lembra que tem uma filha cineasta, Júlia Murat, "então eu convivo com a nova geração”. “Eu tenho um contato muito bom com a nova geração. Eu gosto de ver tudo o que é feito de novo”, conclui a diretora.
Thu, 24 Oct 2024 - 354 - Empreendedora brasileira lança em Paris livros sobre "wollying”, o bullying entre mulheres
A empreendedora e escritora Katia Teixeira lança em Paris seus dois novos livros dedicados ao tema do "wollying", uma forma de bullying praticado por mulheres contra mulheres. As obras discutem como esse comportamento afeta profundamente as relações pessoais e profissionais, destacando suas implicações na saúde mental e na falta de oportunidades para as mulheres no ambiente corporativo. A autora propõe um olhar reflexivo sobre o impacto psicológico e social desse fenômeno, enfatizando a necessidade de diálogo e conscientização para combatê-lo.
Katia Teixeira, conhecida por seu trabalho com mulheres empreendedoras, compartilhou reflexões sobre um tema complexo e pouco conhecido: o bullying entre mulheres, denominado wollying. Ela apresenta em Paris um livro solo e um colaborativo, abordando histórias reais de mulheres que viveram essa experiência.
Sua coletânea Quais de mim você procura? reúne 50 relatos reais de mulheres que viveram o wollying, enquanto seu livro solo, Wollying: Que Negócio é Esse, Mulher?, traz uma abordagem mais aprofundada, com a contribuição de psicólogos e cientistas sociais.
A empreendedora expressou sua satisfação em poder trazer ao debate público esse tema ainda pouco conhecido: "Esse tema é contundente no mundo todo e importante de ser dito por conta das causas que ele gera", ressalta. A autora esclarece que o termo wollying resulta da combinação de duas palavras em inglês, "woman" e "bullying", destacando que esse tipo de violência muitas vezes é inconsciente, fruto de séculos de rivalidade e opressão.
Ela enfatiza que o bullying entre mulheres pode ter consequências devastadoras, comparando-o com a violência psicológica que ocorre em relacionamentos abusivos. Segundo ela, o wollying pode levar desde a exclusão social até a depressão severa e até, em casos extremos, ao suicídio.
O impacto no ambiente corporativo também é destacado por Katia diante da constatação de que falta apoio entre mulheres nos espaços de trabalho. Ela afirma que a promoção de homens em detrimento de mulheres é uma realidade frequente: "A própria mulher não promove outra mulher. Se ela tiver que promover, às vezes, escolhe um homem com menos habilidades. Isso acontece muito no mundo corporativo de forma efetiva".
Esse cenário contribui para a perpetuação de desigualdades, minando as chances de mulheres alcançarem posições de liderança. "Não existe mais motivos para que uma mulher não apoie outra mulher", afirma.
No entanto, Katia alerta que esse comportamento não se restringe ao mundo profissional. Nas relações pessoais, ele se manifesta por meio de exclusão social, comentários depreciativos e a criação de "grupinhos" que desvalorizam mulheres que pensam ou agem de forma diferente. "Você começa a ser rechaçada e excluída para 'happy hour' com as amigas, por exemplo. Começa a ouvir que tal roupa não cai bem, que você é gorda. E você percebe que há intencionalidade em te descredenciar"’, explica.
Resistência das empresas
Katia também menciona a pesquisa da Universidade de Harvard, que revelou que homens casados tendem a ser mais felizes, enquanto as mulheres encontram maior felicidade em seus grupos de amigas. Essa constatação torna o wollying ainda mais perturbador: "Se a amizade entre mulheres é uma fonte de felicidade, o que acontece quando uma mulher prejudica outra?"
A resistência das empresas em abordar o tema foi outro ponto levantado pela escritora. "Muitas preferem negar que isso ocorre em seus espaços," afirma Katia, revelando a necessidade de um esforço coletivo para quebrar o silêncio em torno dessa questão.
Katia Teixeira finaliza com um apelo para maior conscientização e ações concretas: "Precisamos conceituar de forma correta para expandir a consciência das pessoas. Somente assim poderemos enfrentar o wollying e criar um ambiente de apoio mútuo entre as mulheres."
Tue, 22 Oct 2024 - 353 - Concerto em Paris com pianista Juliana Steinbach homenageia Nelson Freire, que faria 80 anos
O célebre pianista brasileiro Nelson Freire completaria 80 anos nesta sexta-feira (18) e para homenagear um dos mais consagrados musicistas brasileiros de todos os tempos, um concerto será dedicado a ele em Paris, com a presença de nomes como Juliana Steinbach. Radicada em Paris, Juliana era próxima de Freire, que vivia entre a França e o Brasil, onde morreu em 2021.
“O Nelson Freire foi uma inspiração para todos os pianistas do mundo. Foi um privilégio poder me aproximar de uma alma tão linda como a dele e de um pianista tão perfeito”, disse Juliana, em entrevista à RFI. “Ele tinha uma naturalidade e espontaneidade, uma riqueza de análise e cultura sobre a história dos pianistas. Nelson Freire é um exemplo de musicista que teve uma trajetória instrumental de progresso permanente, uma busca de um ideal musical e de expressão pianística realmente inigualável”.
Brasileira da Paraíba, Juliana Steinbach foi ainda bebê viver na França, onde fez os estudos superiores de piano e consolidou a carreira de pianista. Recebeu prêmios como o Concurso Vittorio Gui de Firenze e já se apresentou nas principais salas parisienses, além de várias cidades europeias.
Em sua trajetória, tocou a quatro mãos com Nelson Freire em diversas ocasiões, como no Festival de Piano e Música de Câmara Charolais Brionnais, que ela idealizou e organiza na região da Borgonha há quase 20 anos. O evento traz músicos do exterior e também é uma porta de entrada para brasileiros na Europa – por meio de uma parceria com a Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp), que inclui bolsas de estudo.
Leia também'Sucessor' de Nelson Freire, Cristian Budu abre homenagem a pianista brasileiro na França
Na plateia, Lula e Macron
A franco-brasileira afirma que sua origem jamais foi um obstáculo para a sua ascensão no continente europeu, berço da música clássica. “Muito pelo contrário, acredito que a cultura brasileira seja uma vantagem porque nós, povo brasileiro, temos uma grande sensibilidade à música, ao ritmo, à dança e à expressão corporal e artística. Isso aparece nas nossas trajetórias artísticas aqui na Europa e é muito valorizado”, salienta.
No começo do ano, Juliana Steinbach teve na plateia dois presidentes, o da França e o do Brasil. Durante a visita do líder francês Emmanuel Macron ao Brasil, ela foi convidada para se apresentar durante um almoço oficial oferecido por Lula no palácio Itamaraty, em Brasília. “Foi realmente uma grande emoção, porque tive o prazer de tocar um repertório franco-brasileiro para os dois”, relembra, ao contar que Macron se mostrou admirador de Heitor Villa-Lobos e também de Nelson Freire.
O concerto de homenagem ao pianista brasileiro ocorrerá na noite de sexta-feira no Studio Laurens, no 14º distrito de Paris.
Fri, 18 Oct 2024 - 352 - "Claude Lévi-Strauss não era um antropólogo de biblioteca", diz autor de livro sobre viagens do intelectual francês ao Brasil
Os anos vividos no Brasil, entre 1935 e 1939, foram um marco na vida do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. "Este foi o momento em que ele passa de um professor de filosofia e sociologia ao etnógrafo que viria a ser e se abrem novas possibilidades para as suas ambições intelectuais", diz Samuel Titan, organizador do livro "Claude Lévi-Strauss, os mais vastos horizontes do mundo", em tradução livre. A parceria com Augusto Calil foi publicada na França pela editora Chandeigne e Lima e contém dez textos inéditos do acadêmico sobre as transformações sociais e políticas do Brasil. Neles, Lévy-Strauss analisa, entre outros temas, o cubismo, o integralismo, relata grandes expedições e reflete sobre conceitos de grande interesse na atualidade.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
O livro lançado na segunda-feira (14) na Casa da América Latina (Maison de l'Amérique Latine) em Paris, aborda os anos em que Lévy-Strauss viveu em São Paulo, tendo a ambição de se tornar um grande pensador e intelectual, contextualiza Samuel Titan, em entrevista à RFI Brasil."Esse livro tenta mostrar como esses anos em São Paulo são decisivos na conversão de um professor de filosofia e sociologia no etnógrafo e no antropólogo que ele viria a ser", diz o editor.
Em uma de últimas entrevistas, Claude Lévi-Strauss disse que a sua temporada no Brasil havia sido uma das mais importantes de sua vida. Tanto pelo distanciamento e pelo contraste, mas principalmente pelos resultados profissionais.
Samuel explica que os dois primeiros textos são o que poderia esperar de um professor francês instalado na metrópole. "Eles são ótimos textos, um sobre pintura e outro sobre política. E todos os outros oito, são textos de alguém que se lança a devorar a literatura antropológica sobre o novo mundo e que, na sequência imediata, se lança à pesquisa de campo", completa. "São os anos das duas grandes expedições. primeiro aos Kadiwéu e aos Bororo, e depois em 1938 aos, ao território dos Nambikwara", acrescenta. "São momentos decisivos, de formação e são ritos de passagem que se cumprem essencialmente no Brasil", continua o editor.
Nascido na Bélgica, Lévy-Strauss é considerado o fundador da antropologia estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX. Entre suas obras mais conhecidas está "Tristes Trópicos", um ensaio publicado em 1955 na França, pela Editora Plon.
O livro organizado por Samuel Titan e Augusto Calil, agora lançado na França e que tem previsão de ser traduzido em português, em outubro de 2025, pela Editora 34, reúne reflexões feitas quando a carreira de Lévy-Strauss ganhava novos rumos, no Brasil.
Do Cubismo ao fascismo brasileiro
"O primeiro texto se chama "O Cubismo e a vida cotidiana" (1935) e é um texto de reflexão estética, de perfeita atualidade e muito premonitório do que seria o pensamento do Lévi-Strauss sobre a arte, particularmente a pintura", diz Titan. "O segundo texto é um texto de política e sobre a emergência do fascismo no Brasil e ganha uma atualidade infeliz diante das coisas que acontecem hoje",observa o editor.
No Rio de Janeiro, também em 1935, Lévy-Strauss escreve:
Mais adiante no texto, o pensador francês observa:
Ainda de acordo com o filósofo francês, no mesmo artigo:
Lévi-Strauss ainda observa que "o integralismo se parece com o fascismo italiano", mas se diferencia deste por "por suas ideias filosóficas, místicas e religiosas. Deus, Família e Pátria é o grito de guerra do integralismo", descreve Titan. Sobre todos os outros aspectos, "o programa integralista é um reflexo pálido dos fascismos europeus. A família é considerada a base, natural e biológica da sociedade, com controle moral do ensino, da imprensa, do teatro e do cinema", acrescenta.
As expedições indígenas
Em outros textos, o antropólogo francês Claude Lévy-Strauss relata sua visita à tribo dos indígenas Bororo, no Mato Grosso, onde descreve a organização social do grupo. Ele também foca na vida social e familiar dos Nambikwara, da mesma região, e dos Kadiwéu. "Esse é o momento em que ele, enfim, tem de ir a campo, mas também se pôr à prova como etnógrafo e depois como antropólogo. O que chama muito a atenção é a qualidade da pesquisa etnográfica", analisa Samuel Titan. "Ele teve de fazer a primeira expedição nas férias universitárias porque o contrato que ele tinha com a Universidade de São Paulo (USP) não previa esse tipo de atividade. Ele era um professor que devia cumprir com o ensino da sua matéria durante o semestre. Então, a primeira expedição é muito breve e chama a atenção a riqueza do resultado", completa o editor do livro.
"O primeiro grande artigo etnográfico sobre a vida dos Bororo chama a atenção, na época, de gente que já estudava e tentava decifrar aspectos da vida social desse povo há muito tempo. Nós reproduzimos um trecho de uma carta em que um dos grandes especialistas da época, o etnólogo alemão instalado no Brasil Herbert Baldus, escreve: "poxa vida, passamos boa parte da vida tentando entender como funciona o sistema de parentesco Bororo e esse rapaz francês parece que decifrou tudo em duas ou três semanas", diz Titan. Para o organizador do livro, o trabalho é "de uma riqueza e de uma penetração intelectual que desmentem uma certa fama a respeito de Lévi-Strauss como um antropólogo de biblioteca, um antropólogo de gabinete", observa o editor. "Esse livro, entre outras coisas, mostra o Lévi-Strauss no campo, com talento e verve realmente ímpares", diz.
Filmes feitos com a esposa Dina Dreyfus
A segunda parte do livro é dedicada a filmes feitos por Lévy-Strauss e a sua primeira esposa Dina Dreyfuss. "Nós damos aos leitores acesso a cinco filmes que foram salvos na Cinemateca Brasileira, dos seis encontrados em 1977 por Carlos Augusto Calil, quando ele estava na Secretaria de Cultura de São Paulo", explica Anne Lima, da editora Chandeigne e Lima. "São filmes feitos em 1936, no trabalho de campo junto aos Bororó e aos Kadiwéu. Há também um filme sobre um trabalho no coral de uma grande fazenda no Mato Grosso. Todos juntos, esses filmes somam mais ou menos 45 minutos. São filmes mudos, mas de uma beleza incrível", descreve a editora.
Uma curiosidade é que Lévy-Strauss achava que a fotografia era uma perda de tempo, assim como as imagens, que não eram suficientes para contar o que ele via, segundo a obra recém-lançada. "Tem uma ambiguidade interessante. Numa certa ocasião, ele disse que quando você está fotografando ou filmando, deixa de observar as coisas. Por outro lado, ele diz que o cinema, os filmes etnográficos, lhe causavam tédio, que ele não se interessava, ainda que talvez isso soasse como uma heresia. Mas na verdade, quando você tem a ocasião de mergulhar nos arquivos iconográficos visuais do Lévi-Strauss, você se dá conta de que ele tem um trabalho permanente de registro visual por meio da fotografia", explica Titan, acrescentando que "a Biblioteca Nacional de Paris conserva desenhos admiráveis feitos por ele". Ainda de acordo com Titan, "no Mato Grosso, Lévy-Strauss mobilizou o pai, que foi com ele para o Brasil e se instalou em São Paulo, Raymond Lévi-Strauss, que era pintor, para que cuidasse das ilustrações dos primeiros artigos etnográficos. E ainda tem os filmes", completa.
Para o editor brasileiro, trabalhar neste projeto foi uma oportunidade de olhar para o seu país. "Para mim, foi a ocasião de travar mais contato com um momento muito especial da cultura brasileira, o momento da efervescência modernista", diz. "Nós quisemos fazer desse livro um documento importante do grau em que o Lévi-Strauss participa disso, nos anos brasileiros. Ele não passa por São Paulo e dá adeus. Ele trava relações muito densas com a vida intelectual paulistana, especialmente com Mário de Andrade" conclui.
Wed, 16 Oct 2024 - 351 - Marcel Powell faz turnê na Europa de seu novo disco instrumental Horizon
Nascido em Paris, o violonista brasileiro Marcel Powell está de volta à Europa em uma turnê que passa não só pela França, mas pela Bélgica, Alemanha e Áustria. Ele apresenta o novo álbum “Horizon”, um retrato musical do seu trabalho, que tem raízes na música brasileira, no jazz e na música clássica, além de mostrar um pouco do legado musical de seu pai, Baden Powell, que permanece vivo e atual. Em entrevista à RFI Brasil, Marcel Powell falou sobre o seu 11.º álbum de música instrumental, com releituras de outros artistas e composições próprias.
Maria Paula Carvalho,da RFI em Paris
Horizon, o tema que dá nome ao disco, é uma releitura de Baden Powell (1937-2000), com quem Marcel aprendeu a tocar violão. O álbum é composto predominantemente por temas autorais, mas tem releituras de outros compositores como Tom Jobim, Ivan Lins e algumas participações especiais. “Tem a participação de um músico brasileiro que mora na França já há alguns anos, o grande trombonista Roberto Oliveira, que toca comigo um tema que eu compus com o pianista brasileiro Gilson Peranzzetta. E tem uma participação de um cantor belga chamado David Linx, em que nós fizemos o 'Bilhete', do grande Ivan Lins e Vitor Martins”, afirma Marcel.
Disponível em todas as plataformas digitais, Horizon ainda tem um tema composto por um dos 20 filhos do compositor Johann Sebastian Bach, Carl Philipp Emanuel Bach. “É um clássico e eu tenho uma relação com esse tema porque foi um dos primeiros que aprendi a tocar no violão, quando estudava com o meu pai”, conta Marcel. “Eu tenho uma lembrança muito forte, afetiva inclusive, de quando estudei violão com Baden, durante quase dez anos, diariamente, dos nove até os meus 18, quando ele faleceu”, completa o artista.
A herança musical
Baden Powell revolucionou a maneira de tocar violão e de compor no auge da Bossa Nova,influenciando e formando gerações de instrumentistas pelo mundo. Marcel Powell teve a sorte de aprender com ele em casa, mas também viajando nas turnês do pai. “A minha vida profissional começou aos nove anos de idade, quando ele resolveu colocar meu irmão e eu para estrearmos. Nesse primeiro show, estava sentado na plateia nada menos do que Rafael Rabello, violonista e compositor brasileiro. E eu tive realmente esse privilégio, essa bênção divina”, completa.
Em Paris, o show acontece na terça-feira (22) no Sunset, no Festival Jazz Sur Seine, quando Marcel se apresentará em duo com David Linx, artista que conheceu em 2011, em um show em homenagem ao pai. “O David estava lá e cantou um tema do meu pai em português, apesar de não falar português. Ele é um cantor de jazz, faz muitos vocais de improviso e agora nós fazemos essa parceria”, afirma. “O improviso não significa fazer qualquer coisa na hora, mas é o improviso dentro de um arranjo, ter a liberdade de fazer algo improvisado, mas dentro de parâmetros”, explica. “A gente não colocou limite de gênero: estamos tocando clássicos do jazz, como o Thelonious Monk, ou Chico Buarque, Tom Jobim e Baden”, completa.
Marcel Powel também fala sobre a emoção de se apresentar na França. “Desde 2022,eu tenho feito duas turnês por anoe é sempre muito especial, porque aqui foi a cidade onde eu nasci, a cidade que o Baden e a minha mãe Sílvia se conheceram, em 1974. Então, é sempre muito especial, fica sempre aquela expectativa alta do que vai acontecer eu fico sempre muito feliz”, conclui.
Datas dos próximos shows:
22/10 duo Marcel Powell e David Linx, no Sunset, em Paris
24/10 (solo) no Blue Note, em Estrasburgo (França)
25/10 (solo) no Gitarrenfestival, em Bad Wildungen (Alemanha)
31/10 duo Marcel Powell com David Linx, no Porgy & Bess, em Viena (Áustria)
Wed, 16 Oct 2024 - 350 - Novo talento da MPB, Matu Miranda faz turnê pela Europa e se apresenta em Paris
O cantor e compositor brasileiro Matu Miranda lançou seu primeiro álbum, “Matutando” em setembro, pouco antes de embarcar em sua turnê de estreia na Europa. O artista passou por Barcelona, na semana passada, e faz show em Paris nesta terça-feira (15).
Daniella Franco, da RFI
Um “cantautor”: é desta forma que se autodefine Matu Miranda, que cria e canta suas próprias composições, “fascinado com a ideia de improvisação”. Segundo ele, é por meio da "liberdade plena e do momento presente" que a sua música se manifesta.
Essa espontaneidade de criação pode ser ouvida em “Matutando”, o primeiro álbum do artista. O trabalho mescla a poesia das letras com ritmos brasileiros, uma pitada de jazz, e a aveludada voz de Matu.
Ao ter seus timbres comparados aos de Caetano Veloso e aos de Djavan, Matu não esconde contar com esses monumentos da MPB entre suas inspirações. Não por acaso foi “Faltando um pedaço”, do cantor alagoano, que interpretou na semifinal do programa The Voice, no ano passado.
Estar rodeado de grandes representantes da MPB parece fazer parte do destino do jovem artista. É outro “medalhão” da música brasileira, Lenine, quem divide os holofotes com Matu em “Renova”, nona faixa de “Matutando”. Ao todo, o disco traz dez músicas e parcerias de peso, como Chico Lira, Bebê Kramer e Carlos Malta, padrasto do cantor.
Divagações e reflexões
“O ‘Matutando’ nasce desse processo de autoinvestigação enquanto músico e ser humano. São divagações e reflexões acerca deste matutar. Essa palavra tem essa tradução de mergulho interno, de meditar sobre algo”, explica.
O trabalho veio à tona através de um processo definido por Matu como “nômade”. “Cada faixa eu fiz em um lugar, com músicos do Brasil inteiro. Foi uma jornada bonita”, relembra.
A concretização dessa caminhada pode ser conferida pelo público europeu nas próximas semanas. Matu Miranda se apresenta nesta terça-feira na sala Sunset Sunside, em Paris, antes de subir no palco em Bruxelas, na sexta-feira, 18 de outubro. O cantor também passa pela Alemanha e Holanda, e encerra a turnê europeia em 3 de novembro em Lisboa, Portugal.
“É uma alegria poder viajar através da minha música. Eu tenho sido muito bem recebido cantando as minhas composições, e me deixa muito feliz a abertura das pessoas para o novo”, comemora.
Tue, 15 Oct 2024 - 349 - Kátya Teixeira comemora 30 anos de carreira com turnê internacional e lançamento de single-manifesto
A cantora e compositora paulista Kátya Teixeira está celebrando 30 anos de carreira com uma turnê internacional que passa por vários países da Europa. Depois da Suíça e da França, a cantora e compositora encerra a agenda em Portugal e Espanha. Mas a comemoração não se limita apenas aos shows. Ela lançou recentemente o single "Manifesto", uma homenagem ao poeta e músico chileno Víctor Jara, assassinado após o golpe militar no Chile em 1973.
A ideia de resgatar a canção "Manifesto" de Jara, um verdadeiro testamento artístico, surgiu do envolvimento de Kátya com o movimento Dandô — uma rede de artistas e mobilizadores que promove encontros culturais entre diversos países da América Latina e Europa, da qual ela é uma das precursoras.
"Eu não canto por cantar nem por ser boa cantora. Canto porque o violão tem sentido e razão", diz Kátya ao se referir aos versos que conectam o legado de Jara à essência da música popular que ela tanto defende. "Escolhi essa canção porque ela expressa exatamente o que fazemos na nossa caminhada artística."
O lançamento mundial de Manifesto foi realizado em setembro, em São Paulo, durante a 7ª edição do evento chileno “MilGuitarras” que celebra a obra e a vida de Víctor Jara. Manifesto ganhou duas versões: uma em português, que tem a participação dos músicos brasileiros Francisco Prandi, Júlio Santin e Bruno Menegatti, e uma versão franco-chilena,"Manifeste" com a colaboração da cantora francesa Marie Villalobo, que fez a tradução e cantou em francês.
Para Katya, essa fusão entre culturas reforça a força da mestiçagem, uma característica central de sua obra: "É a coisa mais bonita que a gente tem no Brasil, essa mistura."
Uma turnê que celebra conexões culturais
Além dos concertos, Katya também está realizando encontros culturais e musicais ao longo da turnê. Na França, por exemplo, ela fez ateliês e gravações com cerca de 150 alunos e professores do Conservatório de Villiers-Sur-Marne, onde desenvolve um projeto colaborativo. "É uma troca rica. Conversamos, trocamos ideias e gravamos algumas canções. São jovens, adultos, todos interessados em conhecer a música popular brasileira e, ao mesmo tempo, compartilhar a deles."
Essas trocas fazem parte da essência da carreira de Kátya, que sempre busca construir pontes entre diferentes culturas através da música. "Aonde a gente chega, trazemos um pouco da cultura brasileira e recebemos a cultura local. É uma convergência que cria algo novo, e isso é o que me move."
Sua turnê inclui não apenas concertos, mas também "aulas-espetáculo", onde ela conta a história da Música Popular Brasileira e fala sobre sua discografia, composta por oito discos e diversos singles. Esses encontros já estão sendo documentados e poderão culminar em um novo álbum ao final da turnê.
A receptividade à música brasileira
Ao longo dos anos, Kátya notou uma receptividade calorosa ao seu trabalho e à música brasileira no exterior. "Aonde a gente chega com a música brasileira, somos recebidos com um sorriso. As pessoas gostam muito do nosso trabalho."
Ela também valoriza a interação direta com o público, muitas vezes distante nos grandes espetáculos: "Eu tento sempre humanizar essa arte, aproximar o público. Gosto de olhar no olho, de contar as histórias por trás das canções", afirma.
Na Suíça, Kátya fez questão de que suas histórias fossem traduzidas ao público local, criando um diálogo mais próximo com a plateia. "Foi muito interessante porque eles se envolveram profundamente. Tenho sido muito bem acolhida em todos os lugares."
Movimento Dandô: arte e diversidade cultural
Parte importante do trabalho de Kátya Teixeira está ligada ao Dandô, o Movimento de Arte e Saberes Dércio Marques, que ela ajuda a coordenar.
O Dandô é uma rede que reúne artistas de diferentes horizontes e promove encontros culturais, com o objetivo de sensibilizar e valorizar a diversidade das culturas locais e conectar o Brasil com países da América latina e Europa. Segundo Kátya, "a grande força que temos como humanidade é essa diversidade que trazemos de cada lugar."
Em meio às celebrações de seus 30 anos de carreira e a expansão internacional do projeto Dandô, a cantora e compositora reflete sobre a importância de comemorar a trajetória e o que ainda está por vir. "Comemorar faz bem. E é bonito ver o quanto essa caminhada nos levou a tantos lugares e a tantas pessoas."
Mon, 14 Oct 2024 - 348 - "É uma valorização do papel das mulheres na causa social", diz irmã Rosita sobre prêmio da ONU para refugiados
Nesta segunda-feira (14), em Genebra, a irmã Rosita Milesi, de 79 anos, será homenageada com o Prêmio Nansen, concedido pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), pelo trabalho de mais de quatro décadas à frente do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), em Brasília. Sua atuação tem sido crucial na acolhida e assistência a refugiados e migrantes no Brasil, oferecendo suporte na obtenção de documentos, abrigo e acesso ao mercado de trabalho. A homenagem destaca a sua dedicação a milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade que fugiram de conflitos e perseguições.
Ao longo de mais de 40 anos de dedicação, irmã Rosita, que pertence à Congregação das Irmãs Scalabrinianas, atuou diretamente na regularização migratória de milhares de pessoas, viabilizando a obtenção de documentos administrativos, acolhimento e acesso ao mercado de trabalho. Sua trajetória é marcada por um compromisso inabalável com os mais vulneráveis, especialmente aqueles que, forçados a migrar por conflitos e perseguições, chegam ao Brasil em busca de um futuro melhor.
"Eu me sinto muito honrada e, ao mesmo tempo, sem condições de ser merecedora. Dedico essa homenagem aos milhares de refugiados e migrantes que tive a oportunidade de acompanhar ao longo da minha trajetória", afirmou à RFIsobre a homenagem.
A história de irmã Rosita com a causa migratória começou no final dos anos 1970, quando, a pedido da superiora de sua congregação, ela passou a estudar e se dedicar ao tema das migrações.
Inspirada pelos ensinamentos de São João Batista Scalabrini, fundador da ordem, e pelas primeiras irmãs da congregação, ela fundou o Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), em 1986. Desde então, sua atuação ajudou refugiados de mais de 70 países, oferecendo apoio em áreas fundamentais como regularização de documentos, abrigo e inclusão no mercado de trabalho.
Em sua trajetória, muitas histórias a marcaram profundamente, como o caso de uma família síria que, ao chegar ao Brasil, enfrentou tantas dificuldades que cogitou retornar à zona de guerra. "Eles me disseram que talvez fosse melhor morrer com uma bomba do que enfrentar os desafios aqui. Mas, com o tempo e o apoio, eles conseguiram se reinventar e hoje estão felizes no Brasil", relembra irmã Rosita.
Prêmio "para o Brasil"
Sobre as necessidades mais urgentes dos refugiados, a religiosa destaca que, além de garantir alimentação e abrigo nos primeiros momentos, é crucial oferecer acesso ao mercado de trabalho e às políticas públicas, como educação e saúde. Para ela, o Brasil ainda precisa avançar muito nas políticas de integração, que são tão importantes quanto o acolhimento inicial. "Temos leis avançadas, mas precisamos de políticas de integração mais efetivas. Acolher é importante, mas a integração é fundamental", afirma.
Irmã Rosita também destaca que o Brasil está no processo de elaboração de uma política nacional de migrações e refúgio, e vê com esperança o avanço desse projeto, especialmente com a realização da Conferência Nacional de Migrações e Refúgio. "Esperamos que no próximo ano tenhamos essa política aprovada. Será um passo importante para garantir uma postura clara e consistente do país em relação aos refugiados e migrantes", avalia. "
A religiosa acredita que o reconhecimento internacional que está recebendo pode, de alguma forma, contribuir para acelerar esse processo, mas destaca que a homenagem é, sobretudo, uma valorização do trabalho coletivo realizado no Brasil. "Eu sou apenas uma representante, mas esse prêmio é para o Brasil, é para todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram com essa causa", reflete.
Em um momento em que o mundo vive um aumento de conflitos geopolíticos e crises migratórias, Irmã Rosita ressalta a importância de buscar o diálogo em vez da guerra. "Precisamos substituir armas por diálogo. O diálogo constrói a paz, e é isso que devemos desejar", afirma.
A religiosa vê com grande significado que, neste ano, cinco mulheres, incluindo ela, receberão o Prêmio Nansen, criado em 1954 em homenagem aos trabalhos humanitários do cientista e diplomata norueguês Fridtjof Nansen.
Além de irmã Rosita, são homenageadas Maimouna Ba, do Burkina Faso, a empreendedora social síria Jin Davod, a refugiada sudanesa Nada Fadol e a nepalesa Deepti Gurung. Para a irmã Rosita, a concessão do prêmio tem um importante valor simbólico e ressalta o papel fundamental que as mulheres desempenham na causa migratória. "Muitas mulheres carregam sozinhas o peso de proteger suas famílias, têm aquela garra, como a gente costuma dizer. São elas que viram o mundo, se necessário, para defender a causa humana, social", diz.
"É preciso reconhecer que muitas vezes esse papel da mulher, ele podia até existir, mas é mantido na obscuridade por sociedades machistas, às vezes, ou por falta de espaço de tornar mais ampla a sua luta. E neste ano, eu acho que é uma oportunidade de fato de percebermos esta decisão, esta atuação forte de mulheres que lutaram por causas e são exemplos para outros", afirma irmã Rosita
"Há que apreciar isso e, sobretudo, apreciar realmente a valorização da mulher, a participação da mulher na vida, na sociedade e a responsabilidade que as mulheres têm em relação à causa social, à causa de defesa, dignidade humana e das pessoas em geral”, conclui.
Mon, 14 Oct 2024 - 347 - “Cultura da sobrevivência” das periferias pode ajudar a adiar “o fim do mundo”, acredita antropóloga
A professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional do Rio, Adriana Facina, realizou em Paris uma residência de pesquisa acadêmica franco-brasileira para a elaboração de um “Inventário da produção cultural em territórios subalternizados”.
A arte e a cultura populares das periferias urbanas do Rio de Janeiro estão no centro dos trabalhos da antropóloga Adriana Facina. Ela esclarece que a pesquisa que realiza não é uma prática exótica. Citando a tese de uma “brasilianização” do mundo do filósofo Paulo Arantes, a professora do Museu Nacional indica que o estudo das periferias urbanas mundiais é essencial para explicar o momento do capitalismo atual.
Adriana Facina explica que com a deterioração dos modos de vida das classes populares, “as condições que eram comuns a gente enxergar nas periferias do sul do mundo começam a se espalhar também no norte (...) com a precarização do trabalho, crescimento de formas de sociabilidade violentas e a destruição das solidariedades de classe”.
Em sua pesquisa, a antropóloga busca “ver outras periferizações, que estão justamente nas ações criativas, na arte, na cultura, não para dizer que uma coisa compensa a outra, que a periferia é uma maravilha, mas no sentido de que onde há os problemas mais profundos, é também onde as soluções podem aparecer”.
Cultura da sobrevivência
Ao fazer uma pesquisa de campo para o inventário da produção cultural no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, ao lado dos colegas Daniel Silva e Adriana Lopes, Adriana Facina desenvolveu o conceito de “cultura da sobrevivência” a partir do testemunho do MC Calazans.
“Ele falou: ‘olha, o que existe aqui, antes de tudo, é uma cultura de sobrevivência’”, lembra. A antropóloga detalha que essa cultura “não é feita apesar da precariedade, mas a partir dela. É lidando com a precariedade que as pessoas desenvolvem formas criativas de ser estar no mundo. Então, é buscando encontrar caminhos de fazer com que a água chegue na casa de todo mundo que se compõe um samba. É buscando fazer com que todos tenham acesso à energia elétrica, que as artes plásticas, como grafite, que é muito emblemático nesses territórios, surgem”, exemplifica.
O funké uma das expressões representativas dessa cultura da sobrevivência que cria histórias, narrativas alternativas e constrói solidariedades. “O funk é extremamente relevante porque ele é a música que embala um estilo de vida, que embala uma sociabilidade de milhões de jovens no Brasil. É uma Juventude muito fragilizada, que deveria ser o centro das discussões públicas. E essa Juventude tem o funk como uma de suas formas principais de se manifestar no mundo criativamente. Então, acho que a gente precisa ouvir o que essa Juventude periférica está dizendo”, contextualiza.
Adiar o fim do mundo
O projeto “Inventário da produção cultural em territórios subalternizados”, coordenado por Adriana Facina em parceria com Silvia Capanema da Universidade da Sorbonne Paris-Norte, tem o apoio da Maison de Sciences de l’Homme (MSH). Ele reúne pesquisadores franceses e brasileiros que trabalham com periferias urbanas. Um dossiê com o resultado das pesquisas será publicado em breve. No ano que vem, durante a temporada cruzada França-Brasil, haverá uma exposição de fotografias em Paris e Adriana Facina espera conseguir fazer apresentações na França de grupos do Rio de Janeiro, como o bloco carnavalesco “Loucura Suburbana”, com quem trabalha.
O objetivo é fazer “essa união de periferias”, uma espécie de “internacional periférica”, que quem sabe possa nos ajudar nessa difícil tarefa de adiar o fim do mundo”, espera.
"Essa ideia de adiar o fim do mundo é uma ideia belíssima proposta pelo Ailton Krenak, que fala disso em relação aos povos originários", explica a pesquisadora. "A gente fica pensando o que faz uma pessoa, que não tem a sobrevivência garantida, pegar um tempo da sua vida e escrever uma música, pintar um mural, escrever uma poesia? Isso nos diz muito sobre a construção de subjetividades que resistem a esse apocalipse", completa.
Clique na imagem principal para assistir à entrevista completa.
Fri, 11 Oct 2024 - 346 - Livro “Amazônia” de Márcio de Souza é lançado na França dois meses após a morte do escritor
O infarto de Márcio de Souza no dia 12 de agosto, em Manaus, mudou de última hora os planos para o lançamento de “Amazônia” na França. Tudo estava sendo preparado para que ele estivesse presente neste mês de outubro, mas o escritor brasileiro morreu sem ver a versão francesa do livro. “Foi um choque terrível”, diz a editora Anne-Marie Métailié que tinha pressa em publicar esse livro “político” para “dar um instrumento para lutar” em defesa da Amazônia.
“Amazônia” é a terceira obra do escritor brasileiro Márcio de Souza, traduzido e publicado na França pela editora Métalié, depois de “Mad Maria” e “Galvez, imperador do Acre”. O livro é uma síntese do processo histórico da Amazônia do período pré-colombiano aos desafios do século 21. Ele foi publicado inicialmente em português em 2019 e chegou às livrarias francesas em 4 de outubro, menos de dois meses após a morte de Márcio de Souza.
A versão francesa, que traz na capa uma foto de Sebastião Salgado e um prefácio do francês Erik Orsenna, é bem diferente da brasileira. Márcio de Souza participou ativamente da adaptação para o francês, fazendo ajustes na narrativa e escrevendo um posfácio inédito, redigido no ano passado. O texto fala da crise ambiental de 2023 provocada pelas queimadas e pela seca histórica, uma crise que se repetiu este ano em proporções ainda maiores.
“Esse livro é um livro político”, afirma Anne-Marie Métailié. A editora lembra que a história foi escrita por quem é da Amazônia. “Ele nasceu em Manaus, viveu em Manaus, gosta da Amazônia e mostra como essa parte do mundo foi maltratada ao longo da história mundial e como os problemas atuais, essas queimadas incríveis, têm relação com à maneira como foi sempre tratada a região desde a colonização”, descreve.
Pressa em publicar o livro na França
Márcio de Souza aborda a Amazônia, presente em nove países da América do Sul, como um subcontinente e sustenta a tese da existência de “uma civilização amazônica”. A solução para a região, segundo o escritor, seria “construir a Amazônia com a gente que mora na Amazônia, para poder desenvolver as coisas de uma maneira racional, adaptada ao chão, ao clima, às necessidades das transações comerciais”, indica Métailié.
A tradução do livro de 10 capítulos e mais de 400 páginas foi feita por três pessoas (Stéphane Chao, Danielle Schramm e Hubert Tézenas) porque a editora tinha pressa em publicar “Amazônia” na França.
“Eu estava com pressa de mostrar o que é a Amazônia. Queria fazer rápido para lançar uma discussão, porque a cada ano a floresta amazônica queima, e são incêndios provocados, não é fatalidade da natureza. Esse livro é tão extraordinário que eu queria colocar ele rápido nas mesas das livrarias para dar um instrumento para lutar”, salienta.
Clique na imagem principal para ouvir a entrevista completa.
Thu, 10 Oct 2024
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